Participei, de camisa amarela, das manifestações públicas em São Paulo em 15 de março e 12 de abril e deixaram-me extremamente incomodado, primeiro, a presença de ridículos trogloditas fantasiados de milicos pedindo intervenção militar e, depois, as críticas ao caráter "direitista" dessas manifestações por parte não dos petistas, declarados ou enrustidos, mas de quem vê a árvore, mas não consegue enxergar a floresta. Para quem se diz crítico do lulopetismo, desqualificar os protestos contra o governo com o argumento de que se trata de movimento "da direita" é pura covardia diante de um desafio efetivamente complexo e delicado.
É também ignorância ou má-fé alegar que a presença de meia dúzia - ou, vá lá, meio milhar - de trogloditas infiltrados entre centenas de milhares de manifestantes em todo o País dá, por si só, o caráter do movimento. É como afirmar que as manifestações de protesto precursoras de junho de 2013 eram coisa "de baderneiros", porque outros trogloditas, pequenos bandos de rebeldes sem causa fantasiados de preto, aproveitavam a situação para depredar pontos de ônibus e fachadas de bancos.
Testemunhei na Avenida Paulista, ao contrário dos esnobes que opinam à distância, que os milicoides de capacete e camuflagem saudosos da ditadura militar eram reduzidíssima minoria observada com desdém ou repugnância pela absoluta maioria dos manifestantes. Em todo caso, estavam exercendo o direito de se prevalecer das liberdades democráticas para conspirar contra elas. São paradoxos da democracia e quem não os aceita não se pode dizer democrata.
Nos momentos de crise é preciso ter a coragem de se posicionar, nem que isso signifique marchar ao lado de alguém com quem será necessário ajustar contas mais para a frente. Trata-se, neste momento, de se integrar à multidão de que fazemos parte todos os que, da maneira mais legítima e democrática, protestamos contra a severa crise em que o populismo patrimonialista do PT lançou o País.
Ao longo dos mais de 20 anos da ditadura militar que resultou do golpe de 1964, as forças genuinamente democráticas permaneceram unidas na oposição consentida e cumpriram o seu papel na recomposição das instituições e na reconquista dos direitos da cidadania democrática. Hoje, diante do evidente esgotamento de um projeto populista que acabou se revelando apenas de poder, quando três em cada quatro brasileiros afirmam não confiar na presidente da República, não é hora de ficar em cima do muro ou tentar aparecer bem na foto posando de "progressista". É preciso ter a coragem de sair às ruas - mesmo que seja no sentido simbólico da expressão - para proclamar claramente que o povo brasileiro deseja trilhar novos caminhos.
Que caminhos são esses? Essa é a grande questão.
O País sabe exatamente o que não quer, como o demonstram claramente as pesquisas de opinião e as manifestações populares espontâneas que tanto incomodam os "progressistas" em cima do muro. As balizas desse caminho estão dadas. São os fundamentos legais de nossas instituições democráticas - a lei, enfim. A tentação de tomar atalhos, quaisquer atalhos, só conduzirá ao retrocesso.
Esse princípio põe desde logo em questão a proposta de impeachment da presidente da República. Impeachment, apesar dos arreganhos petistas de agora, não é golpe. É recurso constitucional a que já se recorreu com êxito por ocasião do "Fora Collor", no qual o PT se empenhou de corpo e alma, do mesmo modo que o fez, sem o mesmo sucesso, quando saiu às ruas para exigir "Fora Sarney", "Fora Itamar" e "Fora FHC".
Do ponto de vista social, a maciça insatisfação popular é condição obviamente necessária para a deposição constitucional de um presidente, mas não é suficiente do ponto de vista legal. A partir da apresentação de evidências e provas que constituam uma base legal, o julgamento do impeachment precisa ser aprovado pela maioria de dois terços da Câmara dos Deputados para então ser encaminhada para a decisão final ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou ao Senado, dependendo da natureza do crime que é imputado ao presidente: se se tratar de crime comum, quem o julga são os ministros do STF; no caso de crime de responsabilidade, a decisão é tomada pelos senadores, também com quórum qualificado de dois terços, em sessão excepcionalmente presidida pelo presidente do STF.
Mas o encaminhamento de um pedido de impeachment precisa ser considerado também do ponto de vista político, e a responsabilidade maior por esse aspecto da questão cabe à oposição institucional, os partidos de oposição. O impeachment de Dilma Rousseff - do mesmo modo que uma improvável renúncia - significaria a ascensão do vice-presidente Michel Temer e a entrega do poder, agora de papel passado, ao PMDB.
Vale a apena trocar o populismo patrimonialista de Lula/Dilma/PT pelo patrimonialismo populista de Temer/Calheiros/Cunha/PMDB?
A hipótese do impeachment, contudo, pode ser útil às aspirações mais secretas de Lula. Com o PT fora do governo, ele teria pela frente cerca de três anos para praticar a sua especialidade, fazer oposição, e chegar a 2018 em melhores condições eleitorais do que é previsível que aconteça depois de mais um mandato completo de Dilma e sua irredimível incompetência.
O principal partido da oposição, o PSDB, depois de muitas hesitações se mostra agora disposto a liderar o movimento institucional que tentará tornar viável o impeachment. Mas terá de agir no timing correto, sem a precipitação que, com sua habitual prudência, recomendou recentemente Fernando Henrique Cardoso. Enveredar pelo caminho errado é tão reprovável quanto permanecer em cima do muro numa hora dessas.
28 de abril de 2015
A.P.Quartim de Moraes
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