Instituições Internacionais em Crise
O relatório do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA– Como será o Mundo em 2020 – no tema Instituições Internacionais em Crise, indica que as maiores pressões sobre as instituições internacionais tornarão muitas delas incapacitadas, a não ser que possam ser radicalmente adaptadas para acomodar novos atores e novas prioridades. Instituições regionais terão de enfrentar o desafio de responder às ameaças transnacionais trazidas pelos distúrbios econômicos, terrorismo, crime organizado e proliferação de armas de destruição em massa.
As instituições surgidas da Segunda Guerra Mundial, como a Organização das Nações Unidas, bem como as instituições financeiras internacionais correm o risco de se tornarem obsoletas, a não ser que levem em consideração o crescente poder das potências emergentes.
Tanto os que apóiam o multilateralismo quanto os que a ele se opõem concordam que Ruanda, Bósnia e Somália demonstraram ineficiência, falta de preparo e fraqueza por parte de suas instituições globais e regionais para lidar com aquilo que tende a ser o tipo mais comum de conflito.
O problema da ineficiência do Estado – que é uma fonte ou incubador de várias ameaças transnacionais – requer uma melhor coordenação entre as instituições, inclusive as de financiamento internacional e de órgãos regionais de segurança.
Construir um consenso global sobre como e onde intervir será o maior desafio à eficiência. Um desafio essencial aos olhos de muitos especialistas, caso as instituições multilaterais realmente desejem realizar seu potencial. Muitos países, especialmente os emergentes, continuam a se preocupar com a questão de estabelecer precedentes que provoquem uma intervenção externa contra eles. Contudo, muitos problemas podem ser resolvidos eficientemente apenas por meio do seu reconhecimento imediato e de medidas preventivas.
Outros temas que deverão aparecer na agenda internacional aumentarão ainda mais a pressão sobre a ordem internacional coletiva, bem como sobre os países. Esses ‘novos’ temas poderão se tornar parte importante da diplomacia internacional, da mesma forma que a questão dos direitos humanos foi julgada importante nas décadas de 1970 e 1980. Assuntos éticos ligados às descobertas biotecnológicas, como a clonagem, os organismos geneticamente modificados e o acesso à Biomedicina poderão se tornar fonte de calorosos debates entre países e regiões. Conforme a tecnologia aumenta a capacidade dos países de rastrear terroristas, preocupações como privacidade e extraterritorialidade aumentarão. De maneira semelhante, os debates sobre temas ambientais ligados à mudança climática poderão causar confusão na ordem internacional, jogando os EUA contra seus aliados europeus, bem como países em desenvolvimento contra países desenvolvidos, a não ser que haja mais cooperação em âmbito global. As potências emergentes poderão entender os debates éticos e ambientais como uma tentativa por parte dos países ricos de desacelerar seu progresso ao impor padrões ou valores ‘ocidentais’. A reforma institucional também poderá se tornar um tema de debate. Muitas pessoas nos países em desenvolvimento acreditam que o poder dos órgãos internacionais reflete mais um retrato do mundo pós-Segunda Guerra Mundial que o atual.
Com a maioria dos conflitos armados assumindo formas não-convencionais ou irregulares – como intervenções humanitárias e operações destinadas a eliminar bases terroristas - em vez da guerra convencional entre países, os princípios relacionados aos recursos e ao uso da força militar serão questionados cada vez mais. A lei internacional, que assegura a soberania territorial, e a Convenção de Genebra, que estabelece condutas de guerra, foram desenvolvidas antes que as ameaças à segurança transnacional, características do Século XXI, fossem um fato.
No final da década de 1990, as denúncias do tratamento dado pelo ex-presidente sérvio Milosevic aos kosovares estimularam a aceitação do princípio das intervenções internacionais humanitárias, apoiando a tese dos analistas pertencentes à tradição ‘apenas guerra’, os quais argumentaram, desde a fundação da ONU, que a comunidade internacional tem a ‘obrigação de interferir’ a fim de evitar atrocidades. Esse princípio, porém, continua a ser vigorosamente contestado pelos países preocupados com o fato de ele abalar o princípio da soberania nacional.
O status e o direito legal dos prisioneiros feitos durante operações militares e suspeitos de envolvimento com o terrorismo serão tema de controvérsia, como aconteceu com muitos dos prisioneiros capturados durante a operação Liberdade Duradoura, no Afeganistão. Um debate sobre até onde os líderes religiosos e outros que estimulam a violência devem ser considerados terroristas internacionais também deverá ser travado.
