O ex-presidente do Uruguai, José Mujica está no Rio para ser ouvido em palestras. Seja-bem vindo, Mujica, hoje senador, mas sempre eterno presidente, que se notabilizou e encantou o mundo pela simplicidade no exercício da presidência da República de seu país. Não só por isso, mas também por sua dedicação ao bem-estar de nossos irmãos uruguaios.
Nosso editor Jornalista Carlos Newton foi hoje pela manhã ouvir a palestra de Mujica na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Certamente Carlos Newton tem muito o que contar. Mais ainda quando ouviu Mujica dizer textualmente “tenho que ter habilidade diplomática e carinho com o povo brasileiro, pois os governos passam e o povo fica”.
PEDIR PERDÃO
Então, presidente Mujica, prove este carinho e vá pedir perdão a Aloysio Marés Dias Gomide, à sua esposa, Maria Apparecida Leal Penna Gomide, mais filhos e netos. Eles moram em Copacabana, perto de onde o senhor está hospedado. Dá para ir até a pé, sem fusca. O doutor Aloysio foi o cônsul brasileiro que seu grupo armado, os Tupamaros, sequestrou no dia 31 de Julho de 1970. Vestidos de carteiros (ou de empregados de empresa de telefonia), eles entraram na residência do cônsul na capital Montevidéu e o levaram à força.
Gomide permaneceu 205 dias na cativeiro, nos subterrâneos de Montevidéu, junto com o norteamericano Dan Mitrioni, morto no cárcere. Tinha um outro estrangeiro também sequestrado. Se não estou errado, era de nome Claude Fly. Não é mais a hora de abordar a questão política do governo uruguaio do então presidente Jorge Pacheco Areco. É assunto do passado e que entrou para a história. Mas nunca é tarde para pedir perdão.
Os Tupamaros — e o senhor no meio deles, se não à frente — causaram grande sofrimento a este brasileiro Aloysio Gomide e a toda sua família, esposa e filhos pequenos, assim composta naquela ocasião.
BREVÍSSIMAS LEMBRANÇAS
Posso falar e pedir de cadeira, pois de muitas etapas participei. E quis o destino que o casal Gomide e nós, minha esposa e eu, nos tornássemos ligados por grau de parentesco por afinidade. Vou contar, presidente Mujica. Naquela época, eu era repórter da Rádio Nacional do Rio. Escalado, fui receber Dona Apparecida no velho aeroporto do Galeão, à uma da madrugada. A esposa do cônsul veio de Montevidéu para arrecadar o preço do resgate exigido pelos Tupamaros para libertar o marido: Um milhão de dólares.
E a ela me apeguei, na espErança, na fé e na devoção da São João Bosco. “Dom Bosco Não Falha” era a senha que o então repórter e a esposa do cônsul sempre usavam, quando se falavam. Foram decisivas as solidariedades de Flávio Cavalcanti e de Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Foi através de seus programas que a quantia foi levantada. Se não toda, parte dela, a ponto de ser levada de ônibus a Montevidéu e ser entregue aos Tupamaros. Enfim, depois de muitas peregrinações Rio-Brasília-Rio-Montevidéu-Rio, os Tupamaros — entre eles o senhor — libertaram o cônsul brasileiro no dia 21 de Fevereiro de 1971.
DOM BOSCO NÃO FALHA
Era carnaval. E eu estava de plantão na Rádio Nacional. De repente, já madrugada, o telefone toca na redação da emissora. Atendi e ouvi aquela doce, suave e emocionada voz dizer: “Jorge, Dom Bosco Não Falha. O Aloysio está aqui ao meu lado”. Imediatamente gravei uma entrevista, que foi ao ar naquela madrugada de 21.2.1971 e repetida várias vezes pela emissora ao longo do dia.
De volta ao Brasil, o ilustre e sofrido casal foi padrinho de meu casamento, em 4.7.1971, na Igreja Bom Jesus do Calvário da Via Sacra, Tijuca, Rio de Janeiro. No altar, de um lado o casal Gomide. Do outro, o casal Antonio Vieira de Melo (então Secretário de Educação do Estado da Guanabara) e sua esposa, Níva Vieira de Mello. E como pagem, o pequeno Sérgio Vieira de Mello, décadas depois assassinado em Bagdá no cargo de Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos.
TOUT EST PARDONNÉ
Contado isso em pouquíssimas e resumidíssimas linhas (a história é enorme), espero que o presidente e hoje senador uruguaio José Mujica vá pedir perdão à família Gomide, que certamente não fechará as portas de seu apartamento para recebê-lo. Vai abri-las. E se nosso padrinho já estiver inteiramente recuperado com o tratamento de saúde a que vem se submetendo, ele, Aloysio Marés Dias Gomide, do alto dos seus quase 86 anos, sua esposa, Maria Apparecida Leal Penna Gomyde, filhos, netos, todos dirão a José Mujica “Tout Est Pardonné”.
27 de agosto de 2015
Jorge Béja
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