O canal de humor "Porta dos Fundos" lançou, na última sexta-feira (2), um vídeo chamado "Delação". Ele gerou revolta no público do canal, que perdeu centenas de milhares de inscritos. Confesso que o achei muito divertido, provavelmente o mais engraçado que se fez por lá. A graça não estava nas "piadas", mas no fato de seus autores acreditarem ter feito humor quando, na realidade, praticaram panfletagem política de boteco.
Na esquete, um policial federal é interpretado por Gregório Duvivier, humorista especializado em fazer rir com suas posições políticas e seus textos "poéticos". O policial interroga um político, interpretado por Fábio Porchat, e o pressiona até obter uma citação caricata do nome de Lula. O espectador é levado a concluir que a investigação é tendenciosa e que não há fundamento para prender Lula.
É evidente que o vídeo trata da Operação Lava Jato. E é igualmente evidente que ele só não foi mais específico para que os autores tenham como defesa um discurso infantiloide do tipo: "Não tinha nada a ver com a Lava Jato, mas se a carapuça serviu..."
O vídeo demonstrou a profunda ignorância de Porchat, que escreveu o roteiro, sobre o esquema do petrolão e sobre o mecanismo da colaboração premiada. É fato que a maioria dos delatores mencionou principalmente políticos do PT e da base aliada, mas insinuar que isso é sinônimo de partidarismo dos investigadores ou do juiz Sergio Moro é uma canalhice tremenda.
A Operação Lava Jato investiga o esquema de corrupção na Petrobras. A essência do esquema é utilizar dinheiro público para manter base parlamentar. A quem interessa comprar deputados e senadores por intermédio de propina para governar? Obviamente, interessa a quem governa. A própria natureza do esquema torna obrigatório o protagonismo do Poder Executivo. E quem comandou este Poder durante os últimos anos foi o PT. A consequência lógica desses fatos é que as revelações das investigações necessariamente implicarão, em sua maioria, nomes do PT ou da base aliada.
Outro ponto absolutamente mentiroso do vídeo é o de que citações sem embasamento podem dar margem a mandados de prisão. O artigo 4º da lei 12.850/2013, que prevê a colaboração premiada, exige que a colaboração seja efetiva. O que significa que, para valer, deve resultar na identificação de cúmplices e dos crimes por eles praticados, na revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, na prevenção de novos crimes, na recuperação dos lucros obtidos com a prática criminosa ou na localização de eventual vítima com sua integridade física assegurada. Ou seja, não basta citar o nome de qualquer um sem apresentar prova ou conexão com o esquema.
Na Roma antiga, era comum que profissionais do humor fizessem piada dos césares, muitas vezes até na presença dos mesmos. No Brasil contemporâneo, o humor mainstream é governista. Em vez de tirar sarro, puxa o saco. Já as instituições, a democracia, que deveriam ser defendidas daqueles que a querem usurpar por meio da propina, são desrespeitadas com tentativas de piada.
Fábio Porchat e todos os responsáveis pelo canal "Porta dos Fundos" devem um pedido de desculpas à Polícia Federal, à Justiça e a toda sociedade brasileira. Chamar de canalhas aqueles que trabalham numa operação que se tornou símbolo do funcionamento e da independência das instituições brasileiras é um tapa na cara da República.
As democracias garantem o direito de as pessoas serem idiotas. Mas um pedido de desculpas é a mínima demonstração de bom senso que tem de ser dada quando tamanha boçalidade é propagada por pessoas públicas.
05 de abril de 2016
kim kataguiri, Folha de SP
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