Um partido-movimento pós-capitalista sacode a Europa. Que ideias o inspiram. Como se comunica e organiza. Quais suas contradições. Que fará se chegar ao governo
No início do ano acadêmico de 2008, Pablo Iglesias, um professor de 29 anos com um piercing na sobrancelha e um rabo de cavalo, cumprimentou seus alunos na faculdade de Ciências Políticas da Universidade Complutense, em Madri, convidando-os a se manter em suas cadeiras. A ideia era reencenar uma cena do filme Sociedade dos Poetas Mortos. A mensagem de Iglesias era simples. Seus alunos estavam ali para estudar o poder, e os poderosos podem ser contestados. Essa manobra era típica dele. Política, pensava Iglesias, não era algo a ser apenas estudado. Era alguma coisa que ou você fazia, ou deixava os outros fazerem por você. Como professor, ele era esperto, hiperativo e – fundador de uma organização universitária denominada Contra-Poder – ligeiro no apoio a protestos dos estudantes. Não cabia no perfil clássico de intelectual doutrinário da esquerda espanhola liderada pelos comunistas. Mas tinha clareza sobre quem culpar pelas enfermidades do mundo: o capitalismo irrestrito, globalizado que, na esteira de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, havia se instalado como ideologia dominante do mundo desenvolvido.
Iglesias e alunos, ex-alunos e acadêmicos da faculdade deram duro pra espalhar suas ideias. Produziram shows políticos de televisão e colaboraram com seus heróis latino-americanos – líderes populistas de esquerda tais como Rafael Correa do Equador ou Evo Morales da Bolívia. Mas quando eles lançaram seu próprio partido político, em 17 de janeiro de 2014, e o denominaram Podemos, muitos desacreditaram. Sem dinheiro, estrutura nenhuma e poucas diretrizes concretas, parecia mais um partido anti-“austeridade” raivoso destinado a desaparecer em meses.
Um ano depois, em 31 de janeiro de 2015, Iglesias Iglesias atravessou um palco na emblemática praça central de Madri, a Puerta del Sol. Estava lotada com 150 mil pessoas, tão espremidas que era impossível de se mover. Ele se dirigiu à multidão com a retórica apaixonada pela qual os adversários o rotularam como um perigoso populista de esquerda. Protestou contra os monstros de “totalitarismo financeiro” que humilhou a todos. Disse aos seguidores do Podemos para sonhar e, como o nobre louco Don Quixote, “levar seus sonhos a sério”. A Espanha tentava agarrar uma mudança histórica, convulsiva. A multidão agrupada era herdeira do povo comum que – armado com facas, vasos de flores e pedras – havia se rebelado contra as tropas napoleônicas em ruas próximas dali, dois séculos antes. “Podemos sonhar, nós podemos ganhar!”, gritou.
As pesquisas sugerem que ele está certo. Desde 1982, a Espanha vem sendo governada por apenas dois partidos. Ainda assim, o jornal El País coloca agora o Podemos com 22% [das intenções de voto], à frente de ambos: o conservador no governo Partido Popular (PP) e sua oposição à esquerda, Partido Socialista Obrero Español (PSOE). Se o Podemos crescer mais, Iglesias poderá tornar-se primeiro ministro após as eleições marcadas para novembro. Seria um feito quase inédito para um partido tão jovem.
Muitos na Puerta del Sol aspiram ver esse dia. “Sim, podemos! Sim, podemos!”, cantavam. Outros espectadores estremeceram, lembrando o elogio de Iglesias para o falecido presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e temendo uma erupção do populismo ao estilo latino-americano em um país dominado por dívida, austeridade e desemprego. Mas sem o Podemos, temiam seus apoiadores, a Espanha enfrentava a perspectiva de tornar-se uma Grécia, com o seu estado de bem-estar social em desintegração, classe média deteriorada e desigualdade desenfreada.
No palco aquele dia, Iglesias declarou que o Podemos tomaria de volta o poder das elites auto-referenciadas e o entregaria de volta ao povo. Para fazer isso, o novo partido necessita de votos. Se isso significa emoções exaltadas e ser acusado de populismo, que assim seja. E, como os fundadores do partido já mostraram, se eles tiverem de renunciar a algumas de suas ideias para ampliar seu apelo, ou arriscar-se a tensionar alguns em seu movimento de base ao centralizar mais o poder, estão prontos a fazer isso também. O objetivo, afinal, é ganhar.
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À primeira vista, a ascensão estonteante do Podemos parece miraculosa. Na verdade, o projeto evoluiu ao longo de muito tempo, ainda que nem mesmo os organizadores soubessem se iria ao fim tornar-se um partido, ou que uma crise financeira global lhes apresentaria sua oportunidade. Hoje, na Espanha, um terço da força de trabalho ou está desempregada, ou ganha menos que o salário mínimo anual de 9.080 euros [R$ 28.800]. Nas grandes cidades, avistar pessoas fuçando lixeiras à procura de alimentos ou coisas para vender — uma raridade na Espanha pré-crise — não é mais chocante. Uma sombra fatalista tomou um país que viveu uma onda de otimismo por três décadas, desde que saiu de uma ditadura para a democracia. Depois de anos de crescimento econômico, a crise financeira arrebentou a bolha da construção civil na Espanha. Inúmeros casos de corrupção — que envolvem tanto o PP quanto o PSOE — alimentaram uma raiva generalizada da classe política estabelecida. “A crise política é o momento de ousar”, disse Iglesias a uma plateia recentemente. “É quando um revolucionário é capaz de olhar as pessoas nos olhos e dizer-lhes: ‘Vejam, estes são são seus inimigos.’”
