ARTIGOS - GOVERNO DO PT
A Resolução Sobre Conjuntura, aprovada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, no dia 17 de maio de 2016, mostra uma tentativa de o PT fazer uma autocrítica estratégica e programática para enfrentar o processo de impeachment de Dilma Rousseff e governo Temer. Também torna públicas algumas das velhas intenções totalitárias do partido, anunciando uma nova etapa no restabelecimento e reorganização da esquerda brasileira.
Primeiramente, é preciso destacar que a Resolução Sobre Conjuntura do PT não tem por escopo oferecer aos brasileiros uma reflexão sobre os erros do partido na condução da res publica. Não é uma mea culpa e nem um pedido de desculpas.
O documento adota uma narrativa voltada a atenuar ao máximo a responsabilidade do PT para com seus erros e crimes e para com a atual situação econômica e social do Brasil. Se o PT cometeu equívocos, se violou leis, foi porque, oras, viu-se "obrigado" pelas circunstâncias a adotar certas práticas. Os culpados pelos erros e crimes do PT não são os membros do partido, mas sim os meios de comunicação, o Ministério Público, a Polícia Federal, as oligarquias, o grande capital e, como não poderia deixar de ser, o imperialismoyankee.
A resolução começa dizendo que o processo de impeachment é uma "conspiração golpista", um "golpe parlamentar" que "rompeu com a ordem democrática e rasgou a Constituição", e que o pretexto casuístico para impedimento de Dilma Rousseff foi fabricado pela "maioria conservadora do Congresso Nacional". A Resolução já começa reiterando a cantilena mentirosa do "golpe" e nem espera a segunda página para atingir os píncaros do delírio e da inversão revolucionária, ao atribuir à inexistente maioria conservadora a fabricação daquilo que o próprio PT fabricou.
Ainda no começo, a resolução diz que desde o dia 12 de maio de 2016 as velhas oligarquias, a mídia monopolizada e o grande capital retomaram a direção do Estado brasileiro. O mesmo PT que governou ao lado de parte significativa das velhas oligarquias, que aparelhou os meios de comunicação de massa e que foi por estes poupado por quase todos anos em que deteve o poder, e que propiciou aos bancos lucros estratosféricos, agora tenta alavancar, mediante um discurso vitimista, a velha retórica leninista.
Na sequência, a resolução diz que o "golpe" trará "arrocho de salários", "corte de gastos com programas sociais", "abdicação da soberania sobre o pré-sal", "submissão do país aos interesses das grandes corporações financeiras internacionais". Como ainda é cedo para dizer quais serão todas as consequências do governo de Michel Temer, a Resolução já começou a responsabilizar os governos futuros pelos erros e crimes do PT no passado. Ora, o PT, desde o primeiro momento em que assumiu o comando do Estado brasileiro, abdicou da soberania nacional para atender aos interesses do Foro de São Paulo, e tal abdicação revelar-se-ia também ser uma abdicação da soberania sobre o pré-sal. Quanto ao arrocho dos salários e o corte de gastos com programas sociais, basta lembrar que ele já vinha ocorrendo antes do afastamento de Dilma Rousseff, por conta do caos econômico e financeiro em que o PT colocou o Brasil.
No que diz respeito à política externa, a resolução diz que o processo de impeachment e o programa de governo dos "golpistas" trazem uma "política externa subordinada aos centros imperialistas", enfim, voltada a reconstruir a hegemonia norte-americana na América Latina, no mesmo tom adotado pelos tiranetes socialistas do continente. A retórica antiamericana e anti-imperialista, que o PT foi restringindo às reuniões internas do partido e aos encontros do Foro de São Paulo, com vistas a manter a falsa imagem de partido moderado, criada por Lula desde a "Carta ao povo brasileiro" de 2002, volta agora com força. Trata-se de um expediente que apela ao imaginário esquerdista presente na população, um imaginário forjado por anos de aparelhamento socialista dos meios de comunicação, pelo uso ideológico dos aparatos de cultura e pela doutrinação nas escolas e universidades.
