Vivemos uma crise fiscal aguda. O gasto público não financeiro é maior do que a receita normal (os economistas chamam de receita recorrente) de impostos, taxas e contribuições. Adicionalmente, a crise fiscal não resultou da crise econômica. O contrário. A crise econômica resulta de crise fiscal. A crise fiscal cria enorme incerteza, inviabilizando o cálculo da rentabilidade de qualquer projeto de investimento.
Como saber qual será o fluxo de caixa produzido pelo projeto e como saber qual será o custo de capital em uma sociedade cujo setor público não consegue pagar suas contas e não se conhece como pagará em algum momento futuro?
Não é possível saber, e, portanto, não há investimento. Ou seja, a brutal queda do investimento que ocorre desde 2014 é consequência da incerteza promovida pela crise fiscal.
SEM CONSENSOS
A função precípua da política é construir consensos que possibilitem a aprovação no Congresso Nacional de medidas que enfrentem e encaminhem soluções para a crise fiscal aguda. Não havendo tal capacidade, caminharemos inexoravelmente para a inflação, mesmo que nos próximos trimestres, em função da crise, a trajetória dela seja cadente.
A crise política tem impedido que os políticos procurem saídas para a crise fiscal. A principal causa da turbulência política foi a opção que a campanha petista fez em 2014 de ganhar a eleição a qualquer custo. Abusou da mentira e da demonização dos demais candidatos. Construiu uma economia que não existia. Escondeu os problemas e, principalmente, demonizou qualquer conversa sobre ajuste fiscal.
O enorme estelionato eleitoral retirou da presidente eleita qualquer legitimidade de enfrentar a agenda de ajustes. Adicionalmente, as pontes queimadas na campanha eleitoral estimularam uma atitude pouco construtiva da oposição: o maior exemplo foi a contribuição da oposição para eliminar o fator previdenciário. Mesmo os partidos ideologicamente de direita ou de centro que participavam da base de sustentação do governo passaram a olhar o PT com profunda desconfiança.
NÃO HÁ DIÁLOGO
O PT deixou de ser um interlocutor válido aos olhos de inúmeros partidos políticos, o que dificultou a capacidade do sistema político encetar produtivo diálogo sobre a natureza da crise fiscal.
A crise fiscal resulta de regras que estabelecem à parcela do orçamento público direitos de indivíduos que agregados não cabem no orçamento. Entram nesta lista desde programas inclusivos e relativamente baratos como o programa Bolsa Família; programas caros mas inclusivos, como a política de valorização do salário mínimo e a fixação do salário mínimo como o piso de diversos programas sociais; regimes tributários especiais, como simples e lucro presumido; programas antigos que precisam ser repensados, como a contribuição compulsória para o sistema S e a contribuição sindical obrigatória; as regras exageradamente generosas de concessão do benefício de pensão por morte; as aposentadorias precoces; até excessos descomunais da nova matriz econômica, como os subsídios do BNDES.
A lista é longa e, de uma forma ou de outra, todo brasileiro está implicado.
CRISE AGUDA
Não se trata de um estamento apartado da sociedade que se locupleta prejudicando o todo. O estamento somos todos nós e a construção política para evidenciar este diagnóstico e encaminhar soluções demandará muito da classe política.
O maior legado da crise política foi nos distrair de nosso problema maior: a crise fiscal aguda e estrutural que acomete o Estado brasileiro.
18 de abril de 2016
Samuel Pessôa
Folha
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