A guerra do Iraque, por sua vez, levantou questões sobre que tipo de status ao grande número de terceiros – empresas militares privadas – usados pelos militares norte-americanos para fornecer segurança, vigiar centros de detenção de prisioneiros de guerra, interrogar esses prisioneiros e até formular Inteligência.
A proteção a Ongs em situação conflitante é outro tema que se tornou bastante complicado na medida em que instituições de caridade – como missionários Wahabi (1) dando apoio financeiro a causas terroristas – foram criticadas e processadas na mesma época em que o Ocidente e determinadas Ongs se tornaram ‘alvos menores’ em situações de conflito.
O próprio papel dos EUA de buscar estabelecer normas é tema de debate e provavelmente complicará os esforços da comunidade global de chegar a um acordo sobre novas regras. A contenção e limitação da intensidade e selvageria dos conflitos serão agravadas pela ausência de regras claras.
Para os EUA, particularmente, como as décadas passadas podem ser consideradas orientações sobre como lutar e vencer, nos próximos 14 anos a guerra convencional não deve representar um desafio. Entretanto, o esforço da comunidade internacional para evitar a guerra e assegurar que os conflitos não sejam prelúdio para novas guerras pode continuar incerto.
A formação de países é um conceito imperfeito, mais ainda em face da crescente importância de identidades culturais, éticas e religiosas. O esforço da África de montar uma força regional de paz continua sendo uma promessa, mas a África subsaariana lutará para atrair recursos suficientes e para desenvolver uma vontade política. O enorme custo em tempo e recursos investidos na formação de países ou nas operações de estabilidade em países após um conflito ou uma grande crise deverá continuar a ser um problema sério nas nações que fazem parte dessa coalizão africana.
Os cenários apresentados nos três textos anteriores deComo será o Mundo em 2020 exploram o que poderá acontecer se a preocupação com a proliferação aumentar a ponto de obrigar a adoção de medidas de segurança em grande escala. Nesse mundo, os proliferadores – como traficantes de armas ilegais – podem ter cada vez mais dificuldade de agir, mas ao mesmo tempo, com a disseminação de armas de destruição em massa, mais países desejarão se armar para sua própria proteção. Existem dois tipos de proliferadores: aqueles comprometidos ideologicamente e que desejam garantir que o mundo muçulmano tenha sua parte no arsenal mundial de armas de destruição em massa, enquanto o outro só almeja o lucro. Nenhum deles tem certeza ou sabe quem está no final da corrente, ou seja, se o cliente é um governo ou uma organização terrorista. Uma vez iniciado o ciclo do terror e conforme o cenário se desenvolve, o ciclo do medo originado pelo uso de armas de destruição em massa pelos terroristas sai do controle, o que beneficia os traficantes de armas, que julgam estar fechando negócios muito lucrativos. No entanto, medo gera medo. As medidas draconianas implementadas pelos governos para evitar a proliferação e para se defenderem do terror também aterrorizam os traficantes de armas. Neste quadro, a globalização pode ser a vítima, uma vez que o comércio internacional poderá ser obstruído por excessivas medidas de segurança.
Será um grande desafio desenvolver e sustentar a cooperação internacional em um quadro de ciclo do medo.
O texto acima é um resumo das páginas 36 a 75 do livroO Relatório da CIA – Como será o Mundo em 2020, editora Ediouro, 2006
(1) Wahabiya, segundo definição da entidade religiosa Al Fityan, é uma seita pseudo-islâmica composta pelos seguidores de um indivíduo chamado Muhammad bin Abdul Wahhab, que no século dezoito iniciou suas pregações de caráter puritano e extremista na Península Arábica. E que mais tarde por intermédio de sangrentas guerras com o apoio de forças colonizadoras se tornou a fé e ideologia dominante da região através da igual aberta aceitação e colaboração da família Saud (Sauditas).
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OBSERVAÇÃO FINAL:
Como qualquer Serviço de Inteligência do Mundo, a CIA obtém êxitos e reveses. Os reveses geralmente enchem as páginas dos jornais e os êxitos permanecem sob um pesado silêncio, nas catacumbas do Serviço.
30 de outubro de 2015
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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