Não obstante, texto diz que a queda do governo petista faz parte de uma estratégia voltada a "facilitar políticas de cerco e desestabilização em processos progressistas de outros países – como Venezuela, Equador e Bolívia", a "fragilizar alianças contra-hegemônicas regionais" (UNASUL e CELAC), enfatizando ainda que este "retrocesso político", se consolidado, acabará prejudicando o desenvolvimentos dos BRICS. O PT novamente demonstra seu compromisso incondicional com os braços institucionais do Foro de São Paulo (UNASUL e CELAC) que pavimentam a construção da "Pátria Grande" e mais uma vez reitera a sua nefasta cumplicidade com o projeto socialista/bolivariano que está levando Bolívia e Equador para o buraco econômico e social e que já conduziu a Venezuela para uma tragédia digna de uma intervenção humanitária internacional.
Outro ponto que merece destaque é a forma como a Operação Lava Jato é mencionada na Resolução. Para o Diretório Nacional do PT, "a operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista". Para o PT e para o Foro de São Paulo[1], a Lava Jato é uma das faces do "golpe" contra o PT, a esquerda e a "Pátria Grande".
Na etapa seguinte, o documento inicia propriamente o trabalho de autocrítica, sem, contudo, deixar de falsear a realidade.
Há o reconhecimento de que a política econômica vigente entre 2003 e 2010 havia se esgotado e se afirma que o PT, por meio de seu 5º Congresso, realizado em junho de 2015, sugeriu a Dilma mudanças na política econômica para recuperar apoio político e social e que o governo federal não acolheu as orientações do partido. Nota-se aqui uma tentativa clara de salvar a reputação do PT e concentrar as culpas em Dilma. O PT não oferecera nada de novo a Dilma, não propôs ajustes fiscais, nem corte de gastos ou um pouco de austeridade no setor público, mas tão somente uma nova encenação de solidez econômica e liquidez financeira análoga àquela criada pela política econômica do governo Lula.
O momento de autocrítica da resolução é recheado de cinismo e vitimismo. Lê-se, por exemplo, que o PT foi "contaminado" pelo financiamento empresarial de campanhas e que o PT não se dedicou "com a devida atenção e perseverança, à costurar uma aliança estratégica entre os partidos populares e os movimentos sociais, que pudesse ampliar o peso institucional da esquerda". Com relação às alianças com os movimentos sociais, das duas uma: ou o PT está dizendo que não tem vínculos sólidos e nunca financiou o MST, o MTST, a CUT, a UNE e a UJS, ou o PT está dizendo que esses vínculos e financiamentos são insuficientes para a consolidação do projeto de poder socialista. Enfim: ou está mentindo ou está anunciando uma onda ainda mais revolucionária para o Brasil.
No final da autocrítica, a resolução acaba reiterando e tornando novamente públicas as pretensões totalitárias do PT. Afirma-se que o PT relegou tarefas fundamentais como a reforma tributária progressiva e a democratização dos meios de comunicação, ou seja o PT não conseguiu realizar o seu sonho de ter todos os meios de comunicação sob o seu controle e não implementou a progressividade dos impostos recomendada por Karl Marx no Manifesto Comunista , cujo objetivo não é ter uma tributação escandinava para oferecer serviços escandinavos, mas sim estatizar ao máximo a economia, reduzir ao máximo a esfera de atuação da iniciativa privada e, consequentemente, enfraquecer as liberdades civis e políticas da população. Afirma-se ainda, sem qualquer pudor, que o PT não se dedicou com afinco a "modificar os currículos das academias militares", a "promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista" e a "fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty". Entendeu, caro leitor? O PT confessa que deveria ter implementado aos militares da ativa um currículo militar apto a transformar, à moda chavista, os milicos brasileiros em milicianos do petismo, pois quando o PT emprega a expressão "compromisso democrático" está na verdade querendo dizer "compromisso com o partido". E o que significa "fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty"? Significa fortalecer a ala que apoia as ditaduras bolivarianas e a ditadura cubana, que dialoga com o radicalismo islâmico, que dá suporte ao projeto eurasiano, e que está realmente empenhada em consolidar a Pátria Grande.
Já encaminhando-se para o final, a resolução convoca os militantes do PT, a CUT, os "trabalhadores do campo e da cidade" (leia-se MST e MTST), bem como todas as entidades que integram a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo, a lutar contra o "golpe", a negar legitimidade ao governo de Temer, a fazer a defesa política de Dilma e do legado dos governos petistas, a defender o presidente Lula dos "ataques" da mídia e do Poder Judiciário e a lutar pela absolvição de Dilma no Congresso Nacional, no Judiciário e junto aos organismos da comunidade internacional.