Ele não é o primeiro Pablo Iglesias a fazer tremer a ordem política da Espanha. Seu nome vem do homem que fundou o PSOE em 1879. (Seus pais se conheceram numa cerimônia em memória de Iglesias, diante de seu túmulo). Adolescente, Iglesias era membro da Juventude Comunista em Vallecas, um dos bairros mais pobres e orgulhosos de Madri. Ele vive lá até hoje, num modesto apartamento de um prédio grafitado de 1980, de blocos médios e altos. (“Defenda sua felicidade, organize sua raiva”, diz um graffiti.) Mesmo quando adolescente, ele era “um líder e grande sedutor”, recorda um membro sênior do Podemos que participou do mesmo grupo de jovens. Iglesias estudou Direito na Universidade Complutense antes de obter uma segunda graduação em Ciência Política. Seguiu no doutorado com uma tese PHD sobre desobediência e protestos antiglobalização que foi premiada com distinção.
Foi na Complutense, onde ele começou a ensinar depois de receber seu doutorado, que Iglesias conheceu as pessoas-chave que iriam ajudá-lo a fundar o Podemos. Profundamente influenciado por Antonio Gramsci, o pensador marxista italiano que argumentava sobre a importância de vencer batalha contra o aparato que forma a opinião pública, esse grupo também encontrou inspiração na Universidade de Essex. Lá, o acadêmico argentino Ernesto Laclau começou, nos anos 70, a escrever uma série de trabalhos sobre marxismo, populismo e democracia que, juntamente com o trabalho de sua mulher belga Chantal Mouffe (agora na Universidade de Westminister), teve um impacto profundo na liderança do Podemos. Seu complexo livro de 1985, Hegemony and Socialist Strategy, mantém-se como um ponto de referência-chave para a liderança do Podemos.
O socialismo, argumentavam Laclau e Mouffe, não deveria mais focar na luta de classes. Ao contrário, os socialistas deveriam procurar unir grupos descontentes – tais como feministas, gays, ambientalistas, desempregados — contra um inimigo claramente definido, geralmente o sistema estabelecido. Um modo de fazer isso era através de um líder carismático que combateria os poderosos em nome dos perdedores. Laclau e Mouffe encorajaram essa nova esquerda a apelar aos eleitores com uma retórica simples e emocionalmente envolvente. Eles argumentavam que as elites liberais tentam difamar essa tática, denominando-a populismo, por medo de que as pessoas comuns se envolvam com a política.
“Há muito consenso e não dissenso suficiente [na política de esquerda]”, disse Mouffe, uma mulher elegante de 71 anos, em seu apartamento em Londres, em fevereiro. Para ela, o ascenso de populistas de direita como a Frente Nacional de Marine Le Pen ou o Nigel Farage do Partido Independentista do Reino Unido (Ukip) é prova de que o consenso pós-Thatcherismo – cimentado por social democratas da “terceira via” como Tony Blair – deixou uma vácuo perigoso. “A escolha hoje é entre populismo de direita ou de esquerda”, Mouffe disse a Iglesias numa entrevista à TV em fevereiro.
Se Iglesias viu durante muito tempo os neoliberais como inimigos e os social-democratas como traidores, ele acabou por considerar a extrema esquerda tradicional como tolos bem-intencionados. Eles condenavam a televisão como inculta e manipuladora, recusando-se a enxergar que a política das pessoas era cada vez mais definida pelos meios de comunicação que eles consumiam, ao invés da lealdade com partidos. Isso era algo que os eruditos agressivos de extrema-direita da Espanha tinham sacado em meados da década de 2000, com a criação de canais de televisão que exerceram, sobre o PP, mais ou menos a mesma pressão que a Fox News exerce sobre os republicanos nos EUA. Iglesias acreditava que era tempo de a esquerda fazer algo parecido.
Em maio de 2010 ele organizou um debate na faculdade que limitava os oradores a turnos de 99 segundos. Nomeou o evento como o hino ska One Step Beyond. Iglesias pediu à Tele-K, um canal de TV da vizinhança parcialmente alojado numa garagem vaga de Vallcas, para gravá-los. “Fiquei pasmo com o talento de Pablo como apresentador, e com cuidado que tomaram na produção”, disse-me o diretor da Tele-K Paco Pérez. Ele ficou suficientemente impressionado para convidar Iglesias a produzir e apresentar uma série de debates. Iglesias e sua pequena equipe de estudantes e ativistas levou a idéia a sério, apesar da audiência do canal ser minúscula. “Pablo até mesmo ensaiava – coisa que nunca vimos”, disse Pérez. “O surpreendente é que começamos a ter uma grande audiência online. Tornou-se um programa cult.” La Tuerka (brincadeir com a palavra espanhola para maluco ou ferrado), inicialmente um debate modesto em torno de uma mesa redonda, tornou-se a semente do Podemos.
