O governo Michel Temer começou com alguns acertos e inaceitáveis atrasos. Na economia, o que os ministros e o presidente interino falaram faz todo o sentido. O país está, de fato, diante de uma emergência fiscal e é preciso buscar o equilíbrio perdido. Outros sinais dados pelo novo governo mostram que ele não entendeu a lógica do mundo atual. Não percebeu sequer o simbólico.
Não ter mulher no Ministério diz muito. Revela que eles nunca olharam como se formam governos em outros países atualmente. É impensável uma administração só de homens brancos, porque é preciso ser preconceituoso para não ver os talentos que a diversidade de um país oferece. Não é um detalhe. Não é para fazer figuração. É que o poder hoje em qualquer lugar do mundo é compartilhado, e a diversidade é um valor. Olhem para fora, senhores. Nos governos de François Hollande, Pierre Trudeau, Barack Obama, Angela Merkel e David Cameron há muita diversidade. Na França, a divisão é meio a meio, com 9 mulheres e 9 homens, entre 18 pastas. No Canadá, elas são 14 das 31. Na Alemanha, além da chefe de governo, Angela Merkel, 5 de 15 ministros são mulheres. Na Inglaterra de governo conservador, um terço, com sete dos 21 secretários de Estado, e mais 3 de 8 ministros. Nos Estados Unidos, são 4 dos 15 secretários e 3 dos 7 postos que têm status de ministro. E elas são brancas, negras, diversas, como deve ser. Ninguém hoje, exceto em um país árabe, teria uma ideia tão ruim quanto uma composição apenas masculina.
Instalar a Secretaria de Direitos Humanos sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, que tem uma coleção de controvérsias exatamente na área de direitos humanos, é demonstrar desprezo por bandeiras que são parte da democracia moderna. Nomear ministros investigados pela Lava-Jato e defender a operação no discurso de posse é, no mínimo, estranho.
A grande batalha será travada na economia. Ela está aos pedaços. Como disse o ministro Eliseu Padilha, é a maior crise econômica do país. Quando o ministro Henrique Meirelles diz que buscará a estabilização da dívida pública, ele está escolhendo um alvo que é síntese de vários outros. Muitas decisões precisam ser tomadas na direção certa para que ela pare de subir; tarefas duras e difíceis. É preciso que o déficit primário volte a ser superávit, o déficit nominal caia, a economia cresça, a arrecadação suba, os gastos sejam reduzidos, e as reformas sejam aprovadas. Muita coisa tem que dar certo para que a dívida interrompa a trajetória de alta acelerada do governo Dilma. Parece a história da sopa de pedra. Só fica pronta se houver todos os outros ingredientes.
E é fundamental interromper o crescimento da dívida pública, por um motivo central: os credores somos nós, todos os que aplicam em títulos da dívida pública brasileira. Foi muita irresponsabilidade da presidente Dilma ter deixado a dívida crescer como cresceu. Ela foi alertada e desprezou o alerta. O novo governo fez bem em focar esse ponto.
A última vez que o PMDB foi tão forte quanto agora foi em 1986, quando o sucesso do Cruzado encheu as urnas de votos no partido. Há 30 anos, eles foram beneficiários da abundância e da euforia. Agora serão sócios da penúria. E terão que aplicar remédios amargos. Farão isso?
O Palácio do Planalto estava lotado de políticos, a maioria do PMDB, na quinta-feira de tarde. E quem olhava a paisagem humana ficava na dúvida se as concessões a serem feitas para aqueles políticos todos não iriam revogar as promessas de austeridade no gasto. O que Eliseu Padilha disse na coletiva de sexta-feira é que justamente por ter base ampla e sólida o governo tem condições de fazer o programa difícil, de salvação nacional.
O presidente Temer queria acertar o tom e pediu uma cerimônia discreta e sóbria. E deu errado. Em vez de fazer a posse coletiva dos ministros no Salão Nobre do Planalto, ele escolheu o Salão Leste, mais acanhado. O ar-refrigerado não comportou, o empacotamento das pessoas tirou a visibilidade dos fotógrafos, que se revoltaram. Um pouco antes de começar, gritaram em coro: “Não vai ter foto”. Foi servida apenas água. Foi assim que o governo Temer começou. Com sinais mistos. A austeridade é bem-vinda. O projeto econômico é difícil e necessário. Mas há sinais em descompasso entre este governo e o mundo contemporâneo.
