Ou ainda: A luta de Renan contra Cunha interessa a Dilma e ao PT
Poucas coisas são tão perigosas como inveja de homem. Como os garotos não são treinados para reconhecer que o outro é melhor, mais hábil, mais talentoso, mais bonito, mais inteligente, mais dedicado, escolham aí, a percepção da realidade pode levar aquele que se sabe inferior nesses quesitos (não é uma questão moral) a reações destrambelhadas de ressentimento. Sentir inveja de outra pode deixar uma mulher mais bonita. É a concorrência inteligente. A inveja, no entanto, sempre torna um homem mais burro e o leva a dar tiro no próprio pé tentando atingir o outro.
É a minha hipótese virtuosa, EMBORA EU NÃO ESTEJA CONFORMADO COM ELA E PROCURE OUTROS MOTIVOS, para a guerra que Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, deflagrou contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara. Muita gente hoje está interessada em “pegar” Cunha. Com alguma frequência — e me refiro a ele como presidente da Casa —, é pelos maus, não pelos bons motivos. Desde que assumiu o posto, digam-me uma só decisão sua que não tenha contribuído para a independência do Legislativo. Do ponto de vista institucional, é o que me interessa. Se gostam ou não de sua agenda — eu, na maioria das vezes, gosto —, esse é outro problema. As divergências e rinhas ideológicas fazem parte da democracia. Pôr um Poder da República de joelhos diante do Executivo é que não faz.
Muito bem! A menos que exista mão estranha balançando o berço de Renan — e investigo essa possibilidade —, só a inveja explica a sua sanha recente, que o leva mesmo a falar como se fosse, sei lá, presidente da CUT ou algum grande líder da esquerda brasileira. A conversão súbita do homem a procurador dos supostos interesses da classe trabalhadora é, com a devida vênia, suspeita.
A sua luta contra a regulamentação da terceirização, já aprovada na Câmara, tem um óbvio componente pessoal disfarçado de causa social. Nesta terça, ele se encontrou com Joaquim Levy, ministro da Fazenda. E resolveu se fingir de Rui Falcão, presidente do PT, falando, note-se, o que este não poderia falar. Afirmou:
“O que não tem sentido, absolutamente nenhum sentido, é, no momento em que o Estado aumenta impostos e a taxa de juros, as empresas e o sistema financeiro acharem que vão resolver o problema da produtividade transferindo para o trabalhador. Se isso acontecer, a presidente [Dilma] vai continuar não podendo falar no dia Primeiro de Maio”.
“O que não tem sentido, absolutamente nenhum sentido, é, no momento em que o Estado aumenta impostos e a taxa de juros, as empresas e o sistema financeiro acharem que vão resolver o problema da produtividade transferindo para o trabalhador. Se isso acontecer, a presidente [Dilma] vai continuar não podendo falar no dia Primeiro de Maio”.
É uma fala cretina e falsa. Em primeiro lugar, o projeto da terceirização pode até contar com a anuência de parte considerável das empresas, mas não é uma exigência sua. Em segundo lugar, quem impede Dilma de falar no Primeiro de Maio não são as elites sindicais, as únicas verdadeiramente incomodadas com o projeto da terceirização — estas, diga-se, tentaram fazer movimento de rua em favor da presidente; é que não juntaram ninguém. Quem impede o pronunciamento de Dilma são milhões de brasileiros inconformados com a incompetência, com a roubalheira, com a falta de perspectiva. Suspeito até que a maioria que faria panelaço se a petista falasse apoia o projeto.
No auge do ridículo, Renan está sendo saudado, por esquerdistas do Senado como líder de resistência à dita “pauta conservadora” de Cunha, uma invenção de “progressistas” da imprensa. Com que propósito? Movido por qual ambição ou acordo?
Na fala de Renan, vai uma crítica a Dilma, claro!, mas não sei se acredito muito nela. O principal interessado hoje em quebrar as pernas de Cunha é o Palácio do Planalto. Não estou certo de que me conformar com a tese da “inveja de homem” ou procuro nessa história alguma insuspeitada (até agora) parceria, de que essas divergências cenográficas sejam mero diversionismo. Até porque vamos convir: a presidente, no que fez mal, lutou contra o projeto da terceirização. E perdeu. A mim me parece que Dilma terceirizou a luta contra Cunha. Mas qual seria o regalo, já que, também em política, não existe almoço grátis?
Renan que me perdoe se não consigo enxergá-lo, assim, como o novo líder de uma suposta classe trabalhadora que seria prejudicada pelo projeto da terceirização. Acho que ele anda levando a sério demais essa história de que é mesmo o substituto de José Sarney na política. Seria prudente que entendesse que não existe mais lugar, no Brasil, para Sarneys e outros condestáveis da República.
28 de abril de 2015
Reinaldo Azevedo, Veja
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