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Em 15 de maio de 2011, Iñigo Errejón, o homem que viria a tornar-se o número 2 do Podemos, chegou a Madri vindo de Quito, Equador. Errejón encontrava-se a alguns dias de apresentar uma tese de PHD na Universidade Complutense, ligando o sucesso de Evo Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia, às idéias de Gramsci, Mouffe e Laclau. Amigos sugeriram que ele se dirigisse direto à Puerta del Sol, onde uma coisa extraordinária estava acontecendo.
De alguma forma, uma manifestação de protesto havia se transformado num acampamento que a certa altura atraiu dezenas de milhares de pessoas. Os Indignados, que iriam inspirar o movimento Occupy, tomaram em seguida praças de cidades em todo o país, protestando contra políticos. “Não nos representam” tornou-se o grito de guerra. Enquetes mostraram que 80% da população apoiava os manifestantes. Alguns dos participantes até mesmo empunhavam a bandeira vermelha-e-ouro da Espanha, sinal de que era algo muito maior que os protestos-padrão de esquerda, em que a bandeira roxa, dourada e vermelha da há muito perdida República da Espanha em geral predominava. Os Indignados debatiam em assembleias ao ar livre, alternando as falas e usando gestos de mão – mãos acenando para “sim”, braços cruzados para “não” – para expressar concordância ou discordância.
Para Iglesias e seus companheiros teóricos da Universidade Complutense, os protestos faziam todo o sentido. O consenso entre os dois maiores partidos da Espanha em torno da austeridade imposta pela Alemanha deixou órfãos muitos cidadãos, sem ninguém para representá-los. “Os que estão no poder ainda governavam, mas não mais convenciam as pessoas”, Errejón contou-me recentemente.
Ainda assim, um mês depois que os protestos começaram, as praças estavam vazias. Seis meses depois, no fim de 2011, a Espanha elegeu um novo governo, entre avisos de que, quem quer que vencesse, estaria sob o comando da chanceler alemã Angela Merkel. Eleitores desiludidos viram que mesmo o PSOE oferecia pouco mais que obediência bovina às demandas de Merkel por mais austeridade. Com baixo comparecimento às urnas, Mariano Rajoy, do PP, venceu por maioria absoluta e introduziu mais cortes [de programas sociais e investimentos], enquanto ia controlando, devagar, os déficits do orçamento, que chegaram a 11%. O espírito indignado, parecia, havia sido esmagado.
Na verdade, os Indignados continuaram a se reunir em assembleias, e para os politicamente mais ativos La Tuerka transformou-se num programa essencial. Com o tempo, o show passou para o site de notícias online Público, e tornou-se mais refinado. Cada edição começava com Iglesias ou seu companheiro Complutense, professor Juan Carlos Monedero, apresentando um monólogo seguido por um debate e música rap. Quando o serviço de língua espanhola da televisão estatal do Irã, Hispan TV, pediu um programa apresentado por Iglesias, em Janeiro de 2013, a equipe abraçou a ideia. Denominado Forte Apache, ele abria com Iglesias montado numa moto Harley Davidson Sportster, colocando um capacete na cabeça e — depois de um close de seus olhos — atirando um arco-e-flecha enorme, tipo besta, nas costas antes de rugir. “Cuidado com a cabeça, homem branco. Este é o Forte Apache!”, alertaram os trailers. Contudo, ainda pregavam para um pequeno número de pessoas já convertidas.
Tudo mudou em 25 de abril de 2013, quando Iglesias apareceu em um programa de debate da direita no pequeno canal Intereconomia. “É um prazer cruzar linhas inimigas e falar”, disse Iglesias ao introduzir-se. Estava em minoria. Ia debater com quarto eruditos conservadores. Mas havia se preparado e saiu-se muito bem. Logo começou a receber convites para aparecer em programas de debates nos principais canais da Espanha. Os níveis de audiência estouravam à medida em que ele, munido com fatos sem fim e uma série de mensagens simples, derrubava seus companheiros de debate. O arrogante jovem professor geralmente se sentava com um tornozelo descansando em um joelho e um braço casualmente jogado por trás da cadeira, com um sorriso que de vez em quando derrapava para a condescendência. Repetia, como um mantra, que a culpa pelos problemas da Espanha era de “la casta”, seu nome para os políticos e elites corruptos que ele clamava terem vendido o país aos bancos. O outro inimigo era a chanceler alemã Angela Merkel e os tecnocratas não eleitos que supervisionavam o euro desde o Banco Central Europeu em Frankfurt. Iglesias não queria que a Espanha saísse da União Europeia, mas também não estava satisfeito com a situação. Acima de tudo, queria que os espanhóis recobrassem a “soberania”, um conceito que, como muitos outros, manteve-se confuso.
