Cerveró se relacionava direto com Dilma e Collor |
Um dos principais personagens da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró revelou ter mágoa da presidente afastada Dilma Rousseff. Durante as tratativas de sua delação premiada, ele disse que foi “sacaneado” e “jogado no fogo” pela petista, a quem ele chegou a classificar de “maluca”. Cerveró reclamou, em pelo menos dois momentos, da versão apresentada por Dilma sobre a compra da refinaria de Pasadena (EUA).
Então presidente do Conselho de Administração da Petrobras, a petista disse que só aprovou a aquisição porque não tinha todas as informações disponíveis e que confiou no resumo executivo apresentado por Cerveró.
Em depoimento para a homologação de sua delação no STF (Supremo Tribunal Federal) –gravado em vídeo obtido pela Folha–, Cerveró disse que desconfiou das promessas do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) de interferência do governo Dilma para tirá-lo da prisão e criticou a petista. Segundo ele, Dilma fugiu a suas responsabilidades no caso Pasadena, que trouxe prejuízo milionário à Petrobras.
“CONHEÇO A DILMA”
“Primeiro que eu conheço a Dilma, e aí eu fiquei muito cabreiro [sobre interferência]. Embora eu conheça a intimidade da Dilma com o Delcídio, se a Dilma gostasse tanto assim de mim, ela não tinha me sacaneado – desculpe a expressão – há um ano, quase dois anos atrás, quando fugiu da responsabilidade dizendo que tinha aprovado Pasadena porque eu não tinha dado as informações completas”, disse.
“Quer dizer, ela me jogou no fogo, ignorou a condição de amizade que existia, que eu acreditava que existia – trabalhei junto com ela 15 anos – e preferiu, para [se] livrar, porque estava em época de eleição, tinha que arrumar um Cristo. Então: ‘Ah, não, eu fui enganada’. É mentira! É mentira”, completou.
DILMA SABIA DE TUDO
Cerveró afirmou que Dilma sabia de tudo sobre a Petrobras e que, estatutariamente, a responsabilidade na empresa pela aquisição de ativos pertence ao Conselho, que foi comandado pela petista.
Em outra gravação, quando explicava sua indicação para a BR Distribuidora, Cerveró também disparou contra a presidente afastada. “Quando o negócio pegou fogo, a maluca da Dilma foi dizer que não sabia, que não estava informada”. Renan [Calheiros, presidente do Senado] jogou a culpa no Delcídio. Quando o negócio ficou ruim, ninguém tinha me indicado”.
Cerveró disse ainda que é impossível Dilma não saber que políticos do PT cobravam propina de diretores da Petrobras.
RECONHECIMENTO…
Aos investigadores, Cerveró disse que não foi indicado pelo ex-presidente Lula para a área internacional, mas ele entendeu que foi uma espécie de reconhecimento pela ajuda prestada para quitar um empréstimo de R$ 12 milhões considerado fraudulento pelos investigadores da Operação Lava Jato.
“Eu não fui indicado. O Lula virou para os outros, o José Sérgio Gabrielli e a Dilma, e disse: e o Nestor? O que vamos fazer com ele. Não podemos deixar o cara… ele quebrou nosso galho. Arrumou milhões para pagar a divida que o PT tinha.”
Segundo ele, isso não foi literalmente dito, mas foi sua interpretação.
EMPRÉSTIMO DO SCHAHIN
Em 2004, José Carlos Bumlai obteve empréstimo do Banco Schahin e diz ter repassado R$ 6 milhões para o empresário de Santo André (SP) Ronan Maria Pinto, que, segundo a Lava Jato, detinha informações comprometedoras sobre o PT na região.
Anos depois, sob o comando de Nestor Cerveró, a diretoria Internacional da Petrobras aceitou contratar a Schahin Engenharia por US$ 1,6 bilhão para a operação de um navio-sonda, o Vitoria 10.000.
Segundo as investigações, o contrato seria uma forma de o PT retribuir o grupo Schahin pelo empréstimo.
Cerveró ficou na diretoria entre 2003 e 2008, e em seguida, foi nomeado diretor financeiro e de serviços de uma subsidiária da estatal petroleira, a BR Distribuidora.
RENAN E COLLOR
O ex-diretor também citou que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tinha participação ativa nas negociações da BR Distribuidora, que também era cobiçada pelo grupo do senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL) e por petistas.
Ele disse que Renan “fez questão de ir” a uma reunião no Copacabana Palace que marcou “quem era quem” na BR. Cerveró apontou ainda que costumava ter reuniões com Renan em seu gabinete. Em 2012, os dois teriam rompido porque Renan considerava que não estava sendo atendido. “Eu disse: fica a seu critério, senador”.
Ao longo das gravações, o ex-diretor da Petrobras faz várias queixas e análises sobre o comportamento de Collor, que já foi denunciado ao STF pela Lava Jato. De acordo com a Procuradoria, a propina paga ao ex-presidente chega a R$ 30 milhões.
NINGUÉM GOSTA DE COLLOR
Cerveró afirmou aos investigadores que “ninguém gosta” de falar com Collor. “A imprensa ele cospe. Você vai no gabinete do Collor não tem ninguém. Ele não fala com as pessoas. Ele convoca. Ele é presidente, tanto que você tem que chamar de presidente.”
O ex-diretor disse que Collor tinha uma “demanda gigantesca” a ser atendida na subsidiária e que certa vez tiveram desentendimento na Casa da Dinda, após o ex-presidente afirmar que teria informado a Dilma que não era para tirar Cerveró do cargo.
“Não podia perder a oportunidade e perder a piada”, afirmou. “Eu queria lhe agradecer que o senhor falou com a nossa amiga Dilma e me manteve no cargo”, disse.
“Pois é falei com a presidenta e que o senhor estava mantido no cargo”, afirmou. “Vou continuar a fazer o que for possível”, rebateu Cerveró, afirmando que Collor teria ficado “puto e chateado”. E completou: “muita arrogância não ia deixar barato.”
06 de junho de 2016
Márcio Falcão
Folha
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