"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A MIOPIA DO RELATIVISMO CULTURAL


ARTIGOS - CULTURA

O Islã é baseado em três desigualdades:
entre homem e mulher, homem livre e escravo, e muçulmanos e infiéis.

Quando indagado por um repórter inglês sobre o que pensava da civilização ocidental, Mahatma Gandhi alegadamente gracejou: “seria uma boa ideia”. Estudiosos duvidam de que esta conversa tenha ocorrido. Porém, a popularidade da anedota mostra quão amplamente odiada nossa civilização se tornou, inclusive entre nossa própria elite cultural relativista. A auto-aversão é frequentemente conjugada à glorificação do Extremo Oriente e à apologia ao Islã.

Na verdade o Ocidente criou a maior civilização da história do mundo, e foi apenas após o Iluminismo que seu declínio começou. Uma comparação com as sociedades orientais e muçulmanas revela que apenas no Ocidente liberdade, beleza e busca pela verdade puderam florescer.

Para os relativistas culturais o ano de 1789 serve como a linha divisória entre o barbarismo e o progresso. Em sua perspectiva equivocada, o Ocidente antes da Revolução Francesa era um lugar sombrio, ignorante e supersticioso. Romanos e gregos eram cruéis, os papas da Igreja eram misóginos e a Idade Média – a Idade das “Trevas” - foi um constrangimento irredimível. A Renascença, temporariamente, foi tratada um pouco melhor, enquanto ela foi incorretamente vista como uma virada em direção à secularização, mas agora ela é mais apropriadamente apresentada como a era dos corruptos papas Bórgia e a época dos primeiros encontros dos europeus com o resto do mundo, um prelúdio para a opressão destes últimos. Foi apenas graças ao Iluminismo e à Revolução Francesa que o Ocidente “descobriu” ideais como liberdade, igualdade e fraternidade, que finalmente conduziram ao “progresso”, à abolição da monarquia, à secularização e às noções de igualdade que têm recentemente conduzido ao ápice da realização humana: a legalização do aborto e “casamentos” homossexuais, segundo tais relativistas.

É claro, a descrição acima da narrativa histórica anti-Ocidente é de certa forma uma caricatura. Entretanto, esta construção é mais ou menos o que é ensinado à maioria dos estudantes no Ocidente a respeito de sua civilização. Eles são doutrinados a odiar a tradição, a religião e a ordem, idealizando por sua vez progresso e emancipação e virando-se em direção ao Oriente em busca de orientação.

Estes ocidentais que se auto-odeiam estão certos a respeito de uma coisa: 1789 foi de fato um divisor de águas na história do Ocidente, na medida em que a Revolução Francesa criou o primeiro regime totalitário do mundo. O filósofo russo Vladimir Solovyov escreveu que a diferença entre Cristo e Marx é que o primeiro orientou que seus discípulos descem seus próprios bens aos pobres, enquanto o último orientou seus seguidores a tomar os bens dos outros à força e redistribuí-los “igualitariamente”. O mesmo se aplica à Revolução Francesa, que tentou forçar a liberdade, a igualdade e a fraternidade pela guilhotina.

Foi o período anterior ao Iluminismo francês que permitiu que Ocidente florescesse. A interação de Atenas, Roma e Jerusalém criou uma civilização baseada na busca da verdade, beleza, igualdade real, liberdade e racionalidade. Os antigos filósofos gregos ensinaram-nos como buscar a verdade, enquanto os romanos deram-nos a base da lei moderna e, aplicando a razão, construir cidades, estradas e trabalhos de arquitetura. A maior revolução filosófica no Ocidente, entretanto, ocorreu após o Édito de Milão em 313. Foram os cristãos que construíram os primeiros hospitais e abrigos para os pobres, fundaram as mais antigas universidades e criaram obras-primas da arte. Acima de tudo, os valores judaico-cristãos fizeram o homem ocidental ver seu vizinho como um igual – porque, para citar São Paulo, “em Cristo, não há gregos nem judeus”.