Uma estrela midiática havia nascido. Muitos o conheciam apenas como “el coletas” (“o de rabo-de-cavalo”). Iglesias havia gasto anos afiando sua técnica, fazendo teatro e até mesmo frequentando um curso de apresentador na academia da televisão estatal RTVE. Comunicação, ele já havia declarado em sua tese de doutorado, era chave para protestos. Por anos ele e Monedero vinham dizendo à coalizão de esquerda liderada pelos comunistas, Izquierda Unida (IU), que deviam aprender com os latino-americanos e ampliar seu apelo. Agora propunham um amplo movimento de esquerda, com consultas prévias abertas, nas quais candidatos outsiders, tais como Iglesias pudessem concorrer. Receberam um firme não do líder da IU, Cayo Lara, que mais tarde declarou que Iglesias tinha “os princípios de Groucho Marx”. Então, eles próprios criaram a dinâmica.
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O plano do Podemos foi cimentado num jantar em agosto de 2014, durante uma festa minúscula e radical denominada Izquierda Anticapitalista (IA). Iglesias e o peso-pesado da IA, Miguel Urbán, então um veterano de 33 anos de múltiplos movimentos de protestos, concordaram em trabalhar juntos, criando o estranho e tenso casamento entre um único, carismático líder – Iglesias – e uma organização que odeia hierarquia. “Pablo tinha prestígio político e midiático, mas isso não era suficiente”, me disse Urbán. “Nós precisávamos de uma base organizacional que se espalhasse por todo o país, e essa era a IA.”
O plano era ousado e altamente improvável. Era para ser um assalto ao poder em 18 meses, com o objetivo final de substituir o PSOE como expressão da esquerda e destituir o primeiro-ministro Rajoy na eleição geral de 2015. O núcleo duro de acadêmicos da faculdade de Ciências Políticas da Complutense que eram veteranos de La Tuerka, iria gerir a campanha. Por fim, seriam capazes de experimentar suas ideias em escala nacional.
O primeiro teste para o Podemos seria nas eleições européias de maio de 2014. Muitos eleitores veem o Parlamento Europeu como um órgão sem dentes, porque as principais decisões da UE são tomadas em outro lugar. Com tão pouco em jogo, eles assumem riscos, na cabine de votação. Iglesias e Urbán viram as eleições europeias como um potencial trampolim para sua campanha às eleições gerais de 2015. O nome do partido — que ecoa não apenas o slogan da campanha de 2008 de Barack Obama, mas também um jingle de TV para a seleção espanhola de futebol que venceu a Copa Europeia e Copa do Mundo – surgiu durante uma viagem de carro poucos meses após a formação do pacto inicial entre Iglesias e Urbán. “Pensamos em ‘Sim, você pode!’, mas esse já existia”, disse Urbán. “Então fomos para Podemos [Nós Podemos]. Era bem afirmativo.”
Em 17 de janeiro de 2014, Iglesias anunciou oficialmente a criação do Podemos num pequeno teatro em Lavapiés, o bairro de Madrid que na última década concentrou livrarias alternativas, galerias e bares. Iglesias (seu piercing da sobrancelha agora removido para melhorar sua imagem eleitoral) explicou que um dos pilares do projeto Podemos seria os “círculos”, assembleias ao estilo indignados. Estes círculos, construídos em torno de comunidades locais ou de interesses políticos compartilhados, poderia, reunir-se, debater ou votar presencialmente ou online. Iglesias disse à multidão que se 50 mil pessoas assinassem uma petição no site do Podemos, ele lideraria uma lista de candidatos às eleições do Parlamento Europeu em maio. A meta foi atingida dentro de 24 horas, apesar do site ter dado pau durante parte desse tempo.
O projeto Podemos nasceu com duas contradições que se tornariam crescentemente aparentes no decorrer do tempo. Primeiro, seria tanto radical quanto pragmático, em sua busca de poder. Segundo, ele se comprometeu a deixar o controle nas mãos de ativistas de base, apesar do fato de o partido depender da popularidade de um só homem. Mas, no início, essas tensões estavam longe da mente da maioria das pessoas. Excitação e idealismo eram a norma.
Pablo Echenique, um físico pesquisador com atrofia muscular na coluna, assistiu à fala de Lavapiés no YouTube, em sua casa em Zaragoza, no centro da Espanha. Três anos antes, Echenique saiu às ruas de Zaragoza em sua cadeira de rodas elétrica para juntar-se aos manifestantes indignados. Ele estava animado com os debates, mas frustrado pela falta de ação. “Eles não tinham garra”, disse-me. “Não houve resposta sobre o que fazer em seguida.” Quando, quatro dias depois do discurso de Lavapiés, Iglesias viajou para um centro cultural ao lado da Plaza San Agustín, em Zaragoza, para seu primeiro encontro da campanha eleitoral europeia, Echenique chegou cedo, mas os 180 assentos do salão foram rapidamente preenchidos. “Logo havia 500 pessoas de fora, por isso Pablo disse: ‘Sei que está frio, mas pior é não ter emprego. Não cabemos aqui, então vamos lá fora na praça.’ Estava gelado.”