No combate ao governo Temer, o documento anuncia que o PT irá radicalizar, ou seja, não fará "oposição moderada" e nem estará aberto à conciliação. Ademais, lança um novo mantra para este período em que se aguarda a decisão final do Senado Federal sobre o impeachment de Dilma: “Não ao golpe, fora Temer”.
Pois bem, esses são os principais pontos da Resolução aprovada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, no dia 17 de maio de 2016. No entanto, há mais um aspecto que precisa ser analisado com atenção. Não é propriamente um aspecto evidente, mas é possível encontrá-lo nas entrelinhas: o anúncio de uma nova etapa no restabelecimento e reorganização da esquerda brasileira.
Em sua obra A Nova Era e Revolução Cultural, Olavo de Carvalho já observava que "rituais de 'autocrítica'" são "como instrumentos de sobrevivência política" para os socialistas. A autocrítica realizada pela esquerda brasileira após o contragolpe de 1964 resultou na estratégica divisão da esquerda nacional em gramscianos e guerrilheiros, o que deu aos socialistas gramscianos a liberdade de trabalhar pela hegemonia cultural enquanto os guerrilheiros eram combatidos pelo regime militar. Outrossim, a autocrítica é a responsável pela reorganização de todo o movimento socialista após colapso do comunismo a partir de 1989[2]. O Foro de São Paulo, criado em 1990, é fruto de um trabalho de autocrítica da esquerda internacional.
Sempre que os socialistas e comunistas se colocam a pensar criticamente sobre a situação de um determinado partido ou sobre a situação das forças de esquerda, geralmente o que vem depois é uma reorganização, ou até mesmo um upgrade.
Na resolução que aqui se analisa, é possível obsevar uma preocupação do PT com os tipos de pessoas que são acolhidas pelo partido: "milhares de novos filiados foram incorporados sem quaisquer vínculos com o pensamento de esquerda ou nosso programa". Isso não quer dizer que os petistas de carteirinha não são devidamente adestrados pelo PT, mas sim que eles não têm a mesma formação intelectual dos antigos militantes do partido. Há também uma preocupação com a perda de capacidade do PT em elaborar, formar e protagonizar a batalha de ideias, ou seja, o partido se mostra preocupado com a perda de uma intelectualidade fortemente ligada ao partido. De fato, quem irá substituir tipos como Marco Aurélio Garcia e José Eduardo Cardozo?
Se por um lado essas constatações do Diretório Nacional do PT mostram que o partido está enfraquecido, por outro, as mesmas constatações, por terem surgido a partir de uma autocrítica dos próprios petistas, devem servir de alerta para a provável restauração e reestruturação ou da legenda e ou de seus correligionários no cenário político nacional.
A resolução sugere que o PT se abra e amplie a pauta de debates que o partido propõe no atual momento para os setores da sociedade que são críticos aos governos petistas. Ora, os setores da sociedade críticos aos governos petistas são muitos e existem inclusive e principalmente dentro da própria esquerda brasileira. O PT quer fortalecer a interlocução com as forças de esquerda que a ele são "críticas" não somente para tentar sobreviver, mas também para preparar botes salva-vidas em caso de naufrágio. Partidos como PDT, PC do B, PSOL e REDE são fundamentais à sobrevivência do esquema de poder petista, que poderá eventualmente se distribuir em distintas legendas para subsistir e renascer. E a resolução sugere como espaço para essa interlocução a Frente Brasil Popular, a qual "pode se desenvolver como espaço estratégico para todas as forças progressistas, a partir de um programa comum e regras plurais de participação". O documento orienta toda a militância petista "a se incorporar aos coletivos da Frente, impulsionando a criação de comitês e núcleos nos locais de moradia, estudo e trabalho, sempre com o cuidado de incentivar a unidade e a cooperação com ativistas das mais distintas correntes e movimentos".
A Resolução Sobre Conjuntura do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores que aqui se analisou mostra que o PT, ainda que enfraquecido, mantém-se bastante ativo, autocrítico e articulado, podendo vir a surpreender aqueles já contam com o ovo na cloaca da galinha.
Notas:
[1] "Expresamos nuestro enérgico rechazo al Golpe de Estado en marcha en Brasil contra el legítimo Gobierno de Dilma Roussef, emprendido por sectores económicos, políticos y del Poder Judicial". Cf.: http://forodesaopaulo.org/wp-content/uploads/2016/04/DECLARACION-DEFENSA-DE-LA-DEMOCRACIA-BRASIL.pdf
[2] Um exemplo de autocrítica esquerdista é a obra Depois da queda: o fracasso do comunismo e o futuro do socialismo, publicada pela primeira vez em 1991.
