Às vezes, procuram determinar quando, em sonho distante, o Brasil iria igualar a sua renda per capita com a dos americanos. As contas até não são difíceis de se conceber e por isso fico intrigado por que erram tanto em busca de uma data futura para se alcançar o “nirvana” sonhado. Observações acuradas, quer do dia-a-dia, quer pela ótica da história, também nos levam à resposta inequívoca: nunca! A razão é que jamais fomos (e seremos?) desenvolvidos. Somos subdesenvolvidos, de mentalidade tacanha e em tudo atrasados. Os americanos já nasceram desenvolvidos. Nós já nascemos atrasados, bem como todos por aqui na América Latina e Central. Para fugir do pessimismo, diria que a resposta para alcançarmos Xangrilá é fácil: basta enterrar o velho e o arcaico e renascer novamente, em berço esplêndido, longe da mentalidade pilhadora que é típica dos ibéricos.
Pulando a fotografia da realidade óbvia, vamos aos números do crescimento economico. Essa estatística provém do trabalho de Madisson , historiador já falecido, mas que deixou um projeto que teve prosseguimento após sua morte, mantendo-se os registros do crescimento da renda per capita para uma centena de países. Vejamos as estatísticas para o Brasil e os EUA desde os primórdios, onde americanos e brasileiros, parentes distantes, ambos selvagens, se encontram em pé de igualdade. Na execução dessa tarefa, usei extrapolações elementares para encaixar as estatísticas faltantes. Registro ainda que as estatísticas do PIB deveriam ser qualificadas por uma outra que indicasse a concentração de renda, de forma que a renda per capita pudesse de fato refletir melhor o bem estar da sociedade. Infelizmente, não dispomos dessa estatística num horizonte histórico.
Os dados, claramente, mostram que as condições iniciais importam. Inicialmente, comentando-se as estatísticas dos americanos, vemos que eles crescem sistematicamente em torno de 2% ao ano. Há nitidamente apenas um período de crise, o de 1929 a 1933, que logo se compensa no período da Segunda Guerra Mundial. Já para o Brasil, em uma primeira aproximação da estatística aos fatos, temos um crescimento vegetativo por mais de 300 anos, iniciando-se a fase do crescimento apenas no começo do século XX. Depois de quarenta anos de crescimento sistemático (1920 a 1960 – com crises, é certo) uma trajetória de crescimento vegetativo vergonhosa será o padrão de destaque. Nos anos recentes, há algum sinal de recuperação, porém nada alentador, em função da baixíssima produtividade que carrega . Observe-se que o período do chamado "milagre econômico" – 1968 a 1974 – é bastante enganoso. Evidentemente que, se milagre fosse, o destino do país seria outro, e não trágico como é. É o período que se aproveita da enorme capacidade ociosa induzida pelas políticas recessivas do primeiro governo da ditadura militar, que o antecedeu. Mesmo o esforço do período Geisel - sabidamente equivocado que acabou por gerar um enorme desperdício de recursos e um endividamento crítico, resultando em uma maior concentração de renda, inflação estratosférica e caos nas contas públicas - não poderia mudar o inevitável. Pelo contrário. O período subsequente de 1975 a 1980 aprofundaria as contradições do modelo, deixando um legado nada invejável. Vinte anos de estagnação foi o desfecho do militarismo. No plano político, o que se seguiu após a ditadura militar foi o desmantelamento das nossas instituições, registrado pelo noticiário midiático repetitivo e deprimente de corrupção e violência em todos os cantos, inclusive no interior empobrecido. Para o período em que se resgata uma trajetória de crescimento observável, contar-se-ia com a bonança dos preços das commodities e de paliativos fiscais e monetários, mas os quais não desenredam a economia de sua dinâmica mixuruca refletida pela baixíssima produtividade, conforme registrado pelas estatísticas da Penn World Table. O crescimento econômico, por aqui, dando pinta óbvia, será vegetativo.
Uma estória é sempre necessária para se descrever a trajetória da economia, de forma que se possa encaixá-la num modelo ou em algum esquema analítico passível de ser descrito por equações. Quando lidamos com uma perspectiva histórica, as equações deverão ser simples. O problema é que, sob esse contexto simplificador, a estória fica “frouxa”. O modelo que assumo para explicar secularmente a dinâmica de nossa economia é o da pilhagem, nos termos em que Douglas North definiu para o Brasil (aqui). O modelo da pilhagem deixa de funcionar ubiquamente apenas durante o período de 1930 a 1955. Mesmo sob a égide de um modelo único, fenômenos importantes justificariam as mudanças nas taxas de crescimento da renda per capita. Fenômenos esses que deveriam ser coerentes com o modelo em mente. Assunto para uma outra ocasião.