Foi em Zaragoza que Urbán se deu conta, pela primeira vez, que o Podemos podia ser bem sucedido. “Enquanto esperava na porta, alguém me perguntou se eu era do Podemos de Zaragoza”, me disse Urbán. “Eu estava à procura da organização do Podemos, mas pensava que ela ainda não existia, então disse apenas que tinha vindo de Madri. Ele respondeu, ‘Bem, sou do Podemos na Catalunha’. Aquela cidade tem apenas 20 mil habitantes. De repente, me dei conta de que alguma coisa tinha realmente mudado. Era o equivalente político da ocupação das praças.” Surgiu um padrão, reuniões de campanha apinhadas, geralmente ignoradas pela mídia. Para os envolvidos, foi emocionante. Urbán levou para casa o dinheiro arrecadado nas reuniões para contar. “Chegamos a conseguir 2 mil euros numa única reunião. Era como pertencer a uma igreja”, disse ele.
Echenique ficou inspirado. “Disse para Pablo, ‘Você diz que deveríamos nos organizar, mas eu nunca estive num partido político organizado. Pode me dar algumas ideias?’ Pablo disse que era como fazer sexo: você começa mal, mas aprende com a experiência.” Echenique entrou em dois círculos, um em Zaragoza e um grupo online para portadores de deficiência. Foi um dos 150 candidatos apontados pelos círculos para o parlamento europeu. Eles foram classificados em ordem por 33 mil pessoas que se inscreveram no site do partido. Iglesias ficou em primeiro; Echenique, em quinto. Apenas um entre os doze primeiros candidatos tinha mais de 36 anos.
O Podemos então embarcou no complexo processo de escrever um manifesto eleitoral “participativo”, baseado nas ideias surgidas nos círculos e depois votadas online. O resultado foi original, mas também pouco pático e concreto. Demandava-se um salário básico do Estado para todos os cidadãos e não pagamento de partes “ilegítimas” da dívida pública, embora o manifesto não especificasse que partes eram essas – duas medidas de que o Podemos recuou desde então.
Pouco mais de um mês antes das eleições europeias, as pesquisas do próprio Podemos revelaram que apenas 8% dos espanhóis haviam dado ouvidos a eles. Contudo, 50% sabiam quem era Pablo Iglesias. O partido deu o controverso passo de mudar seu logo, colocando nele a face de Iglesias para garantir que fosse estampado nas células. Dezoito dias antes das eleições, o instituto de pesquisas estatal CIS disse que Podemos poderia chegar perto de conseguir um assento.
Na noite da eleição, o Podemos surpreendeu a todos. Obteve 8% dos votos, com Iglesias, Echenique e outros três tornando-se deputados. No meio de toda a celebração, Iglesias permaneceu frio. O PP ainda estava no governo, alertou. A batalha estava apenas começando.
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Oito meses após as eleições, num voo de volta de Atenas a Madri em janeiro, Iglesias ocupou, como sempre, um assento econômico. Ele acabava de ajudar Alexis Tsipras do Syriza a fechar um comício de campanha com um verso de Leonard Cohen – “Primeiro tomaremos Manhattan; depois, Berlin” – e algumas bem pronunciadas palavras em grego. Era cedo, depois de uma noite que havia se prolongado até tarde, mas ele já estava no modo trabalho. “Bebo Red Bull para poder ler em longos voos”, disse no lounge do hotel, enquanto um empresário grego, dono de restaurantes em Madri, insistia em pagar nosso café, entusiasmado com as mudanças que ocorriam nos dois países.
Em privado, a combativa persona pública de Iglesias dá lugar a uma cuidadosa educação (“Ele é como o genro perfeito”, de acordo com Mouffe). Ao contrário de outros políticos proeminentes, recusa-se a andar em carros oficiais, mas perdeu a liberdade de andar nas ruas ou ir a um bar sem ser parado. Quando chegou no aeroporto de Barajas, em Madri, uma vendedora de bilhetes de loteria que o viu interrompeu seu caminho. “Você não precisa comprar. Apenas vença!”, disse ela, os olhos arregalados.
Iglesias sentiu-se energizado pela visita a Atenas, mas Tsipras havia sido menos efusivo na noite anterior quando, numa festa no terraço de uma boate com uma vista espetacular do Parthenon, perguntei a ele se uma vitória futura do Podemos era chave para o Syriza. Não realmente, respondeu ele. “As eleições vão demorar um pouco”, disse o homem que, três dias depois, tornou-se o solitário rebelde contra a austeridade na Europa. “Penso que nós abriremos caminho para eles.”