25 de maio de 2016
Saulo de Tarso Manriquez é mestre em Direito pela PUC-PR.
Primeiramente, é preciso destacar que a Resolução Sobre Conjuntura do PT não tem por escopo oferecer aos brasileiros uma reflexão sobre os erros do partido na condução da res publica. Não é uma mea culpa e nem um pedido de desculpas.
O documento adota uma narrativa voltada a atenuar ao máximo a responsabilidade do PT para com seus erros e crimes e para com a atual situação econômica e social do Brasil. Se o PT cometeu equívocos, se violou leis, foi porque, oras, viu-se "obrigado" pelas circunstâncias a adotar certas práticas. Os culpados pelos erros e crimes do PT não são os membros do partido, mas sim os meios de comunicação, o Ministério Público, a Polícia Federal, as oligarquias, o grande capital e, como não poderia deixar de ser, o imperialismoyankee.
A resolução começa dizendo que o processo de impeachment é uma "conspiração golpista", um "golpe parlamentar" que "rompeu com a ordem democrática e rasgou a Constituição", e que o pretexto casuístico para impedimento de Dilma Rousseff foi fabricado pela "maioria conservadora do Congresso Nacional". A Resolução já começa reiterando a cantilena mentirosa do "golpe" e nem espera a segunda página para atingir os píncaros do delírio e da inversão revolucionária, ao atribuir à inexistente maioria conservadora a fabricação daquilo que o próprio PT fabricou.
Ainda no começo, a resolução diz que desde o dia 12 de maio de 2016 as velhas oligarquias, a mídia monopolizada e o grande capital retomaram a direção do Estado brasileiro. O mesmo PT que governou ao lado de parte significativa das velhas oligarquias, que aparelhou os meios de comunicação de massa e que foi por estes poupado por quase todos anos em que deteve o poder, e que propiciou aos bancos lucros estratosféricos, agora tenta alavancar, mediante um discurso vitimista, a velha retórica leninista.
Na sequência, a resolução diz que o "golpe" trará "arrocho de salários", "corte de gastos com programas sociais", "abdicação da soberania sobre o pré-sal", "submissão do país aos interesses das grandes corporações financeiras internacionais". Como ainda é cedo para dizer quais serão todas as consequências do governo de Michel Temer, a Resolução já começou a responsabilizar os governos futuros pelos erros e crimes do PT no passado. Ora, o PT, desde o primeiro momento em que assumiu o comando do Estado brasileiro, abdicou da soberania nacional para atender aos interesses do Foro de São Paulo, e tal abdicação revelar-se-ia também ser uma abdicação da soberania sobre o pré-sal. Quanto ao arrocho dos salários e o corte de gastos com programas sociais, basta lembrar que ele já vinha ocorrendo antes do afastamento de Dilma Rousseff, por conta do caos econômico e financeiro em que o PT colocou o Brasil.
No que diz respeito à política externa, a resolução diz que o processo de impeachment e o programa de governo dos "golpistas" trazem uma "política externa subordinada aos centros imperialistas", enfim, voltada a reconstruir a hegemonia norte-americana na América Latina, no mesmo tom adotado pelos tiranetes socialistas do continente. A retórica antiamericana e anti-imperialista, que o PT foi restringindo às reuniões internas do partido e aos encontros do Foro de São Paulo, com vistas a manter a falsa imagem de partido moderado, criada por Lula desde a "Carta ao povo brasileiro" de 2002, volta agora com força. Trata-se de um expediente que apela ao imaginário esquerdista presente na população, um imaginário forjado por anos de aparelhamento socialista dos meios de comunicação, pelo uso ideológico dos aparatos de cultura e pela doutrinação nas escolas e universidades.
Não obstante, texto diz que a queda do governo petista faz parte de uma estratégia voltada a "facilitar políticas de cerco e desestabilização em processos progressistas de outros países – como Venezuela, Equador e Bolívia", a "fragilizar alianças contra-hegemônicas regionais" (UNASUL e CELAC), enfatizando ainda que este "retrocesso político", se consolidado, acabará prejudicando o desenvolvimentos dos BRICS. O PT novamente demonstra seu compromisso incondicional com os braços institucionais do Foro de São Paulo (UNASUL e CELAC) que pavimentam a construção da "Pátria Grande" e mais uma vez reitera a sua nefasta cumplicidade com o projeto socialista/bolivariano que está levando Bolívia e Equador para o buraco econômico e social e que já conduziu a Venezuela para uma tragédia digna de uma intervenção humanitária internacional.
