Você tomaria conhecimento disto em uma discussão nos campi [de universidades] ou em nossas escolas secundárias, no entanto, a melhor análise da Guerra da Independência Americana foi providenciada enquanto ela ainda estava em curso. O caráter dos americanos, a configuração do Parlamento Britânico e as políticas que levaram esses dois ao conflito foram brilhantemente detalhados em uma série de discursos e cartas [escritos] por um membro anglo-irlandês do Parlamento Britânico, que igualmente serviu como comissário na colônia de Nova Iorque. Este homem, certamente, foi Edmund Burke. Na época, a compreensão de Burke sobre o conflito — de que o Parlamento contribuía para a instabilidade através do rompimento com as expectativas do eleitorado americano em relação à sua autonomia [do Parlamento] — foi extremamente influente. Burke foi essencial para estabelecer um acordo que solucionou, por algum tempo, a Crise da Lei do Selo.
“Edmund Burke” – by Sir Joshua Reynolds (1767-1769). |
Lamentavelmente, mentes frias como a de Burke não prevaleceram, o Parlamento retomou suas políticas agressivas e a guerra pela independência seguiu-se. Depois da guerra, o Parlamento preferiu fingir que todo aquele assunto desagradável não havia existido. Entretanto, nos Estados Unidos, a análise de Burke permaneceu bastante influente até o século vinte. Infelizmente, ao longo do tempo, as autoridades educacionais americanas nas universidades e escolas secundárias vieram a rejeitar a leitura de Burke sobre a Guerra da Independência para privilegiar várias formas de ideologias extremas. Eles chegam a retratar os líderes da revolução ora como radicais unidos em um projeto utópico baseado em uma filosofia abstrata, ora como pseudo-aristocratas egoístas que buscam manter o domínio sobre as massas oprimidas. Essa compreensão equivocada nos leva a crer que a análise de Burke permanece vital, atual e mais importante do que nunca.
Aqui vai uma explicação completa: o motivo de minha releitura sobre Burke e a revolução é o lançamento da edição revisada da obra “Complete Writings on America”, de Burke — para a qual escrevi a introdução (e por uma editora, a Cluny Media, da qual faço parte como conselheiro). Então, novamente: fazer com que essa obra voltasse a ser impressa foi ideia minha e eu acabei de demonstrar algumas das razões para isso. Portanto, fica claro que acredito que Burke tem algo valioso a dizer.
A mais conhecida discussão de Burke sobre a crise americana está em sua obra “Speech on Conciliation with the Colonies“. É uma façanha. Ao alertar o Parlamento a retroceder em suas políticas agressivas nos Estados Unidos, Burke enfatiza a cultura comum e os interesses dos britânicos e de seus colonos americanos. Ao mesmo tempo, entretanto, ele formula um argumento ao qual os diferentes costumes e até mesmo as características pessoais dos americanos e britânicos sejam cruciais. Burke destaca que os americanos são um povo um tanto irritadiço e profundamente preocupado com a proteção daquilo que veem como seus direitos e privilégios mais antigos. Longe de se submeter às filosofias abstratas de direitos expansionistas e universais, Burke simplesmente pede a seus colegas no Parlamento que levem em conta as pessoas com quem eles lidam, e que vejam o conflito do ponto de vista dos americanos. O aspecto central da compreensão política de Burke é o dos “direitos prescritivos”, os quais ele simplesmente entende como expectativas razoáveis das pessoas que são enraizadas através de práticas de longa data. Os americanos se acostumaram, ao longo de décadas, a conduzir seus próprios assuntos internos, cobrando impostos e governando a si mesmos dentro das limitações impostas pelo Império Britânico. Uma mudança brusca das regras do jogo, com a taxação imediata do comércio e a intervenção nas legislaturas locais, foi quase uma revolução, segundo Burke, pois violava o entendimento dos americanos sobre sua posição no Império, causando insatisfação e solapando sua ligação com a pátria.
“Declaration of Independence” – by John Trumbull (1818) U.S. Capitol. |
Burke investigara os problemas do controle Imperial sobre o comércio e a taxação em uma obra anterior: “Speech on American Taxation“. Na obra, ele repreende os então líderes do Parlamento por reivindicarem a necessidade de manter algum tipo de taxação direta das colônias. Em cima deste assunto, Burke empreendeu e brilhantemente formulou a defesa americana para o argumento da taxação: de que a Inglaterra já taxava os americanos efetivamente ao controlar seu comércio exterior. A política Imperial exigia que as mercadorias americanas fossem transportadas até a Inglaterra antes de qualquer lugar, e exigia aos americanos que obtivessem seus bens manufaturados do próprio país também. Somado a isso, [havia] um imposto direto sobre o comércio das colônias que era uma imposição desnecessária e uma violação dos costumes antigos.