A Revolução Francesa, e o Iluminismo francês que a precedeu, representam uma ruptura hermenêutica com o passado, um ponto em que os pensadores ocidentais separaram-se da lei romana, da busca da verdade, da herança e tradição judaico-cristã do Ocidente. No século XIX, Comte substituiu Deus pelo culto da razão; Marx criou o plano do que deveria ser uma sociedade sem desigualdade (violentamente imposta, é claro); Nietzsche nos convenceu de que alguns são fracos e portanto um fardo para a sociedade; e Bentham rejeitou a noção de que todos os homens são dotados de igual dignidade como “absurda em seus fundamentos”. O que se seguiu foi uma série de desastres: genocídios, guerras, campos de concentração e o Gulag.

Os principais influenciadores intelectuais do Ocidente atual são descendentes de Comte, Nietzsche, Bentham e Marx – pessoas como Michel Foucault, Slavoj Zizek (que escreveu um panegírico a Lenin, o assassino em massa) e Judith Butler. Eles postulam um mundo em que tudo é relativo, elevando simultaneamente a agenda homossexual e o aborto a dogma religioso. Os pós-modernistas de hoje rejeitam vigorosamente a busca da verdade objetiva, especialmente se ela não se encaixa em sua agenda ideológica.

Por exemplo, a despeito do fato de todas as evidências científicas mostrarem que crianças não nascidas são, de fato, humanos capazes de sentir dor, que as diferenças entre os sexos são reais, e que uma criança precisa de fortes modelos de macho e fêmea para seu desenvolvimento estável, os ideólogos de hoje defendem a agenda homossexual e leis permissivas para o aborto. Eles querem interferir diretamente na liberdade de culto. (Nos meses recentes nos EUA, a legislação destinada a proteger a liberdade religiosa em Indiana foi espancada pela elite intelectual e política, enquanto a candidata à presidência Hillary Clinton disse que o Cristianismo deve mudar seu ensino sobre o aborto). Na verdade, muitas destas pessoas não mais escondem que eles desejam destruir a família tradicional – um desfecho que Marx e Engels prescreveram noManifesto Comunista.

Portanto, o Ocidente tem se contentado com a mediocridade, mesmo com a fealdade. É difícil ler Petrarca ou se maravilhar com a perfeição das esculturas de Michelangelo sem sentir admiração e orgulho por ser o receptor de herança tão rica. A cultura de massa de hoje, entretanto, aspira pela vulgaridade. Quando o filósofo espanhol José Ortega y Gasset escreveu A Desumanização da Arte em 1925, ele dificilmente poderia ter predito que em 1999 as elites intelectuais de Nova Iorque venerariam, como símbolo de liberdade religiosa, uma pintura da Virgem Maria coberta com fotografias de genitálias femininas de revistas pornográficas e fezes de elefante.

Como mencionado antes, a escola anti-ocidental de fato dirigiu-se para o Extremo Oriente, especialmente a Índia, em busca de inspiração. Enquanto a Índia é uma das maiores economias emergentes, sua cultura produz enormes desigualdades, improváveis de desaparecer não importa quão robusto seja o crescimento do PIB. Enquanto o Cristianismo ensina que “não há Gregos ou Judeus”, o Hinduísmo conserva um sistema de castas que relega milhões à pobreza e negligência devido às famílias nas quais eles nasceram. O abuso de mulheres é corriqueiro na Índia e as viúvas, consideradas “agourentas”, são rejeitadas por suas famílias e vilas.

Os valores ocidentais tradicionais – os verdadeiros, que os jovens são ensinados a manter a despeito da academia, do The Guardian e do New York Times – representam a única esperança para milhões de indianos infelizes sofrendo devido a tais (antiprogressistas) grilhões culturais. Os missionários europeus e americanos, (os Missionários da Caridade de Madre Teresa são o exemplo mais conhecido), continuam a socorrer incontáveis indianos da imundície, da negligência e da fome. A Igreja Católica na Índia também é a maior defensora dos direitos das viúvas. Estes movimentos não são motivados por proselitismo: os fiéis servem a pessoas de todos os credos, e embora a Igreja Católica seja a maior organização de caridade da Índia, apenas cerca de 2% da população é de cristãos.