A pergunta que surge naturalmente é : por que vegetamos? Era a mentalidade “colonialista” dos ibéricos a de não permitir que nenhuma iniciativa econômica autóctone proliferasse nos limites coloniais. Além disso, nós brasileiros nascemos sob o auspício das capitanias hereditárias, onde uma só pessoa detinha o direito de propriedade para uma área correspondente aos estados atuais, como o da Bahia. A abundância de terra encontrou, por decisão política, seu limite artificial, e seus “donos” impuseram todo tipo de distorção econômica e política, regredindo a economia a um contexto primitivo, porque nem feudal seria. Educação formal seria algo esquisito e só possível de ser obtida além-mar, em grau um pouco sofisticado e para poucos. No interior do país as trevas intelectuais eram bem piores: estava povoado pela ignorância de ponta a ponta. Num certo sentido, o modelo, nos dias atuais, ainda é o mesmo dos idos coloniais ou imperial (em que pese o esforço dos imperadores para fazer da colônia um país), refletindo a baixíssima produtividade dos últimos trinta anos, confirmada pelas estatísticas de qualidade sobre o nosso sistema educacional: o analfabetismo é, agora, funcional!
Quando folheamos o livro da história americana, encontramos pactos familiares a proliferarem crescimento sustentável em que iniciativas pessoais poderiam se transformar em sonho distante, como de fato se deu para irlandeses, ingleses, alemães e outros que se aventuraram em terras longínquas. Traziam consigo um capital humano que pôs em marcha uma civilização proeminente, fundamentada em um ambiente de liberdade econômica acentuado e na preocupação com o futuro a espantar o analfabetismo desde os primórdios da sua colonização. Essa dinâmica econômica-social permitiu que os EUA crescessem sistematicamente. De fato, uma economia de mercado, com instituições sólidas, foi o que garantiu uma trajetória de crescimento vigorosa.
Para termos uma visão comparativa entre o Brasil e os EUA, faço uma normalização entre as rendas per capita desses dois países. Mais adiante faço outra normalização entre ambos os países usando apenas a estatística populacional.
O que os gráficos indicam indiscutivelmente é que o EUA foi construído paulatinamente, refletindo os seus acertos e desacertos da própria estrutura social e física, mas amplamente fundamentada em seu capital humano que, mesmo sendo representado por uma população numerosa relativamente ao Brasil, conseguiu imputar `a economia americana um diferencial de renda per capita em relação ao Brasil bastante significativo. A produtividade econômica foi dirigida para um contexto equilibrado, voltado para o futuro, engendrando um crescimento per capita coerente com o crescimento populacional. É isso que se depreende da evolução de suas cidades, de seus estados e do seu capital humano a se explicitar em patentes a rodo e em prêmios nobéis em quantidade invejável. Os dados macroeconômicos, como a série histórica do PIB per capita, não apresentam calombos grotescos. Já os nossos, basta olhar!
Quando nos voltamos para o Brasil, constatamos que a estrutura escravagista não mudou. A mentalidade de que o trabalho simples é algo apenas para o pobre ainda permeia o imaginário social. Aqueles desafortunados ficam com o trabalho de gentinha. Os felizardos, com os de bacharéis, principalmente a compor as hostes públicas. Quanto à evolução das nossas cidades, um fenômeno aparentemente estranho surge ao compararmos as suas fotografias em momentos distintos do tempo. Claramente, o Brasil começa a se desconfigurar a partir dos anos 20 do século passado. Em 1940 o Rio de Janeiro, por exemplo, perdeu definitivamente o padrão urbanístico parisiense que se imaginara em anos memoriais, mesmo sendo rotulada pelos estrangeiros na época do Império como a cidade, depois de Porto Alegre, mais suja do mundo. São Paulo vê seus rios e riachos submergirem, abrindo espaço para o crescimento verticalizado. Construir edifícios em zonas residenciais permitira criar milionários da noite para o dia. Evidentemente, tal situação predatória só se justificaria pelo embuste político a enganar a população local, com mudanças arbitrárias nos seus planos diretores.