Por toda a sua obra sobre os Estados Unidos, Burke retoma seu ponto essencial: a Inglaterra e os Estados Unidos haviam prosperado sob um sistema de “negligência judiciosa e salutar”, no qual as colônias em grande medida governaram a si mesmas internamente, dentro do esboço tolerante da tradição britânica e das exigências gerais do Império Britânico. As inovações parlamentares, concentradas na taxação direta e uma série de políticas intervencionistas que almejavam reforçá-la, deixaram os americanos preocupados de certa forma quanto aos seus direitos habituais. Tendo em vista que os Estados Unidos era um conjunto de colônias distantes que não poderiam pertencer integralmente ao governo britânico, uma política de conciliação seria o melhor para todos os envolvidos. Assim como não havia uma representatividade razoável, também não haveria taxação nas colônias americanas. O retorno ao velho sistema livre traria a paz. Burke estava convencido de que isso também limitaria o poder dos ministros do parlamento, que corrompiam as políticas internas da Inglaterra em sua busca pelo poder “soberano” ilimitado.
Os discursos sobre conciliação e taxação não eram a soma total dos escritos de Burke acerca dos Estados Unidos. A crise americana havia comprometido as relações políticas e comercias dentro da Inglaterra. Assim sendo, Burke fala com seus próprios eleitores na cidade industrial de Bristol, esboçando os assuntos problemáticos e, dirigindo-se a esses eleitores, ele apresenta uma teoria de representação que viria a dominar a política nos primórdios da república americana. Burke rejeitava a ideia de que um deputado era um mero agente empregado por seus eleitores, compelido a votar conforme a orientação. Em vez disso, ele afirmava que deputados como ele eram eleitos para manifestar opiniões assim como simplesmente votar, e tomar decisões que considerassem mais adequadas para promover tanto os interesses daqueles que o colocaram no mandato quanto [os interesses] da nação como um todo. Essas duas perspectivas de representação viriam a influenciar os projetos Federalista e Antifederalista de governo nos Estados Unidos. O êxito parcial da teoria de representação mais independente foi crucial para a vitória dos Federalistas incorporada no início do constitucionalismo republicano.
“George Washington Crossing the Delaware” – by Emanuel Leutze (1851). |
Os americanos geralmente ignoram o impacto de sua guerra pela independência do governo britânico em si. Isso não é de se surpreender, mas pode impedir o entendimento da grande importância da crise. Os outros escritos de Burke sobre os Estados Unidos, incluindo cartas pessoais assim como discursos ao rei da Inglaterra, destacam sua inquietação quanto ao fato de que as ações do Parlamento poderiam centralizar o poder dentro da liderança parlamentar. Essa liderança, sustentava ele, era facilmente manipulada pelo monarca. Igualmente importantes, no entanto, os poderes seriam melhores não na posse de um parlamento “soberano” e todo-poderoso, mas com unidades governamentais locais nos Estados Unidos e em outras colônias.
O que resulta dos escritos de Burke sobre os Estados Unidos é o retrato de um conflito travado entre um poder distante e centralizador e as associações e unidades governamentais locais descentralizadas e há muito tempo habituadas a um autogoverno expressivo. Burke — muitas vezes visto ora como um simples opositor dos Direitos abstratos do homem ora como um político inconsistente — estabelece aqui, no início de sua carreira, a filosofia que o guiaria por toda a sua vida pública. Foi através de seus escritos sobre os Estados Unidos que ele formulou pela primeira vez sua oposição a qualquer força — institucional ou meramente política — que buscasse acumular todo o poder para si. Quer a busca pelo poder absoluto atue em nome do Povo, da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade ou até da Soberania Parlamentar, ela é corruptora; ela corrompe o caráter dos homens que a desejam. Uma vez bem sucedida, ela também pode corromper o caráter do governo e do povo subjugado às suas manobras.
A ideia dos Estados Unidos enquanto um tipo de nação revolucionária destinada a propagar sua ideologia por todo o mundo é o coração de muitas tragédias, especialmente durante o último século. Essa é uma ideia arraigada na incompreensão da nossa própria revolução, da essência do poder político e da natureza real dos direitos humanos. Os verdadeiros direitos do homem, como Burke eloquentemente argumentou em seus escritos sobre os Estados Unidos, estão enraizados na história e na tradição. Qualquer um que tente convencer uma pessoa a abrir mão de seus direitos adquiridos em nome de alguma noção abstrata — seja ela a soberania parlamentar, a liberdade ou a igualdade — é um inimigo de uma vida em liberdade e felicidade ordeiras, pelas quais Burke dedicou sua vida e carreira.
09 de junho de 2016
Bruce Frohnen
Tradução: Jay Messi
Revisão: Felipe Galves Duarte
[*] Bruce Frohnen. “Edmund Burke & the American Revolution: The Whole Story”. The Imaginative Conservative, 10 de Abril de 2016.
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