Improbidade é um conceito que traduz uma espécie de crime de responsabilidade. Não se confunde, no entanto, com corrupção ou com desonestidade.
Vai muito além: abarca condutas culposas, ineficientes, imprudentes ou negligentes no trato da coisa pública. .
Vai muito além: abarca condutas culposas, ineficientes, imprudentes ou negligentes no trato da coisa pública. .
As Constituições brasileiras contemplaram a improbidade como crime de responsabilidade do presidente da república.
Apenas na Constituição de 1988 a improbidade aparece como uma figura que, além de crime de responsabilidade, ostenta feição autônoma objeto do Direito Administrativo Sancionador.
Apenas na Constituição de 1988 a improbidade aparece como uma figura que, além de crime de responsabilidade, ostenta feição autônoma objeto do Direito Administrativo Sancionador.
O STF ainda não se pronunciou definitivamente sobre se a Lei dos Crimes de Responsabilidade absorve ou não a Lei de Improbidade Administrativa relativamente aos agentes políticos, mas tem dado sinais claros no sentido de que deverá acolher a tese da independência dessas esferas.
O objeto destas reflexões é exclusivamente o conteúdo da improbidade definida na Lei dos Crimes de Responsabilidade, partindo da premissa de que a Lei de Improbidade e a Lei dos Crimes de Responsabilidade não se confundem.
IMPROBIDADE CULPOSA
O que pretendo discutir é a figura da improbidade culposa, tal como desenhada originariamente na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1079/50), a qual estatuiu que são crimes de responsabilidade do presidente da república aqueles praticados contra a probidade na Administração.
É certo que “inaptidão notória” e outros ilícitos culposos, abusos e omissões, já eram proibidos na Constituição de 1824, sendo que o próprio Decreto 30, de 1892, apontava um rol de condutas ímprobas, inclusive a “desídia habitual no exercício das funções” como um ilícito de responsabilidade. A improbidade sempre ostentou abertura para alcançar ilícitos dolosos e culposos.
Os crimes de responsabilidade são tratados pelo Direito Penal. Todavia, do que se trata, aqui, não é de um Direito Penal tradicional, mas de um Direito Penal aplicado por autoridades políticas, à luz de critérios e balizadores tipicamente políticos.
Por isso mesmo, o processo de “impeachment” é uma modalidade de responsabilidade política e não de responsabilidade criminal clássica.
Os tipos penais são abertos e o jogo no Congresso Nacional é político. Um Presidente da República, para evitar essa espécie de processo, antes de tudo, precisa de sustentação política.
AÇÕES GENÉRICAS
A Lei dos Crimes de Responsabilidade, de 1950, em vigor, prevê ações genéricas como objeto de tipificação, pois se insere na modalidade política de responsabilização de agentes públicos. Fosse outra espécie de responsabilidade, muitos dos tipos sancionadores não seriam tolerados, por excesso de vagueza semântica.
O legislador, quando quis referir a necessidade de ações dolosas, o fez expressamente (art.9, inciso I). Ao silenciar, permitiu amplo espaço cognitivo e de interpretação de juízo político ao órgão soberano.
O Judiciário não pode, por seu turno, interpretar restritivamente o tipo penal de um crime de responsabilidade, acaso chamado a exercer controle a posteriori, pois engessaria a vontade política do Parlamento, que é independente e protegido pela separação de poderes.
O Judiciário não pode, por seu turno, interpretar restritivamente o tipo penal de um crime de responsabilidade, acaso chamado a exercer controle a posteriori, pois engessaria a vontade política do Parlamento, que é independente e protegido pela separação de poderes.
Nesse sentido, se a Lei fala expressamente na exigência específica de dolo para determinadas ações, e não o faz para outras, presume-se que, quando houver compatibilidade, é admissível o comportamento culposo, desde que configurada a gravidade da conduta. Não se aplica aqui o raciocínio do Código Penal, em que vigora a excepcionalidade do ilícito culposo.
PLAUSIBILIDADE
Compete ao Legislativo verificar a plausibilidade da acusação e sua razoável procedência, nos crimes de responsabilidade, sendo vedado ao Judiciário imiscuir-se nesse mérito do juízo político. O espaço de atuação do Judiciário, no controle de um processo de impeachment, há de ser realmente muito estreito.