Mas não é por acaso que o Brasil inicia sua fase de “crescimento” nesse período. O nosso padrão tupiniquim de crescimento estava decretado e consolidado: o da pilhagem. Contudo, a força revolucionária dos anos 20 e 30 do século passado vai representar uma tentativa de mudança. Eram os "tenentes", o black bloc da época, a mandar bala nas autoridades constituídas! Mas o modelo nacionalista de desenvolvimento iria ser abortado. Era, vale ressaltar, um modelo com características de uma economia de mercado funcionando: preços em geral não estavam sob controle e mesmo o câmbio encontrara uma solução paliativa. Só que essa perspectiva de uma economia de mercado funcionando adequadamente termina com o suicídio de Getúlio Vargas, afastando por uma década o golpe de misericórdia que esse modelo nacionalista procurou evitar. O Modelo Nacionalista de Getúlio e dos Tenentes fora criado de cima para baixo e os vários Brasis não puderam se encontrar, e ele se foi sem que dessem falta. A Era JK iniciou a derrocada dos ideais revolucionários de 30, em aceleração ao modelo da pilhagem, porém amarrado ao regime constitucional democrático. O governo JK vai levar o país ao impasse político, resultando em uma ditadura sem precedentes, pondo fim ao período revolucionário dos tenentes nacionalistas da década de 20. Ela, a ditadura militar de 1964, cumprindo seu desiderato, seria violenta no plano político e econômico. Quanto ao contexto econômico, não encontraria opositores respeitáveis, até mesmo porque os nossos intelectuais, dominados por ideologias incongruentes em seus erros corriqueiros, estavam sempre caminhando de mãos dadas com os nossos algozes: a burguesia paulista. O papel messiânico daquela burguesia era alimentar a ilusão de que um processo de industrialização substitutiva de importações, completamente amarrado aos interesses das multinacionais, poderia abrir espaço para o desenvolvimento. Este foi exatamente o projeto de JK e dos militares golpistas de 64, em que pese um viés estatizante dos milicos, vindo a servir esse estoque de capital estatal como verdadeira acumulação primitiva em processos de privatização que ainda estão em andamento.
Como bem mostram as estatísticas dos EUA, o processo de crescimento sustentável é vagaroso e se fundamenta na participação de todos, sem favores governamentais. Por aqui, em terra rica em recursos naturais e povoada por gente matuta, douraram a pílula do milagre e os poucos cérebros privilegiados ficaram entorpecidos ou foram sacrificados em nome da “revolução de 64”. Como dizia o General Serpa, golpista arrependido, em conversa não gravada ainda nos anos 80: “ meu filho, você não está reparando que os militares golpistas só estão matando gente séria?”
Em resumo, o que afirmo é que o nosso distanciamento do PIB per capita americano foi construído ao longo do tempo, estando esse distanciamento encrustado na nossa própria estrutura física e social. O quadro comparativo, para se passar do subdesenvolvimento para o desenvolvimento, seria o de se reverter o bairro de Copacabana aos padrões europeu ou mesmo americano, que incorpora o projeto de verticalização. Só haveria uma forma. Destruir toda a orla para que o correto e justo brotassem em edificações racionais. Mesmo essa demolição em massa não resolveria o problema da ignorância crônica. No mínimo três décadas seriam necessárias para diluir o impacto da ignorância na economia, sepultando gerações irrecuperáveis. Evidentemente, trata-se de uma parábola impossível de ser decifrada por gente de mentalidade primitiva. Mesmo que a ignorância não fosse um problema, a avaliação de mercado mostra que transformar Copacabana num padrão Saint-Tropez não faria sentido, porque os preços dos imóveis cariocas já no presente não estão tão distantes dos balneários europeus. Passar do sonho à realidade seria simplesmente impossível. De certa forma, era essa a parábola que se ensaiava com as chamadas reformas de base nos anos 50 do século passado, em percepção clara de que o movimento nacionalista de Getúlio e sua turma tinha ido pro beleléu.
As coisas ficaram piores, porque as cidades, em favelização crônica, refletem o modelo pilhador, absorvendo a mão-de-obra despreparada que vem do interior. Esse movimento forçado do campo para as cidades faz a prova de que lá, nos confins do mundo, sem pontos de luminosidade que o Google Maps nos revela, está de fato abandonado, gerando riqueza para poucos.
Para finalizar, reproduzo também o gráfico que relaciona os PIBs per capita dos EUA e do Brasil. Agora, porém, inverto a relação, porque ela de fato mostra em que patamar estamos há séculos.
24 de abril de 2015
in chutando a lata
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