"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A PAZ É A REVOLUÇÃO?



O que se está negociando é buscar um marco político especial que permita às FARC fazer a revolução socialista após a derrubada do Estado de Direito.

Estamos em plena ofensiva do presidente Santos contra o direito e o sistema jurídico colombiano. Essa
estranha e violenta campanha ele não a faz pessoalmente. Ele faz, claro, mas por pessoas interpostas. E a faz em dois tempos e com dois estilos, pois a cruzada está montada para chegar rapidamente a todos os setores, os altos e os baixos. É uma coisa bem pensada. O que Santos está enviando à cara de todos é explosivo: o direito e o ordenamento jurídico do país são obstáculos para a paz e é preciso quebrá-los.
Essa campanha começou em outubro passado quando Santos escolheu a palavra “sapos” para dar o primeiro passo: “Os colombianos se quiserem a paz, terão que engolir alguns sapos”. Com essa mensagem tão bestial quanto efetiva, neutralizou os que protestavam pela chegada de Romaña à mesa de negociações em Havana, quer dizer, de um dos chefes das FARC com mais mortos nas costas. Santos acrescentou algo muito certo: “A paz se faz com os inimigos”. Por isso tinha que aplaudir essa viagem e a absolvição, de fato, desse grande criminoso. Hoje sabemos que aquilo de ter que engolir sapos para alcançar a paz vai muito mais longe.
O desmantelamento do direito e da justiça é o outro sapo que devemos engolir. Essa ofensiva, já sem disfarces, apontou o nariz no passado 5 de fevereiro de maneira curiosa: em uma revista eletrônica que é muito lida por certa elite bogotana. John Carlin, um jornalista britânico pouco experiente em direito, lançou em Cartagena esta frase assombrosa na revista Kyenyke“O segredo da solução pacífica na África do Sul foi sacrificar a justiça para não perpetuar a dor”.
Por que não fazer o mesmo na Colômbia? Sacrificar a justiça para “chegar à paz” não é por acaso algo muito nobre? A mensagem subliminar de fundo é: se Nelson Mandela fez isso, Juan Manuel Santos também pode fazer. A comparação é odiosa e desfavorável para com o falecido líder sul-africano. Entretanto, assim se abriu caminho a essa idéia feroz de pisotear a justiça, e atirar na sarjeta as vítimas da violência para alcançar a pretendida paz. Tal idéia foi lançada sem que ninguém do poder judiciário clamasse aos céus.
Ante esse silêncio, esse mesmo pensamento reapareceu com força, e em sua dimensão mais monstruosa, dois dias mais tarde, em 7 de fevereiro em El Tiempo. Desta vez o porta-voz de Santos foi nada menos que o magistrado José Leonidas Bustos, recém nomeado presidente da Corte Suprema de Justiça. Yamid Amat, o entrevistador, resumiu assim o pensamento de Bustos: “O direito não pode ser um obstáculo para a paz”.
Essa idéia de que o direito, quer dizer, a legalidade de um país, deve inclinar-se ante outros imperativos como a paz, não é nova. Stalin, que governou a URSS sem respeitar as leis soviéticas (sim, elas existiam no papel), não dizia outra coisa: “A legalidade revolucionária consiste em defender a propriedade socialista e não tem outro objetivo” [1]. O trabalho da Corte Suprema de Justiça da URSS não era o de interpretar a lei e aplicá-la, senão a de retorcer a lei para acomodá-la às exigências do poder. Pois a lei não era senão um estorvo para o ditador e seus sequazes. Em Cuba fazem o mesmo: a revolução está acima da lei. Idem na Venezuela onde os presos-políticos, como Leopoldo López, não podem apresentar as provas de sua inocência, pois o direito não pode ser um obstáculo à ordem pública, dizem lá os promotores maduristas. O magistrado colombiano Bustos está servindo essa mesma sopa: o direito está abaixo da paz. Ou a paz está acima do direito.
O fundo gramatical e filosófico de tudo isto é: a paz é a revolução. Por isso é que a paz aparece aqui, no discorrer do magistrado Bustos, como uma categoria absoluta, soberana, suprema, que pode estar acima do direito. Essa horrível inversão de valores é a essência da mensagem que o presidente da Corte Suprema de Justiça quer passar como a coisa mais natural do mundo. A isso chegamos na Colômbia.
Isso quer dizer que para os novos operadores da justiça, ao menos para os que estão dispostos a aderir à reverberação do magistrado Bustos, a revolução pode chegar por uma via diferente à tomada sangrenta do poder, pois a paz, uma vez desembaraçada do direito, abre a porta para a revolução.
À luz desse proclama fica mais claro do que nunca o que está ocorrendo em Havana. Nessas conversações o que está em jogo não é a re-conversão de um movimento narcoterrorista em partido político desarmado, como os demais, para lutar por umas metas dentro de um marco democrático e de direito. Não, o de Havana é mais ambicioso. O que se está negociando é buscar um marco político especial que permita às FARC fazer a revolução socialista após a derrubada do Estado de Direito. Isso é o que Bustos chama de “concessões mútuas”? 
À opinião pública se lhe diz que o que estão fazendo é unicamente buscar um “acordo de paz”, um cessar definitivo da guerra, o qual exige “engolir muitos sapos”, quer dizer, passar por cima da atual institucionalidade. Um desse sapos aberrantes é “sacrificar a justiça” e mostrar o direito como um obstáculo para a paz-revolução. O chamado “marco jurídico para a paz” é uma antecipação prática do enfoque revolucionário do doutor Santos e de seu novo porta-voz, o magistrado Bustos. Os acordos de Havana estarão acima da Constituição e da lei: esses acordos serão a nova Constituição.
O que segue é o regresso à violência, pois onde não há direito há anarquia e caos. Sem direito, o mais forte se impõe. É a lei da selva e o império das minorias armadas.
Quem protestou ante a inovação jurídica que o poder central pretende? Ninguém. Salvo dois insignes pensadores: o ex-ministro e jornalista Fernando Londoño Hoyos, que acaba de dar uma excelente aula de direito penal ao presidente Leonidas Bustos [2] e o escritor antioquenho Jaime Jaramillo Panesso [3]. É muito e é pouco. O debate apenas começa.

Notas do autor: 

[1] Obras completas de Stalin, tomo XIII, página 210 da edição francesa. 
17 de fevereiro de 2015

Tradução: Graça Salgueiro

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