A Espanha não é a Grécia. A austeridade pode estar ferindo – a organização Caritas, da Igreja Católica, distribuiu comida, roupas e ajuda a 2,5 milhões de pessoas (uma em cada 20 espanhóis) no ano passado – mas não produziu as cenas de privação que se vê regularmente nas ruas de Atenas, tais como as filas em farmácias de caridade, onde os excluídos da assistência médica estatal buscam medicamentos. Ainda assim, “se isso pode acontecer com a gente”, disse Iliopoulou Vassiliki, uma farmacêutico voluntário, expressando um medo compartilhado por muitos adeptos do Podemos, “quem será o próximo?”
Alguns dias depois de Iglesias retornar de Atenas, ele visitou Valência para um comício. O Podemos conquistará muitos votos do jovens nas eleições gerais, mas aqueles que participam de seus comícios – muitos deles membros dos círculos locais do Podemos – são em sua maioria mais velhos. O ativismo vem mais facilmente para aqueles que estão em seus 40 anos ou acima disso, muitos dos quais lembram os inebriantes primeiros anos da transição democrática da Espanha e se surpreendem com a passividade da geração mais jovem. Autofalantes bombando People Have the Power de Patti Smith para 8 mil pessoas que lotavam o estádio de basquete. “Aí vem o momento rockstar”, avisou um jornalista espanhol, conforme Iglesias e Errejón recebiam aplausos estridentes. Uma mulher de meia-idade com calças estampadas de pele de leopardo berrou: “Presidente! Presidente! “Alguém gritou:” Viva a mãe que deu você à luz”!
Como capital de uma região notória pela corrupção política, Valência é solo fértil para o Podemos. Iglesias lê uma carta de Nerea, uma menina que estava ali em seu nono aniversário. “Gostamos de você porque ajuda as pessoas”, dizia. “Obrigada por dar a meus pais esperança de novo.” O pai segurou a menina acima de sua cabeça. “Eles [o sistema] não estão com medo de mim, Nerea. Eles estão com medo de você e das famílias que disseram ‘basta!’, disse Iglesias, antes de seguir com uma série de slogans: “Os sorrisos mudaram de lado”; “Claro que podemos!” John Carlin, um redator do El País, diz que Iglesias está vendendo um conto religioso semelhante àquele de Jesus expulsando os mercadores. A implicação é que os seguidores do Podemos preferem o sentimento inspirador da fé compartilhada à fria razão. Lembrei-me de um voluntário em um escritório do Podemos em Madri que me surpreendeu ao me dizer que não votaria para eles. “Há muita emoção”, disse ele.
A ativista do Podemos Irene Camps veio para o comício com os membros do círculo de Manises, uma cidade industrial batalhadora próximo ao aeroporto de Valencia, onde um ex-prefeito do PP está sendo julgado por suposta corrupção (que ele nega). Uma noite, algumas semanas após o comício, Camps e eu estávamos em frente ao supermercado local Consum com meia dúzia de mulheres que esperavam para passar pelo caixa. Perto, um grande teatro, cuja construção começou durante os dias de boom na Espanha antes da quebra de 2007, mantém-se inacabado. “Todo mundo está falando sobre o Podemos. Devíamos dar-lhes uma chance”, afirmou Paqui Fernández, a mulher que se disse líder do grupo. Ela e suas amigas lembraram que essa terra era ocupada por “casas na caverna” — moradias construídas em buracos nas rochas – nos anos 1950. Era um sinal do quanto a Espanha havia avançado desde a morte de Francisco Franco em 1975, mas também de que as memórias da pobreza não são tão antigas. Camps é parte da antes ampliada, e agora minguante e amedrontada classe média. “Se não mudarmos as coisas”, disse ela, “vou acabar como Paqui.”
No dia seguinte, banhada pelo sol de inverno, Camps ajudou numa assembleia ao ar livre do Podemos em uma propriedade em ruínas de casas geminadas no campo, fora de Manises. Pessoas do local, tímidas, entraram em uma roda de ativistas animados, de camisa roxa, e foram aplaudidas por arejar seus medos. Os novecentos e tantos círculos do partido são chave para a abordagem participativa e popularidade local do Podemos, mas são difíceis de controlar. (O partido ainda não tem uma lista completa deles.) Qualquer um pode participar e votar.
Se o Podemos deseja ser mais do que um partido tradicional ou um movimento pesadamente populista, então precisa funcionar com democracia direta. O uso que o grupo faz de sites de transparência (detalhando todos os gastos, inclusive salários), ferramentas de votação e discussão online já é de ponta. Seu site de debates Plaza Podemos atrai regularmente entre 10 mil e 20 mil visitantes diários. “Não se usa ferramentas onine nessa escala em qualquer outro lugar do mundo”, me disse Ben Knight, um dos empresários por trás de um aplicativo de tomada de decisão colaborativa, o Loomio.
Mas no uso mais amplo da democracia direta, assim como em outras matérias, o Podemos ainda não tem uma estratégia definida. Os únicos princípios fixos são de que os membros sênior do partido, incluindo Iglesias, podem ser demitidos por referendo, e as coalizões pós-eleitorais precisam ser aprovadas pelos apoiadores. O Podemos poderá equilibrar as demandas de seus ativistas de base, que esperam formular políticas, com a poderosa influência de Iglesias e sua turma de acadêmicos complutenses? Esta é ainda das mais questões desafiadoras para o futuro do partido.
