A principal função da CPI da Petrobrás parece ser a de criar constrangimentos aos adversários do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Tenta-se protegê-lo depois que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse haver “elementos muito fortes” para investigar o deputado no âmbito da Operação Lava Jato. Mas isso tem sido feito com tal incompetência e falta de compostura que as sessões da CPI ficam parecendo pastelão de humor negro – afinal até os mortos foram invocados pelos vivaldinos para criar confusão. O último lance dessa comédia ocorreu na terça-feira, quando da acareação entre o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa.
Como esperado, nada de novo emergiu, os dois confirmaram tudo o que já haviam dito à Polícia Federal e à Justiça e que já é de amplo conhecimento público. Youssef reafirmou que, segundo seu entendimento, a presidente Dilma Rousseff sabia de todo o esquema por meio de Costa – que, por sua vez, negou novamente ter tido qualquer contato com Dilma ou com o ex-presidente Lula para tratar da operação na Petrobrás. Os dois mantiveram também a contradição a respeito da suposta participação do ex-ministro Antonio Palocci no escândalo – Costa sustentou a versão segundo a qual Youssef lhe pediu dinheiro para a campanha de Dilma, em 2010, a pedido de Palocci, e o doleiro continuou a negar tudo.
A esse propósito, porém, Youssef informou aos parlamentares que “tem outro réu colaborador que está falando” e que, “assim que essa colaboração for noticiada, vocês vão saber quem pediu e quem repassou os recursos”. Ou seja, Youssef, um dos réus do processo, parece ter acesso a informações sobre outros depoimentos da Lava Jato que ainda não são públicas. Essa situação não parece ter causado espanto aos parlamentares, que tocaram a sessão adiante.
O momento mais constrangedor, no entanto, ocorreu quando o deputado João Henrique Holanda (SD-AL) perguntou a Youssef quem era o parlamentar da CPI que o havia intimidado, conforme o doleiro havia relatado à Justiça. Youssef negou-se a responder. Foi então questionado pelo deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), aliado de Eduardo Cunha, que insistia em saber a identidade desse parlamentar. “É o senhor”, afirmou o doleiro, com o dedo em riste. Pansera, chamado por Youssef de “pau-mandado de Cunha” em seu depoimento à Justiça, havia pedido à CPI que quebrasse os sigilos bancário, fiscal e telefônico da ex-mulher e das duas filhas do doleiro. O bate-boca que se seguiu entre os dois foi digno dessa CPI.
Nesse teatro do absurdo, só faltava mesmo invocar os mortos – aqueles que não podem falar. Um é Sérgio Guerra, senador tucano morto em 2014, que teria recebido R$ 10 milhões para abafar uma CPI para investigar a Petrobrás em 2009. Como já haviam feito em outras ocasiões, Costa e Youssef reafirmaram que Guerra recebeu a propina, paga por uma empreiteira – em juízo, Costa disse que era a Queiroz Galvão, enquanto Youssef declarou à CPI que foi a Camargo Corrêa.
O outro falecido é o ex-deputado José Janene (PP), chamado de “compadre” por Youssef. Segundo o doleiro, Janene lhe contou que o senador tucano Aécio Neves (MG) recebeu propina sobre contratos de Furnas. Morto em 2010, Janene, pivô também do escândalo do mensalão, não pode confirmar o que disse seu “compadre”.
Para os propósitos da CPI, no entanto, nada disso importa. Enquanto aos companheiros de Eduardo Cunha interessa apenas intimidar testemunhas e salvar o padrinho, aos petistas vale invocar cadáveres para tentar incluir no mesmo saco da corrupção os partidos de oposição, já que parece impossível salvar a reputação de muitos de seus próprios correligionários.
Enquanto isso, a CPI não convoca quem realmente tem algo importante a dizer – a começar pelo próprio Eduardo Cunha e pelo empresário Júlio Camargo, que o delatou. Na última vez que o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) exigiu a convocação de Cunha, o deputado Pansera reagiu dizendo que “isso já está enchendo o saco”.
27 de agosto de 2015
Estadão
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