NOTÍCIAS FALTANTES - FORO DE SÃO PAULO
O que se está negociando é buscar um marco político especial que permita às FARC fazer a revolução socialista após a derrubada do Estado de Direito.
Estamos em plena ofensiva do presidente Santos contra o direito e o sistema jurídico colombiano. Essa estranha e violenta campanha ele não a faz pessoalmente. Ele faz, claro, mas por pessoas interpostas. E a faz em dois tempos e com dois estilos, pois a cruzada está montada para chegar rapidamente a todos os setores, os altos e os baixos. É uma coisa bem pensada. O que Santos está enviando à cara de todos é explosivo: o direito e o ordenamento jurídico do país são obstáculos para a paz e é preciso quebrá-los.
Essa campanha começou em outubro passado quando Santos escolheu a palavra “sapos” para dar o primeiro passo: “Os colombianos se quiserem a paz, terão que engolir alguns sapos”. Com essa mensagem tão bestial quanto efetiva, neutralizou os que protestavam pela chegada de Romaña à mesa de negociações em Havana, quer dizer, de um dos chefes das FARC com mais mortos nas costas. Santos acrescentou algo muito certo: “A paz se faz com os inimigos”. Por isso tinha que aplaudir essa viagem e a absolvição, de fato, desse grande criminoso. Hoje sabemos que aquilo de ter que engolir sapos para alcançar a paz vai muito mais longe.
O desmantelamento do direito e da justiça é o outro sapo que devemos engolir. Essa ofensiva, já sem disfarces, apontou o nariz no passado 5 de fevereiro de maneira curiosa: em uma revista eletrônica que é muito lida por certa elite bogotana. John Carlin, um jornalista britânico pouco experiente em direito, lançou em Cartagena esta frase assombrosa na revista Kyenyke: “O segredo da solução pacífica na África do Sul foi sacrificar a justiça para não perpetuar a dor”.
Por que não fazer o mesmo na Colômbia? Sacrificar a justiça para “chegar à paz” não é por acaso algo muito nobre? A mensagem subliminar de fundo é: se Nelson Mandela fez isso, Juan Manuel Santos também pode fazer. A comparação é odiosa e desfavorável para com o falecido líder sul-africano. Entretanto, assim se abriu caminho a essa idéia feroz de pisotear a justiça, e atirar na sarjeta as vítimas da violência para alcançar a pretendida paz. Tal idéia foi lançada sem que ninguém do poder judiciário clamasse aos céus.
Ante esse silêncio, esse mesmo pensamento reapareceu com força, e em sua dimensão mais monstruosa, dois dias mais tarde, em 7 de fevereiro em El Tiempo. Desta vez o porta-voz de Santos foi nada menos que o magistrado José Leonidas Bustos, recém nomeado presidente da Corte Suprema de Justiça. Yamid Amat, o entrevistador, resumiu assim o pensamento de Bustos: “O direito não pode ser um obstáculo para a paz”.
Essa idéia de que o direito, quer dizer, a legalidade de um país, deve inclinar-se ante outros imperativos como a paz, não é nova. Stalin, que governou a URSS sem respeitar as leis soviéticas (sim, elas existiam no papel), não dizia outra coisa: “A legalidade revolucionária consiste em defender a propriedade socialista e não tem outro objetivo” [1]. O trabalho da Corte Suprema de Justiça da URSS não era o de interpretar a lei e aplicá-la, senão a de retorcer a lei para acomodá-la às exigências do poder. Pois a lei não era senão um estorvo para o ditador e seus sequazes. Em Cuba fazem o mesmo: a revolução está acima da lei. Idem na Venezuela onde os presos-políticos, como Leopoldo López, não podem apresentar as provas de sua inocência, pois o direito não pode ser um obstáculo à ordem pública, dizem lá os promotores maduristas. O magistrado colombiano Bustos está servindo essa mesma sopa: o direito está abaixo da paz. Ou a paz está acima do direito.
O fundo gramatical e filosófico de tudo isto é: a paz é a revolução. Por isso é que a paz aparece aqui, no discorrer do magistrado Bustos, como uma categoria absoluta, soberana, suprema, que pode estar acima do direito. Essa horrível inversão de valores é a essência da mensagem que o presidente da Corte Suprema de Justiça quer passar como a coisa mais natural do mundo. A isso chegamos na Colômbia.
Isso quer dizer que para os novos operadores da justiça, ao menos para os que estão dispostos a aderir à reverberação do magistrado Bustos, a revolução pode chegar por uma via diferente à tomada sangrenta do poder, pois a paz, uma vez desembaraçada do direito, abre a porta para a revolução.
À luz desse proclama fica mais claro do que nunca o que está ocorrendo em Havana. Nessas conversações o que está em jogo não é a re-conversão de um movimento narcoterrorista em partido político desarmado, como os demais, para lutar por umas metas dentro de um marco democrático e de direito. Não, o de Havana é mais ambicioso. O que se está negociando é buscar um marco político especial que permita às FARC fazer a revolução socialista após a derrubada do Estado de Direito. Isso é o que Bustos chama de “concessões mútuas”?
À opinião pública se lhe diz que o que estão fazendo é unicamente buscar um “acordo de paz”, um cessar definitivo da guerra, o qual exige “engolir muitos sapos”, quer dizer, passar por cima da atual institucionalidade. Um desse sapos aberrantes é “sacrificar a justiça” e mostrar o direito como um obstáculo para a paz-revolução. O chamado “marco jurídico para a paz” é uma antecipação prática do enfoque revolucionário do doutor Santos e de seu novo porta-voz, o magistrado Bustos. Os acordos de Havana estarão acima da Constituição e da lei: esses acordos serão a nova Constituição.
O que segue é o regresso à violência, pois onde não há direito há anarquia e caos. Sem direito, o mais forte se impõe. É a lei da selva e o império das minorias armadas.
Quem protestou ante a inovação jurídica que o poder central pretende? Ninguém. Salvo dois insignes pensadores: o ex-ministro e jornalista Fernando Londoño Hoyos, que acaba de dar uma excelente aula de direito penal ao presidente Leonidas Bustos [2] e o escritor antioquenho Jaime Jaramillo Panesso [3]. É muito e é pouco. O debate apenas começa.
Notas do autor:
[1] Obras completas de Stalin, tomo XIII, página 210 da edição francesa.
17 de fevereiro de 2015
Tradução: Graça Salgueiro
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