O que esse doloroso momento pode trazer para o país é a confirmação dos valores e princípios que levaram à Lei de Responsabilidade Fiscal e a todo o esforço para que as leis orçamentárias fossem levadas a sério. O relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que viu indícios de crime de responsabilidade, lembra que a estabilidade não é uma questão menor.
Durante toda essa discussão, o que o governo sempre disse é que essa era uma pequena ilegalidade. Outras forças políticas, mesmo contrárias ao governo, lamentavam que o processo de impeachment estivesse sendo iniciado por uma questão tão "pequena" quanto esta. Descumprir o ordenamento fiscal, monetário e orçamentário do país, pilares da estabilidade tão duramente conquistada, não é um pecadilho, não é pequena irregularidade, é um atentado à ordem econômica do país.
O que o relatório acolhe é esta ideia central do valor da estabilidade. O curioso é que 2015 foi o ano em que se tentou desfazer o que foi prática corrente durante o primeiro mandato. O então secretário do Tesouro Arno Augustin, escolha pessoal da presidente da República, e o então ministro da Fazenda Guido Mantega, que ela herdou do ex- presidente Lula, fizeram tábula rasa das leis fiscais do país: maquiaram as contas, manipularam dados, esconderam déficits. Eles se sentiam tão à vontade, com a concordância da presidente da República às suas práticas, que foram além no que ficou conhecido como "pedaladas fiscais".
O deputado Jovair Arantes vai ao cerne da questão quando diz que a proibição de o governo contrair empréstimos junto a bancos públicos foi uma das principais medidas da Lei de Responsabilidade Fiscal e por isso essa questão não pode ser considerada como menor. De fato, quem viu a lei nascer, como forma de acabar com os abusos de governantes que quebravam os bancos e deixavam a bomba estourar nas mãos dos sucessores, sabe exatamente que esse é um ponto central.
Durante o ano de 2015, em um encontro no Ministério da Fazenda, ouvi de uma autoridade: "aqui estamos despedalando." Mesmo assim, as dívidas cresceram, e a prática, apesar de reduzida, permaneceu. Isso elevou o passivo. Mas, correto mesmo, era considerar-se as pedaladas de 2014. Ele teve que ficar nas de 2015, de menor intensidade, porque foi isso que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, recebeu como denúncia. E essa limitação temporal acaba favorecendo a presidente da República em sua luta para manter o mandato.
Seja o que for que aconteça daqui por diante, é forçoso reconhecer os passos dados no enforcement, ou seja, na força para fazer cumprir a lei fiscal. O TCU recomendou a rejeição das contas por essas manobras e agora o relator da Comissão do Impeachment vê indícios de crime de responsabilidade. É o país que avança.
"A preocupação com o equilíbrio fiscal está longe de constituir mera tecnicalidade", diz o relator e explicou que isso é parte integrante da democracia porque a população tem o direito de escolher projetos distintos para governar os destinos do país. Se um governo desmonta as bases da estabilidade, compromete a administração seguinte. Esta é a ideia: um governo não pode quebrar o Estado para se eternizar no poder ou jogar para o sucessor bombas fiscais de efeito retardado.
Os valores "exorbitantes" que ficaram a descoberto junto aos bancos públicos, explica o relator, "evidenciam que a União, sob o comando da denunciada, transformou em regra o que deveria ser absolutamente excepcional". O destino do relatório será decidido pelos membros da Comissão, mas ele acolheu exatamente o que é fundamental em toda essa discussão.
07 de abril de 2016
Miriam Leitão, O Globo
Durante toda essa discussão, o que o governo sempre disse é que essa era uma pequena ilegalidade. Outras forças políticas, mesmo contrárias ao governo, lamentavam que o processo de impeachment estivesse sendo iniciado por uma questão tão "pequena" quanto esta. Descumprir o ordenamento fiscal, monetário e orçamentário do país, pilares da estabilidade tão duramente conquistada, não é um pecadilho, não é pequena irregularidade, é um atentado à ordem econômica do país.
O que o relatório acolhe é esta ideia central do valor da estabilidade. O curioso é que 2015 foi o ano em que se tentou desfazer o que foi prática corrente durante o primeiro mandato. O então secretário do Tesouro Arno Augustin, escolha pessoal da presidente da República, e o então ministro da Fazenda Guido Mantega, que ela herdou do ex- presidente Lula, fizeram tábula rasa das leis fiscais do país: maquiaram as contas, manipularam dados, esconderam déficits. Eles se sentiam tão à vontade, com a concordância da presidente da República às suas práticas, que foram além no que ficou conhecido como "pedaladas fiscais".
O deputado Jovair Arantes vai ao cerne da questão quando diz que a proibição de o governo contrair empréstimos junto a bancos públicos foi uma das principais medidas da Lei de Responsabilidade Fiscal e por isso essa questão não pode ser considerada como menor. De fato, quem viu a lei nascer, como forma de acabar com os abusos de governantes que quebravam os bancos e deixavam a bomba estourar nas mãos dos sucessores, sabe exatamente que esse é um ponto central.
Durante o ano de 2015, em um encontro no Ministério da Fazenda, ouvi de uma autoridade: "aqui estamos despedalando." Mesmo assim, as dívidas cresceram, e a prática, apesar de reduzida, permaneceu. Isso elevou o passivo. Mas, correto mesmo, era considerar-se as pedaladas de 2014. Ele teve que ficar nas de 2015, de menor intensidade, porque foi isso que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, recebeu como denúncia. E essa limitação temporal acaba favorecendo a presidente da República em sua luta para manter o mandato.
Seja o que for que aconteça daqui por diante, é forçoso reconhecer os passos dados no enforcement, ou seja, na força para fazer cumprir a lei fiscal. O TCU recomendou a rejeição das contas por essas manobras e agora o relator da Comissão do Impeachment vê indícios de crime de responsabilidade. É o país que avança.
"A preocupação com o equilíbrio fiscal está longe de constituir mera tecnicalidade", diz o relator e explicou que isso é parte integrante da democracia porque a população tem o direito de escolher projetos distintos para governar os destinos do país. Se um governo desmonta as bases da estabilidade, compromete a administração seguinte. Esta é a ideia: um governo não pode quebrar o Estado para se eternizar no poder ou jogar para o sucessor bombas fiscais de efeito retardado.
Os valores "exorbitantes" que ficaram a descoberto junto aos bancos públicos, explica o relator, "evidenciam que a União, sob o comando da denunciada, transformou em regra o que deveria ser absolutamente excepcional". O destino do relatório será decidido pelos membros da Comissão, mas ele acolheu exatamente o que é fundamental em toda essa discussão.
07 de abril de 2016
Miriam Leitão, O Globo
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