Somos acostumados, desde a mais tenra idade, à ideia de divisão. Norte e Sul, certo e errado, pobre e rico, branco e preto, verdade e mentira. Na política, esquerda e direita; governo e oposição. Em algum momento, acabamos por nos enquadrar num canto ou noutro; nos identificar com um ou outro viés e nos acolchoar naquele grupo que nos mantém aquecido e confortável neste mundo cruel e conflitante. Nos últimos tempos, não há ninho que nos devolva o sentimento de total adequação. São muitas as contradições a vencer antes de escolher lados. E ainda que se escolha, as inquietações persistem.
Hoje, por exemplo, quando a Esplanada dos Ministérios for tomada aos milhares por espectadores da votação do processo de impeachment, na Câmara dos Deputados, da presidente Dilma, será preciso escolher um lado, ainda que as posições sejam fluidas, tendo vírgulas e senões por toda parte. Toda a subjetividade a que temos direito foi surrupiada pela intolerância, que não deixa alternativa a não ser separar em dois lados, por um alambrado gigante, os manifestantes brasileiros. De um lado, os contrários ao impeachment; de outro, os favoráveis. Simples assim.
Na verdade, nem tanto assim. O muro da discórdia virou por si só um símbolo. Ainda que provisório, é incômodo, menos ao patrimônio, que nos é tão caro; mais à verve democrática, que prega o respeito ao contraditório sempre - o que, convenhamos, não tem existido, nem mesmo entre famílias, tampouco no ambiente virtual. Dificilmente saberemos se a decisão de instalar as cercas foi ou não acertada. Afinal, elas já estão lá. Se a paz prevalecer, terá cumprindo a função, que foi garantir a segurança de todos. Se der confusão, também não saberemos como teria sido sem as grades, pior, talvez.
A decisão de impor o muro ao cartão-postal foi, no mínimo, corajosa, pois colocou o governador Rodrigo Rollemberg na desconfortável posição de ter erguido um monumento à intolerância - ainda que justificável como estratégia de segurança. Também levantou uma discussão sobre a violência dos protestos e levou a manifestações sobre o desejo de paz, com bem-humoradas fotos, charges e memes, que ressignificaram as cercas. Já ficou para a história. Um triste retrato da Esplanada. O muro, que roubou o centro das atenções por uns dias, é uma discussão simbólica, mas no fundo é secundária. Diante da magnitude e da complexidade do momento político brasileiro, diria que beira a desimportância. Independentemente de que lado estamos ou estaremos, será preciso escolher um caminho que todos possam trilhar juntos. A votação de hoje, qualquer que seja o resultado, está longe de encerrar um processo doloroso que nos arrasta há dois anos.
Tirando ou não a presidente, os problemas estão longe de acabar. Também espero que a Lava-Jato não esteja com os dias contados, como o juiz Sérgio Moro insinuou. Que ela dure o tempo necessário para que não sobre um único político corrupto fora da cadeia. Se tudo o que estamos vivendo, incluindo todo o processo para tirar do poder uma presidente eleita de forma legítima, não servir para mudar de uma vez por todas os rumos da política brasileira, toda a luta e o esforço pela democracia brasileira terão sido em vão.
18 de abril de 2016
Ana Dubeux, Correio Braziliense
Hoje, por exemplo, quando a Esplanada dos Ministérios for tomada aos milhares por espectadores da votação do processo de impeachment, na Câmara dos Deputados, da presidente Dilma, será preciso escolher um lado, ainda que as posições sejam fluidas, tendo vírgulas e senões por toda parte. Toda a subjetividade a que temos direito foi surrupiada pela intolerância, que não deixa alternativa a não ser separar em dois lados, por um alambrado gigante, os manifestantes brasileiros. De um lado, os contrários ao impeachment; de outro, os favoráveis. Simples assim.
Na verdade, nem tanto assim. O muro da discórdia virou por si só um símbolo. Ainda que provisório, é incômodo, menos ao patrimônio, que nos é tão caro; mais à verve democrática, que prega o respeito ao contraditório sempre - o que, convenhamos, não tem existido, nem mesmo entre famílias, tampouco no ambiente virtual. Dificilmente saberemos se a decisão de instalar as cercas foi ou não acertada. Afinal, elas já estão lá. Se a paz prevalecer, terá cumprindo a função, que foi garantir a segurança de todos. Se der confusão, também não saberemos como teria sido sem as grades, pior, talvez.
A decisão de impor o muro ao cartão-postal foi, no mínimo, corajosa, pois colocou o governador Rodrigo Rollemberg na desconfortável posição de ter erguido um monumento à intolerância - ainda que justificável como estratégia de segurança. Também levantou uma discussão sobre a violência dos protestos e levou a manifestações sobre o desejo de paz, com bem-humoradas fotos, charges e memes, que ressignificaram as cercas. Já ficou para a história. Um triste retrato da Esplanada. O muro, que roubou o centro das atenções por uns dias, é uma discussão simbólica, mas no fundo é secundária. Diante da magnitude e da complexidade do momento político brasileiro, diria que beira a desimportância. Independentemente de que lado estamos ou estaremos, será preciso escolher um caminho que todos possam trilhar juntos. A votação de hoje, qualquer que seja o resultado, está longe de encerrar um processo doloroso que nos arrasta há dois anos.
Tirando ou não a presidente, os problemas estão longe de acabar. Também espero que a Lava-Jato não esteja com os dias contados, como o juiz Sérgio Moro insinuou. Que ela dure o tempo necessário para que não sobre um único político corrupto fora da cadeia. Se tudo o que estamos vivendo, incluindo todo o processo para tirar do poder uma presidente eleita de forma legítima, não servir para mudar de uma vez por todas os rumos da política brasileira, toda a luta e o esforço pela democracia brasileira terão sido em vão.
18 de abril de 2016
Ana Dubeux, Correio Braziliense
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