16 de maio de 2016
Miriam Leitão, O Globo
Não ter mulher no Ministério diz muito. Revela que eles nunca olharam como se formam governos em outros países atualmente. É impensável uma administração só de homens brancos, porque é preciso ser preconceituoso para não ver os talentos que a diversidade de um país oferece. Não é um detalhe. Não é para fazer figuração. É que o poder hoje em qualquer lugar do mundo é compartilhado, e a diversidade é um valor. Olhem para fora, senhores. Nos governos de François Hollande, Pierre Trudeau, Barack Obama, Angela Merkel e David Cameron há muita diversidade. Na França, a divisão é meio a meio, com 9 mulheres e 9 homens, entre 18 pastas. No Canadá, elas são 14 das 31. Na Alemanha, além da chefe de governo, Angela Merkel, 5 de 15 ministros são mulheres. Na Inglaterra de governo conservador, um terço, com sete dos 21 secretários de Estado, e mais 3 de 8 ministros. Nos Estados Unidos, são 4 dos 15 secretários e 3 dos 7 postos que têm status de ministro. E elas são brancas, negras, diversas, como deve ser. Ninguém hoje, exceto em um país árabe, teria uma ideia tão ruim quanto uma composição apenas masculina.
Instalar a Secretaria de Direitos Humanos sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, que tem uma coleção de controvérsias exatamente na área de direitos humanos, é demonstrar desprezo por bandeiras que são parte da democracia moderna. Nomear ministros investigados pela Lava-Jato e defender a operação no discurso de posse é, no mínimo, estranho.
A grande batalha será travada na economia. Ela está aos pedaços. Como disse o ministro Eliseu Padilha, é a maior crise econômica do país. Quando o ministro Henrique Meirelles diz que buscará a estabilização da dívida pública, ele está escolhendo um alvo que é síntese de vários outros. Muitas decisões precisam ser tomadas na direção certa para que ela pare de subir; tarefas duras e difíceis. É preciso que o déficit primário volte a ser superávit, o déficit nominal caia, a economia cresça, a arrecadação suba, os gastos sejam reduzidos, e as reformas sejam aprovadas. Muita coisa tem que dar certo para que a dívida interrompa a trajetória de alta acelerada do governo Dilma. Parece a história da sopa de pedra. Só fica pronta se houver todos os outros ingredientes.
E é fundamental interromper o crescimento da dívida pública, por um motivo central: os credores somos nós, todos os que aplicam em títulos da dívida pública brasileira. Foi muita irresponsabilidade da presidente Dilma ter deixado a dívida crescer como cresceu. Ela foi alertada e desprezou o alerta. O novo governo fez bem em focar esse ponto.
A última vez que o PMDB foi tão forte quanto agora foi em 1986, quando o sucesso do Cruzado encheu as urnas de votos no partido. Há 30 anos, eles foram beneficiários da abundância e da euforia. Agora serão sócios da penúria. E terão que aplicar remédios amargos. Farão isso?
O Palácio do Planalto estava lotado de políticos, a maioria do PMDB, na quinta-feira de tarde. E quem olhava a paisagem humana ficava na dúvida se as concessões a serem feitas para aqueles políticos todos não iriam revogar as promessas de austeridade no gasto. O que Eliseu Padilha disse na coletiva de sexta-feira é que justamente por ter base ampla e sólida o governo tem condições de fazer o programa difícil, de salvação nacional.
O presidente Temer queria acertar o tom e pediu uma cerimônia discreta e sóbria. E deu errado. Em vez de fazer a posse coletiva dos ministros no Salão Nobre do Planalto, ele escolheu o Salão Leste, mais acanhado. O ar-refrigerado não comportou, o empacotamento das pessoas tirou a visibilidade dos fotógrafos, que se revoltaram. Um pouco antes de começar, gritaram em coro: “Não vai ter foto”. Foi servida apenas água. Foi assim que o governo Temer começou. Com sinais mistos. A austeridade é bem-vinda. O projeto econômico é difícil e necessário. Mas há sinais em descompasso entre este governo e o mundo contemporâneo.
16 de maio de 2016
Miriam Leitão, O Globo
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