"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

IMPEACHMENT

CARTA ABERTA AO EMINENTE JURISTA E PROFESSOR DOUTOR DALMO DE ABREU DALLARI


Dalmo Dallari não vê motivos para impeachment
Rio de Janeiro, 9 de Outubro de 2015.
Eminente Jurista e Professor Doutor Dalmo de Abreu Dallari.
Li na edição de ontem de O Globo (página 3) as breves considerações do Dr. Dallari a respeito da votação ocorrida na véspera, no Tribunal de Contas da União,  em que o plenário da corte, por unanimidade, aprovou parecer recomendando ao Congresso a reprovação das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff.
Para o Dr. Dallari “o julgamento foi político, e não jurídico. É indiferente para a discussão sobre o impeachment porque a presidente não pode ser responsabilizada por atos estranhos ao exercício do mandato. As “pedaladas” são atos formais e administrativos da equipe econômica, feitos sem a interferência da presidente. Questões formais não caracterizam ato de má-fé, não ensejam crime de responsabilidade. As “pedaladas” não ferem a lei orçamentária porque  não desviaram recursos do orçamento para atividades não autorizadas e não há qualquer vantagem pessoal que Dilma tenha levado com as contas do governo”.
PREÂMBULO
Porque vindas da notabilíssima inteligência do Dr. Dallari, o sempre bâttonier de todos nós advogados (primus inter pares), as considerações me despertaram dúvidas. Mais diretamente dizendo: me tiraram o sono. O sono de quem se encontra, no saber jurídico, muito distante do Dr. Dallari, com quem este seu alunado sempre aprendeu através da leitura de suas mais de trinta obras jurídicas publicadas. É por isso que tomo a liberdade de escrever esta carta, na certeza de que todas aquelas dúvidas serão dissipadas. A seguir, excelso Dr. Dallari, ainda que de forma ligeira, mas objetiva, as exponho.
SOBRE O TCU
O Tribunal de Contas da União, posto em posição singular na Administração brasileira, segundo Hely Lopes Meirelles, por ser ele órgão auxiliar do Poder Legislativo, mesmo assim a referida Corte não é um tribunal político, mas técnico-jurídico. Ao TCU compete examinar o destino que o administrador deu aos dinheiros públicos, aferindo as contas apresentadas, se elas estão exatas, comprovadas e na conformidade da lei. Seu corpo funcional não é de leigos, mas de competentes, experientes e concursados peritos em contas e contabilidade pública.
Na prestação de contas da Presidente da República, referente a 2014,  foram detectadas doze irregularidades, não contestadas pela presidente, que se limitou a tentar explicar ou justificar poucas delas. Logo, não consigo atribuir cunho politico à atuação de um Tribunal de Contas, seja da União, dos Estados e dos Municípios. Politizar suas conclusões técnicas seria o mesmo que dar peso político a um laudo pericial de Instituto de Criminalística que concluiu que um acidente automobilístico ocorreu pelo excesso de velocidade (140 km/hora) que o condutor empreendeu ao seu veículo, quando a velocidade máxima permitida era de 80 km. Ou emprestar o mesmo peso político a um exame de Instituto Médico Legal que concluiu que a morte da vítima foi causada por eletroplessão.
A LEI, SEM RESSALVA
O artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal é cogente. Não admite exceção, atenuação ou contorno. Diz, imperativamente, ser proibida operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário de empréstimo.
Não obstante, o governo federal usou recursos da CEF, do BB, do BNDES para pagar despesas com seus projetos sociais. Ainda que a causa possa ser vista como nobre, mesmo em ano eleitoral, como foi o ano de 2014, a lei proíbe. E a lei não ressalva a exceção da “boa-fé” para beneficiar o infrator. Para tanto seria indispensável que no texto daquele artigo constasse a ressalva “Salvo existir boa-fé, é proibida a operação de crédito entre….”. Onde o legislador não excepcionou, não é lícito ao intérprete excepcionar.
DILMA É QUE É RESPONSÁVEL
Também as “pedaladas” não são meros atos formais e administrativos da equipe econômica, sem a responsabilização do Presidente da República. Se assim fosse o Presidente da República nunca seria alcançado pela referida lei, mas apenas sua equipe econômica. Também se assim fosse o artigo 71, I, da Constituição Federal seria letra morta quando outorga ao Tribunal de Contas da União poder e competência para apreciar as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República para, em seguida, com parecer prévio, serem enviadas ao Congresso Nacional.
O TCU também examina contas de outros agentes públicos. As do Presidente da República são as principais delas e estão destacadas na lei. Por isso não consigo entender a irresponsabilização da presidente Dilma Rousseff à luz desses argumentos expostos pelo Dr. Dallari. Menos ainda quando o Dr. Dallari garante que a presidente não pode ser responsabilizada por atos estranhos ao exercício do mandato. Pois foi juntamente em razão do exercício do mandato de Presidente da República que as contas relativas a 2014 de Dilma Rousseff foram examinadas e rejeitadas pelo TCU.
IMPEACHMENT
O parecer final do TCU, emitido anteontem, pela unanimidade de seu plenário, não “é indiferente para a discussão sobre o impeachment…”. Me atrevo dizer que a peça é de decisiva importância. Vamos ao artigo 73 da Lei de Responsabilidade Fiscal:
As infrações aos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei 2848, de 7.12.11940 (Código Penal); a Lei nº 1079, de 10.4.1950; o Decreto-Lei nº 201, de 27.12.1967; a Lei 8429, de 2.6.1992 e demais normas da legislação pertinente”.
Nem cogito aqui daquelas outras, mas apenas da Lei nº 1079/1950, que é a lei que cuida Dos Crimes Contra a Lei Orçamentária. É a Lei do Impeachment. Diz o artigo 4º que é crime de responsabilidade do Presidente da República o(s) ato(s) que atente (atentem) contra a lei orçamentária e a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos. Diz ainda o artigo 10 que são crimes de responsabilidade…infringir, patentemente e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária…ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. E também diz o artigo 11 que são crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos…ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais…abrir crédito sem fundamento em lei ou sem formalidades legais…
São crimes da autoria do Presidente da República — e, não, de sua equipe — e que culminam com o seu afastamento da presidência. Em consequência do que está previsto na legislação e a ela submetendo o parecer unânime do Tribunal de Conta da União, vejo, em sentido contrário da visão do Dr. Dallari, que o resultado que o TCU envia ao Congresso é a peça que faltava para que a presidente Dilma Rousseff seja submetida ao processo de impeachment.
Muito agradeço a atenção que o Eminente Jurista e Professor Dalmo de Abreu Dallari vier a dispensar a esta Carta Pública.
Atenciosa e Respeitosamente,
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro

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