Outro ponto que merece destaque é a forma como a Operação Lava Jato é mencionada na Resolução. Para o Diretório Nacional do PT, "a operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista". Para o PT e para o Foro de São Paulo[1], a Lava Jato é uma das faces do "golpe" contra o PT, a esquerda e a "Pátria Grande".
Na etapa seguinte, o documento inicia propriamente o trabalho de autocrítica, sem, contudo, deixar de falsear a realidade.
Há o reconhecimento de que a política econômica vigente entre 2003 e 2010 havia se esgotado e se afirma que o PT, por meio de seu 5º Congresso, realizado em junho de 2015, sugeriu a Dilma mudanças na política econômica para recuperar apoio político e social e que o governo federal não acolheu as orientações do partido. Nota-se aqui uma tentativa clara de salvar a reputação do PT e concentrar as culpas em Dilma. O PT não oferecera nada de novo a Dilma, não propôs ajustes fiscais, nem corte de gastos ou um pouco de austeridade no setor público, mas tão somente uma nova encenação de solidez econômica e liquidez financeira análoga àquela criada pela política econômica do governo Lula.
O momento de autocrítica da resolução é recheado de cinismo e vitimismo. Lê-se, por exemplo, que o PT foi "contaminado" pelo financiamento empresarial de campanhas e que o PT não se dedicou "com a devida atenção e perseverança, à costurar uma aliança estratégica entre os partidos populares e os movimentos sociais, que pudesse ampliar o peso institucional da esquerda". Com relação às alianças com os movimentos sociais, das duas uma: ou o PT está dizendo que não tem vínculos sólidos e nunca financiou o MST, o MTST, a CUT, a UNE e a UJS, ou o PT está dizendo que esses vínculos e financiamentos são insuficientes para a consolidação do projeto de poder socialista. Enfim: ou está mentindo ou está anunciando uma onda ainda mais revolucionária para o Brasil.
No final da autocrítica, a resolução acaba reiterando e tornando novamente públicas as pretensões totalitárias do PT. Afirma-se que o PT relegou tarefas fundamentais como a reforma tributária progressiva e a democratização dos meios de comunicação, ou seja o PT não conseguiu realizar o seu sonho de ter todos os meios de comunicação sob o seu controle e não implementou a progressividade dos impostos recomendada por Karl Marx no Manifesto Comunista , cujo objetivo não é ter uma tributação escandinava para oferecer serviços escandinavos, mas sim estatizar ao máximo a economia, reduzir ao máximo a esfera de atuação da iniciativa privada e, consequentemente, enfraquecer as liberdades civis e políticas da população. Afirma-se ainda, sem qualquer pudor, que o PT não se dedicou com afinco a "modificar os currículos das academias militares", a "promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista" e a "fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty". Entendeu, caro leitor? O PT confessa que deveria ter implementado aos militares da ativa um currículo militar apto a transformar, à moda chavista, os milicos brasileiros em milicianos do petismo, pois quando o PT emprega a expressão "compromisso democrático" está na verdade querendo dizer "compromisso com o partido". E o que significa "fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty"? Significa fortalecer a ala que apoia as ditaduras bolivarianas e a ditadura cubana, que dialoga com o radicalismo islâmico, que dá suporte ao projeto eurasiano, e que está realmente empenhada em consolidar a Pátria Grande.
Já encaminhando-se para o final, a resolução convoca os militantes do PT, a CUT, os "trabalhadores do campo e da cidade" (leia-se MST e MTST), bem como todas as entidades que integram a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo, a lutar contra o "golpe", a negar legitimidade ao governo de Temer, a fazer a defesa política de Dilma e do legado dos governos petistas, a defender o presidente Lula dos "ataques" da mídia e do Poder Judiciário e a lutar pela absolvição de Dilma no Congresso Nacional, no Judiciário e junto aos organismos da comunidade internacional.
No combate ao governo Temer, o documento anuncia que o PT irá radicalizar, ou seja, não fará "oposição moderada" e nem estará aberto à conciliação. Ademais, lança um novo mantra para este período em que se aguarda a decisão final do Senado Federal sobre o impeachment de Dilma: “Não ao golpe, fora Temer”.