Quando chegou o momento de finalmente decidir a estrutura do partido, numa assembleia aberta no último outono [espanhol], a equipe de Iglesias desejava um líder forte. A proposta rival de Echenique, de uma liderança compartilhada de três pessoas, ganhou o apoio de muitos círculos de ativistas, mas obteve apenas um quinto dos 112 mil votos online. “Você poderia dizer que Iglesias ganhou os votos mais superficiais”, disse Miguel Arana Catania, do LaboDemo, uma consultoria digital que aconselha o Podemos. “Eram as pessoas que o tinham visto na TV.” É só no nível local, ou quando o comparecimento é baixo, que o grupo Complutense perde o controle.
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A liderança carismática está no DNA do Podemos. Os membros sêniores admitem que o projeto seria impossível sem a visão, habilidades televisivas e liderança de Iglesias. Isso não o transforma num Hugo Chávez, como alguns gostam de dizer, mas levanta questões sobre o tanto de poder que ele pode acumular. “Não sou insubstituível”, o próprio Iglesias já declarou. “Sou um ativista, não um macho alfa, e me coloco sob as ordens da maioria.”
Membros de sua equipe mais próxima de 60 pessoas, a maioria que já trabalhou em escritórios apertados, com tapetes ondulados e campainhas quebradas, muitas vezes professam lealdade eterna. “Eu me sinto atingido pelos ataques a ele”, admitiu um. Muitos no grupo deixaram seus estudos, carreiras ou relacionamentos ao longo do ano passado, conforme o projeto Podemos decolou. Aqueles que têm filhos — uma pequena minoria, já que a idade média é de 26 – queixam-se de que o trabalho é muito desgastante. Predominam os homens, embora o partido apresente listas “zíper” de candidatos (em referência aos dentes de um zíper), com homens e mulheres alternados, para cargos públicos. Outros que gostariam de trabalhar para o Podemos dizem que o teto salarial de 1.900 euros mensais [R$ 6.050] é proibitivo. (Ganhos acima disso, em cargos públicos, são doados para o partido e outras causas.)
O Podemos tem uma sede nova em Madri, alguns andares abaixo das salas bagunçadas onde acampou depois das eleições europeias. Foi nesse escritório sombrio que, 13 meses depois de fundar seu partido, Iglesias concordou em encontrar-se para uma entrevista. “Enfim, o homem mais procurado do mundo”, brincou alguém de sua equipe conforme esperávamos na porta. Iglesias parecia estranhamente deslocado nessa imaculada porém anódina nova casa, com seus carpetes e portas de madeira brilhante estilo-hotel. Suas pulseiras e seu cabelo, adornados por uma banda elástica colorida, contrastam com seu uniforme opaco do dia-a-dia, camisa xadrez e jeans. (“Nenhum deles está interessado em dinheiro”, disse um colega do núcleo de professores da Complutense.) Ele admitiu que estava cansado, e um olhar um pouco embaçado ressaltou a impressão de ascetismo.
Iglesias está consciente do paradoxo de um partido com raízes anticapitalistas candidatando-se para administrar uma economia baseada no mercado. “No curto prazo, estamos limitados a usar o Estado para redistribuir um pouco mais, ter tributos justos, estimular a economia e começar a construir um modelo que recupere a indústria e traga de volta a soberania. Nós aceitamos que o euro é inescapável. A mudança que representamos é, de certa forma, sobre recuperar um consenso que 20 anos atrás incluiria até mesmo algumas partes da democracia cristã.” Entre outras medidas, ele estimularia a economia redistribuindo dinheiro para os pobres e aumentando a folha de pagamento público, admitindo mais fiscais de impostos, juizes e agentes de serviço social, e pagando por isso com um aumento de impostos.
Um governo Iglesias tomaria algumas lições com o Syriza. Ele não viu a negociação que o Syriza fez em fevereiro, que estendeu por quatro meses o prazo de um grande empréstimo feito à Grécia, como um recuo de seu amigo Tsipras. “Ao adotar uma postura dura, um país pequeno e fraco, que é muito menos importante para a zona do euro e da UE do que a Espanha, mudou o modo como as coisas são feitas”, disse ele. Nas negociações, Iglesias usaria os músculos da Espanha, quarta maior economia da zona do euro (o que, implicitamente, torna-a grande o suficiente para ameaçar a estabilidade da moeda). “Não se consegue tudo, mas se você começa com altivez e resiste, os resultados são completamente diferentes.”
