Sabemos por experiência própria que é muito difícil nos transformar em algo que não somos. A recém adotada ortodoxia de Dilma 2, imposta pela realidade e comandada por alguém “de fora” (Joaquim Levy), é frágil e soa falsa. Dilma aguentará o tamanho do ajuste, o aprofundamento da recessão e uma taxa de desemprego prolongada de dois dígitos (para onde caminhamos) sem voltar atrás?
Nesta semana o ministro da Fazenda, visivelmente contrariado, perdeu a batalha do Orçamento. No dia seguinte à entrega da peça ao Congresso,prevendo deficit (o primeiro da história) de R$ 30,5 bilhões, Levy veio a público para dizer que perseguirá um superavit nas contas de 2016, negando o Orçamento que acabara de entregar a Renan Calheiros no Congresso.
A derrota do ministro não foi a primeira. Dilma já acenou que ajudará setores que não demitirem, dando um passo atrás e flertando com as políticas desastradas de Dilma 1.
ALTO DESEMPREGO
A presidente parece não se conformar que o atual ajuste terá de ser feito via alto desemprego. A inflação de quase 10% neste ano não cederá sem um aprofundamento do quadro recessivo, desemprego e queda na renda.
Não há um choque de produtividade em curso, nem cortes de gastos públicos, que possam tornar o quadro diferente. Ao contrário, seu Orçamento prevê aumento despesas obrigatórias de R$ 88,3 bilhões, elevação de gastos discricionários (aqueles que o governo tem liberdade para cortar) de R$ 16,5 bilhões e mais R$ 21,7 bilhões na folha de pessoal para novas contratações e aumentos.
Mas a grande conta de gastos, pesadíssima, será com os juros da dívida pública. Nos últimos 12 meses, ela já corresponde a R$ 452 bilhões, quase 8% do PIB. O que é várias vezes maior do que o ajuste fiscal que o governo prometia no início do ano (de 1,2% do PIB). Os juros estão altos (14,25% ao ano) para esfriar a economia, provocar desemprego e tentar baixar a inflação.
REAJUSTE DE TARIFAS
Os preços neste ano dispararam por conta de reajustes de tarifas (energia, combustíveis, etc.) represados por Dilma 1. No começo de 2016 haverá queda na inflação por conta da diluição desses aumentos. E crescerá a tentação para um corte mais rápido nos juros, a conta mais pesada do momento.
Mas nada mudou no Brasil, a não ser a trajetória do desemprego, que garanta um recuo mais consistente da inflação no ano que vem.Os preços dos serviços (área que corresponde a 70% do PIB) dificilmente cederão rápido e de forma consistente sem mais desemprego prolongado e gente cortando gastos. O dólar alto também vai pressionar os preços de produtos importados prontos e os produzidos aqui, já que mais de 50% das indústrias usam insumos de fora na produção.
O risco agora, infelizmente, seria abandonar essa ortodoxia dos juros altos antes do tempo e interromper o processo de queda da inflação. Haverá argumentos fortes para fazer isso diante do sofrimento das famílias. E já que a conta dos juros é hoje o principal componente do aumento dos gastos do governo (quase R$ 500 bilhões por ano).
PAÍS NO CAOS
Em fala recente, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, engrossou o coro dos que acham que Levy está levando o país ao “caos” ao aumentar juros e reduzir o crédito a consumidores e empresas. Como se o fizesse por maldade, e não para tentar corrigir os efeitos das políticas desastradas que nos colocaram nesse buraco.
Não surpreende o isolamento do ministro. Com o DNA e a complacência de Dilma 1, a pressão só tende a aumentar para interromper um ajuste indispensável (e nossa única saída) que mal começou
06 de setembro de 2015
Fernando Canzian
Folha
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