Pois bem, esses são os principais pontos da Resolução aprovada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, no dia 17 de maio de 2016. No entanto, há mais um aspecto que precisa ser analisado com atenção. Não é propriamente um aspecto evidente, mas é possível encontrá-lo nas entrelinhas: o anúncio de uma nova etapa no restabelecimento e reorganização da esquerda brasileira.
Em sua obra A Nova Era e Revolução Cultural, Olavo de Carvalho já observava que "rituais de 'autocrítica'" são "como instrumentos de sobrevivência política" para os socialistas. A autocrítica realizada pela esquerda brasileira após o contragolpe de 1964 resultou na estratégica divisão da esquerda nacional em gramscianos e guerrilheiros, o que deu aos socialistas gramscianos a liberdade de trabalhar pela hegemonia cultural enquanto os guerrilheiros eram combatidos pelo regime militar. Outrossim, a autocrítica é a responsável pela reorganização de todo o movimento socialista após colapso do comunismo a partir de 1989[2]. O Foro de São Paulo, criado em 1990, é fruto de um trabalho de autocrítica da esquerda internacional.
Sempre que os socialistas e comunistas se colocam a pensar criticamente sobre a situação de um determinado partido ou sobre a situação das forças de esquerda, geralmente o que vem depois é uma reorganização, ou até mesmo um upgrade.
Na resolução que aqui se analisa, é possível obsevar uma preocupação do PT com os tipos de pessoas que são acolhidas pelo partido: "milhares de novos filiados foram incorporados sem quaisquer vínculos com o pensamento de esquerda ou nosso programa". Isso não quer dizer que os petistas de carteirinha não são devidamente adestrados pelo PT, mas sim que eles não têm a mesma formação intelectual dos antigos militantes do partido. Há também uma preocupação com a perda de capacidade do PT em elaborar, formar e protagonizar a batalha de ideias, ou seja, o partido se mostra preocupado com a perda de uma intelectualidade fortemente ligada ao partido. De fato, quem irá substituir tipos como Marco Aurélio Garcia e José Eduardo Cardozo?
Se por um lado essas constatações do Diretório Nacional do PT mostram que o partido está enfraquecido, por outro, as mesmas constatações, por terem surgido a partir de uma autocrítica dos próprios petistas, devem servir de alerta para a provável restauração e reestruturação ou da legenda e ou de seus correligionários no cenário político nacional.
A resolução sugere que o PT se abra e amplie a pauta de debates que o partido propõe no atual momento para os setores da sociedade que são críticos aos governos petistas. Ora, os setores da sociedade críticos aos governos petistas são muitos e existem inclusive e principalmente dentro da própria esquerda brasileira. O PT quer fortalecer a interlocução com as forças de esquerda que a ele são "críticas" não somente para tentar sobreviver, mas também para preparar botes salva-vidas em caso de naufrágio. Partidos como PDT, PC do B, PSOL e REDE são fundamentais à sobrevivência do esquema de poder petista, que poderá eventualmente se distribuir em distintas legendas para subsistir e renascer. E a resolução sugere como espaço para essa interlocução a Frente Brasil Popular, a qual "pode se desenvolver como espaço estratégico para todas as forças progressistas, a partir de um programa comum e regras plurais de participação". O documento orienta toda a militância petista "a se incorporar aos coletivos da Frente, impulsionando a criação de comitês e núcleos nos locais de moradia, estudo e trabalho, sempre com o cuidado de incentivar a unidade e a cooperação com ativistas das mais distintas correntes e movimentos".
A Resolução Sobre Conjuntura do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores que aqui se analisou mostra que o PT, ainda que enfraquecido, mantém-se bastante ativo, autocrítico e articulado, podendo vir a surpreender aqueles já contam com o ovo na cloaca da galinha.
Notas:
[1] "Expresamos nuestro enérgico rechazo al Golpe de Estado en marcha en Brasil contra el legítimo Gobierno de Dilma Roussef, emprendido por sectores económicos, políticos y del Poder Judicial". Cf.: http://forodesaopaulo.org/wp-content/uploads/2016/04/DECLARACION-DEFENSA-DE-LA-DEMOCRACIA-BRASIL.pdf
[2] Um exemplo de autocrítica esquerdista é a obra Depois da queda: o fracasso do comunismo e o futuro do socialismo, publicada pela primeira vez em 1991.
25 de maio de 2016
Saulo de Tarso Manriquez é mestre em Direito pela PUC-PR.
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