Iglesias gosta de desviar perguntas sobre populismo apontando a promessa de Rajoy na eleição de 2011 de criar 3,5 milhões de empregos, quando a economia na verdade perdeu 600 mil desde então. “Os verdadeiros populistas são aqueles que fazem promessas impossíveis”, disse. Mas o partido se prende a nós ao longo da narrativa. Errejón me disse que seus adversários estavam tanto certos como errados, ao chamá-los de populistas. “O stablishment usa populismo como sinônimo de dizer para a maioria empobrecida o que ela quer ouvir”, disse ele. “Isso nos leva direto de volta para a noção de que só os mais ricos devem votar. É como se as massas fossem crianças.” Iglesias evitou o assunto com um lampejo de arrogância intelectual. “Laclau nunca usaria o conceito de populismo da forma como os leitores do Guardian iriam entendê-lo”, disse ele, negando que houvesse qualquer demagogia no Podemos e acrescentando que, para Laclau, a maioria dos políticos eram populistas, de todo modo.
Sua proposta para maior soberania dos espanhóis inclui uma maior separação da Europa em relação aos EUA, que ele sente ter ditado a política da UE sobre a Ucrânia. “Não sinto nenhuma simpatia ideológica por Putin, mas penso que a UE errou ao adotar postura tão beligerante contra a Rússia”, disse. Referindo-se aos protestos na praça Maidan, em Kiev, que acabaram levando à derrubada do governo, ele disse: “Não era razoável apoiar algo que – para usar uma expressão mais suave do que golpe de estado – era um deslocamento ilegal do poder político.”
Iglesias não viu conflito entre os valores do Podemos e o fato de apresentar um programa num canal que muitos veem como espaço de propaganda para a teocracia repressiva do Irã. “No Forte Apache, eu tenho completo controle de estilo e conteúdo”, disse. Fosse ele primeiro ministro, Iglesias ficaria feliz em manter o programa e apresentar entrevistas com atores, diretores de cinema, intelectuais e políticos. “Seria uma maneira de mostrar que você pode devotar-se à política sem parar de fazer outras coisas”, disse. “Não sei se seria possível na prática. O cotidiano de um primeiro-ministro traz limitações, mas estamos aqui para mudar as coisas.”
As eleições regionais de 24 de maio mostrarão se Podemos chegou ao topo. Nos últimos meses, o Ciudadanos, um novo rival de centro-direita, transformou o cenário politico mais uma vez. Com a sua promessa de desalojar o establishment e inaugurar uma nova era de política transparente, livre de corrupção, o grupo oferece uma alternativa segura para aqueles que temem o Podemos. Ele tem, em Albert Rivera, um líder jovem carismático — mas muito mais ortodoxo — para rivalizar com Iglesias. A economia espanhola ressurgente, agora crescendo e criando empregos mais rapidamente que a maioria dos países da Europa, pode impulsionar Rajoy na eleição geral de maio ou, pelo menos, legar uma economia parcialmente sanada a quem sucedê-lo. Matérias da mídia, que colocou luz sobre as estreitas relações entre alguns membros destacados do Podemos e a Venezuela, também arranharam a sua imagem pouco antes das eleições de 22 março para o parlamento na região sul de Andalucia, tradicionalmente ligada ao Partido Socialista. Mesmo assim, o Podemos duplicou a sua votação (a partir de eleições europeias ) para 15%.
Mas o terremoto Podemos já abalou o status quo, forçando o PSOE a eleger um jovem novo líder – Pedro Sánchez –, enquanto a IU se desintegra em amargas lutas internas sobre a possibilidade de aliar-se com o partido que pode comprovar seu declínio. Sondagem de opinião do El País coloca o Podemos, com margem estreita, como o partido mais popular da Espanha, mas sem uma margem que lhe permita governar sem fazer coalizão com os “velhos” partidos amaldiçoados como parte da “casta”. Isso poderá obrigar o Podemos a ir para a oposição. “Espero que estejam dispostos a trabalhar com a gente”, me disse o ex-ministro do PSOE Juan Fernando López Aguilar em Bruxelas, em dezembro. “Mas até agora, vejo uma ameaçadora mistura de arrogância, paixão cega e condescendência.”
É tentador ver o Podemos como uma operação bem planejada por um grupo de acadêmicos talentosos, seguindo um roteiro populista escrito por um grupo de pensadores radicais, mais isso seria simples demais. O grupo é, na verdade, o resultado de um esforço em aberto, feito por idealistas não-ortodoxos para promover mudança, combinando convicção jovem com um desejo de testar suas ideias no mundo real. Contudo, à medida em que tentam forjar um novo consenso, eles inevitavelmente afastam-se de suas raízes radicais. Numa aula que Iglesias deu para estudantes visitantes no Parlamento europeu em dezembro – talvez a última em muito tempo – ele reconheceu que se governar pelas regras atuais do capitalismo europeu, os críticos de esquerda o acusarão de ser um reformista covarde. “A resposta para isso é: ‘E onde estão suas armas para nos livrar do capitalismo?’”, disse. Realismo, portanto, tanto quanto idealismo, ditarão o futuro do Podemos. Somente quando colocado em prática descobriremos como, ou se, o “método” participativo do Podemos muda a democracia, a política europeia ou a vida das pessoas comuns. Mas o certo é que Iglesias provou aquilo que apontou a seus alunos: o poder pode realmente ser desafiado.
28 de abril de 2015
Por Gilles Tremlett, no The Guardian | Tradução: Inês Castilho
(Recebido por email de L.M.)
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