Na noite de quarta-feira a Câmara evitou um dos maiores escândalos da temporada, ao adiar a votação do projeto do governo, emendado por deputados energúmenos, que autorizava a repatriação de dinheiro ilicitamente depositado por brasileiros em paraísos fiscais do mundo inteiro. O texto inicial já fazia vergonha ao permitir a legalização de bilhões de reais e de dólares remetidos ao exterior sem informações à Receita Federal, decorrentes de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Bastaria aos vigaristas responsáveis pelas remessas retornadas pagar uma taxa não superior a 35% para serem anistiados e não responderem a processo.
Pois o projeto ficou mil vezes pior quando o relator da matéria acrescentou emenda autorizando a repatriação de dinheiro resultante de “caixa dois, descaminho, falsidade ideológica e formação de quadrilha”. Também determinava que as informações não poderiam ser usadas nas esferas criminal, administrativa, tributária e cambial para fins de investigação e processo. Multiplicava a anistia e premiava os ladrões, inclusive os investigados e os já presos da Operação Lava Jato.
Esse horror que o governo encampou e tentou aprovar foi rejeitado por 193 votos contra 175. Até a base aliada forneceu 76 votos para derrotar a proposta.
Não está afastada a hipótese de a lama tornar-se lei, pois voltará a ser votada na próxima semana, quando o palácio do Planalto tentará virar a opinião de seus dissidentes.
A gente fica pensando como quase transformaram a Câmara na caverna do Ali Babá. A resposta é simples: dos 175 deputados favoráveis à tramoia, quantos tem dinheiro criminoso depositado lá fora? Mais da metade?
O governo calcula que a repatriação renderá 11 bilhões de reais, quantia capaz de compensar o rombo nas contas públicas. Recorrer a esse lamentável expediente significa desespero. Daqui a pouco, para livrar-se da bancarrota, a equipe econômica colocará à venda para o exterior crianças cujos pais se encontrem desempregados. Ou criará a flagelação preventiva para quantos cidadãos não conseguem pagar impostos, cobrando entrada do espetáculo nos grandes estádios de futebol.
Em suma, ainda que por maioria limitada, a Câmara livrou-se temporariamente de transformar o Brasil no paraíso dos gatunos. Só que a possibilidade continua em aberto.
A MODA PEGOU
Começou com os técnicos de times de futebol. No banco, sempre que comentavam mudanças de estratégia com jogadores e auxiliares, eles cobriam a boca com as mãos. Temiam que os adversários tivessem assessores especializados na leitura labial. Mesmo televisados à distância, os técnicos poderiam ser flagrados ao transmitir instruções táticas.
Pois a moda pegou no Congresso. Põe a mão na boca quem fica nas mesas diretoras, ao falar com o colega do lado. Nos microfones dos plenários o fenômeno já se repete. As câmeras de televisão estão vigilantes e filmam Suas Excelências o tempo todo. Assim, melhor o país não conhecer suas confidências e, com certeza, suas críticas a companheiros. Daqui a pouco as sessões precisarão realizar-se na mais completa escuridão.
30 de outubro de 2015
Carlos Chagas
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