A improbidade é, no cenário dos crimes de responsabilidade, uma espécie de má gestão pública e, nesse contexto, o tipo sancionador referente à proteção da dignidade, honra e decoro do cargo não deve referir-se à vida privada do agente político, mas sim a preceitos de ética pública e mais concretamente de ética profissional, mantendo proporcionalidade relativamente à magnitude da resposta estatal que se pretende ofertar.
Se o bem jurídico protegido é a probidade na Administração, não se pode pretender tutelar a privacidade ou a vida íntima do agente político como forma oblíqua de salvaguardar moralidade pública ou decoro do cargo.
Se o bem jurídico protegido é a probidade na Administração, não se pode pretender tutelar a privacidade ou a vida íntima do agente político como forma oblíqua de salvaguardar moralidade pública ou decoro do cargo.
Seria absurdo que um presidente sofresse processo de impeachment porque pilotou sua bicicleta fora dos limites permitidos em via pública, ou porque conduziu sua motocicleta sem capacete, ou ainda por embriaguez em local público.
A vida privada de um agente político deve ficar imune a controles arbitrários. O campo propício aos controles é o da Ética Pública. A pessoa pública deve ser honesta e competente no que faz.
A vida privada de um agente político deve ficar imune a controles arbitrários. O campo propício aos controles é o da Ética Pública. A pessoa pública deve ser honesta e competente no que faz.
E, por certo, em casos extremos de abuso de poder ou desvio de finalidade, o STF poderia exercer um controle sobre atos do Congresso Nacional, até mesmo em matéria de impeachment.
REGRAS DE DECORO
O procedimento incompatível com regras de decoro, dignidade e da honra inerentes ao cargo de presidente da república guarda conexão com o princípio da moralidade administrativa e este com regras da Ética Pública. Exige-se do alto mandatário da Nação obediência a deveres básicos de lealdade institucional, eficiência, boa fé objetiva, impessoalidade, transparência e correção no agir. Honestidade e competência técnica são requisitos elementares para o desempenho das funções mais importantes do país.
O espectro das condutas culposas pode ser extremamente perverso. Basta imaginar os efeitos deletérios de um administrador pródigo ou incapaz no comando do país. Alguém admitiria um presidente da República dilapidando o patrimônio dos brasileiros, ainda que dotado das melhores intenções, sem qualquer freio inibitório à disposição da sociedade para conter as aventuras do gestor, desprovido de apoio popular e político?
IMPEACHMENT
Não há dúvidas de que pode ser legítimo indagar, em processo de impeachment, se um Presidente da República, no exercício de seu mandato, atuou de modo eficiente, para evitar danos ao erário, na órbita dos bilhões ou milhões de reais.
E certamente é legítimo, se houver espaço político, questionar a probidade de um presidente por omissões ou ações que porventura tenham se inserido na relação causal de prejuízos bilionários ou milionários aos cofres públicos, analisando deveres públicos e seu atendimento pelo chefe do Poder Executivo Federal. Nessa linha de raciocínio, a honra, o decoro e a dignidade do cargo impõem deveres muito amplos ao presidente da república.
E certamente é legítimo, se houver espaço político, questionar a probidade de um presidente por omissões ou ações que porventura tenham se inserido na relação causal de prejuízos bilionários ou milionários aos cofres públicos, analisando deveres públicos e seu atendimento pelo chefe do Poder Executivo Federal. Nessa linha de raciocínio, a honra, o decoro e a dignidade do cargo impõem deveres muito amplos ao presidente da república.
Característica central dos regimes republicanos é o princípio da responsabilidade dos governantes, daí a importância de se fortalecer uma hermenêutica em torno ao dever de probidade administrativa previsto na Lei 1079/1950, em sintonia com o art. 85, V, da Constituição de 1988, preservando-se a interdição à arbitrariedade dos Poderes Públicos e os valores inerentes à Ética Pública.
09 de outubro de 2015
Fábio Medina Osório, é presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado
Do site Jota
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