Mais duplos padrões abundam – cortesia dos proponentes da equivalência moral, não menos. Os jornais ocidentais revelam histórias de má conduta por uma pequena minoria de padres católicos, a despeito da adoção pelo Vaticano de uma linha rigorosa contra clérigos desviados. Em contraste, o falecido Santya Sai Baba Indiano – um líder de seita que afirmava ser uma divindade e possuir poderes milagrosos (tal como “materializar” um relógio Rolex, um truque desmascarado por ilusionistas) – foi acusado de molestar dezenas de meninos de vários continentes. As cortes indianas recusaram-se a investigar, pois,como “homem sagrado”, ele desfruta de impunidade. Tal licença contrasta fortemente com o conceito romano de igualdade perante a lei e separação entre Igreja e Estado, que remonta ao Papa Gregório VII (falecido em 1085).

Os relativistas culturais de hoje têm uma abordagem igualmente bizarra do mundo muçulmano, abraçando o Islã e rejeitando o Cristianismo. Um sintoma peculiar desta inversão é que em 2007 a Universidade de Columbia convidou Mahmoud Ahmadinejad para discursar, enquanto que um ano depois a Universidade Sapienza, de Roma, cancelou uma conferência do Papa Bento XVI para satisfazer professores anticlericais. O novo dogma pode ser resumido pelos comentários desdenhosos de Barack Obama (supostamente feito em consideração à ameaça do ISIS) no Café com Oração de 2015: “E temo que avancemos em nossa soberba e pensemos que isto seja exclusivo de algum outro lugar, lembrem-se que durante as Cruzadas e a Inquisição as pessoas cometeram atos terríveis em nome de Cristo”.

Certamente, os cristãos cometeram crimes contra outros. Entretanto, este fato vem com qualificações importantes não atribuídas a todas as outras religiões. Primeiro, o direito de matar inocentes nunca foi parte do Cristianismo, que sempre pregou o amor ao próximo e o perdão. Os crimes de cristãos não resultaram da teologia, mas simplesmente da desventura de indivíduos. Este não é o caso da “religião da paz”.

O jesuíta egípcio Samir Khalil Samir observou que o Islã é baseado em três desigualdades: entre homem e mulher, homem livre e escravo, e muçulmanos e infiéis. Quando durante o sermão de 2006 o Papa Bento XVI citou o imperador bizantino, que disse que o Islã é incompatível com a razão, os muçulmanos mataram, em resposta, uma freira Italiana e um missionário na Somália. Em contra partida, quando cristãos são constantemente insultados dia e noite na televisão do Ocidente, eles mostram a outra face.

Segundo, cristãos – com exceções extremamente raras, que são inevitáveis desde que seu número excede os dois bilhões – não mais cometem violência em nome da fé. Muitos muçulmanos, entretanto, o fazem. Esta distinção não se dá porque mais cristãos vivem em países desenvolvidos e, como sustenta a opinião dominante, o progresso econômico torna as pessoas menos selvagens. A Arábia Saudita, lar de duas cidades sagradas do Islã, é um país rico que desposa o wahhabismo, uma forma particularmente radical do Islã, que crucifica apóstatas e sujeita mulheres a mutilação genital. Embora ela tipicamente receba aprovação da esquerda.

É indiscutível que desde 1789, e especialmente nas décadas recentes, o Ocidente tem estado numa condição decadente. Se alguma vez desejar recuperar sua estatura anterior, deve abraçar o fato de que foi outrora grande e reconhecer a única fonte de sua força. Esta revitalização só pode acontecer se uma mudança fundamental for feita em como a história é ensinada no Ocidente, e se um olhar honesto – desembaraçado do relativismo cultural e do politicamente correto – for lançado sobre as diferenças entre culturas.


10 de dezembro de 2015
FILIP MAZURCZK
Publicado no The European Conservative. Original aqui.
Tradução: Flávio Ghetti

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