A passagem de mais um Sete de Setembro leva-nos à tentação de compensar com episódios pouco conhecidos o clima de festa comemorado nas escolas primárias e nos desfiles militares das capitais dos estados e do Distrito Federal. A data marcou um grito que não foi grito, dado por D.Pedro I às margens do Ipiranga. Muito menos por alguém em farda de gala, cheio de medalhas, montado num cavalo branco, como sugere o quadro de Pedro Américo. Naquele tempo, viajava-se em lombo de mula, de Santos para São Paulo. Usavam-se camisolões, do pescoço aos pés, para proteção contra a lama e a poeira.
Acresce que na noite anterior, tendo comparecido a um banquete de despedida, pleno de frutos do mar, o Príncipe amanheceu com tremenda dor de barriga, obrigando-se a interromper com frequência a subida da serra, para aliviar-se. Com a comitiva já no planalto, chegam dois cavaleiros trazendo urgente correspondência da corte, as cartas de D. Leopoldina e de José Bonifácio, propondo nossa imediata separação de Portugal. Tropa já navegando de Lisboa para o Rio trazia ordens para levar D. Pedro preso para a Metrópole.
Irritadíssimo por razões políticas e digestivas, ele avança montado em sua mula até onde pequena escolta o aguardava. Vocifera os mesmos palavrões a que se acostumara desde menino e determina aos soldados que se livrassem dos laços verde e vermelho que ornavam seus chapéus, as cores de Portugal. E continua a saraivada de impropérios contra o governo português, menos contra seu pai, o Rei D. João VI, que não mandava nada. Durante o desabafo, usa diversas vezes a palavra “independência”, até que um auxiliar indaga sobre as consequências. Sua resposta foi objetiva: “vamos lutar e, se necessário, morreremos!”. Sendo assim, o refrão “Independência ou Morte” jamais foi pronunciado na ocasião, sendo dias depois acrescido por algum candidato a historiador.
Mas tem mais. Comunicações sobre a separação de Portugal, por cartas, foram expedidas por navio às diversas cidades do litoral. Não houve unanimidade na aceitação. Insurgiram-se as Províncias da Bahia, Piauí, Maranhão, Grão-Pará e Cisplatina. As Juntas Governativas, respaldadas pela tropa fiel a Portugal, dispuseram-se a resistir, sendo aos poucos vencidas e depostas por batalhões formados por brasileiros. Em Salvador, no entanto, estava estacionado um reforçado Esquadrão de Cavalaria comandado pelo general português Madeira de Melo, que recebe reforços de Portugal, os mesmos soldados enviados para prender o Príncipe. Haviam, inclusive, saqueado a capital baiana, onde, no Convento da Lapa, um militar embriagado matara a Abadessa, irmã Joana Angélica de Jesus.
Já estávamos em fins de outubro e o general Madeira domina não apenas Salvador, mas a ilha de Itaparica e as vilas de Santo Amaro, São Francisco e Cachoeira. Combates esparsos acontecem, os brasileiros se organizam. Do Rio, sai uma força naval comandada pelo general Labatut. Não tínhamos Marinha, o francês fora contratado por D. Pedro. Navega até Recife, depois Maceió e Aracaju, reafirmando o domínio do governo brasileiro e estabelecendo o bloqueio de Salvador.
Em novembro, do Rio seguem duas Divisões de Infantaria, comandadas pelos majores Barros Falcão e Felisberto Gomes Caldeira. Juntam-se às tropas brasileiras na periferia de Salvador, entre elas o Batalhão dos Periquitos, formado em Cachoeira, comandado por José Antônio Silva Castro. Um dos soldados é Maria Quitéria, valente como ninguém. O General Madeira também recebera novos reforços de Portugal, dez navios com dois Batalhões de Infantaria. Importantes batalhas ferem-se em Pirajá e Cabrito, mas a supremacia lusitana é evidente. No meio de uma das batalhas o major Barros Falcão decide pela retirada. Ordena ao corneteiro, Luís Lopes, o toque correspondente. Só que os dois exércitos tinham uma só matriz, os toques de corneta ainda eram os mesmos. O jovem, por patriotismo, descuido ou nervosismo, em vez de retirada, toca “Cavalaria, avançar e degolar!”
Não tínhamos Cavalaria, mas os portugueses não sabiam.Tomam-se de horror e debandam. Foi o começo do fim, mas apenas em julho de 1823 o General Madeira dá-se por vencido e decide retornar a Portugal. Salvador é libertada, dez meses depois do Sete de Setembro. Também ficaram livres Parnaíba, no Piauí, São Luís, no Maranhão, e Montevidéu, na Província Cisplatina.
06 de setembro de 2015
Carlos Chagas
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