A perigosa ideia de Cardozo, que continua no ministério da Justiça do governo reincidente, é aumentar o campo de ação da União na segurança dos Estados - uma verdadeira intervenção na ordem federativa. Editorial do Estadão vai ao ponto:
São preocupantes as ideias sobre segurança pública defendidas pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em entrevista ao Estado. Por trás da boa intenção manifestada pelo governo federal de ajudar a tornar mais eficiente o combate ao crime, está um plano destinado a interferir na autonomia dos Estados, de tal forma e com tamanha amplitude que, se ele vingar, os próprios fundamentos da Federação estarão ameaçados. É preciso, portanto, que todos os interessados no caso - a começar pelos governadores - prestem muita atenção tanto no que diz como no que sugere e deixa entender Cardozo.
O propósito do ministro é, no primeiro momento, convencer os governadores, como tentou com os do Sudeste - Geraldo Alckmin, de São Paulo, Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro, Fernando Pimentel, de Minas Gerais, e Paulo Hartung, do Espírito Santo -, de que as experiências de colaboração das polícias estaduais entre si e com a Polícia Federal, com destaque para a Copa do Mundo, devem levar à criação de uma estrutura permanente que possibilite sua repetição.
Isso prepararia o terreno para aprovar a grande mudança pretendida pelo governo, que será expressa numa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre segurança pública, a ser enviada ao Congresso no início do ano legislativo, em fevereiro. Embora ainda esteja em elaboração pelo Ministério da Justiça, já se sabe que ela tem dois pontos principais: aumentar o campo de ação da União, determinando os crimes em que ela pode intervir; e permitir que a União trace diretrizes comuns de ações para as várias polícias nos Estados. Só isso bastaria para mostrar aonde o governo quer chegar.
Para dissipar qualquer dúvida, o ministro Cardozo deu alguns exemplos: "Eu queria criar um procedimento comum da atuação das Polícias Militares em manifestações. Mas, hoje, não posso impor para a PM do Estado normas operacionais. Mas, se tiver uma competência concorrente, posso ter a União estabelecendo diretrizes gerais, sem suprimir a possibilidade de os Estados tratarem do mesmo assunto". Mais claro do que isso, impossível. A União quer ter o poder de determinar o que os Estados podem e devem fazer na área de segurança pública, deixando-lhes apenas a liberdade de cuidar dos detalhes da execução das "diretrizes gerais".
É forçoso concluir que é nos limites de tais diretrizes que se dará a cooperação das várias polícias - Civil, Militar, Rodoviária e Federal. Um dos principais instrumentos para tornar isso realidade são os Centros de Comando Integrado de Controle, a serem instalados em cada Estado e dotados, como promete o governo federal, de modernos e sofisticados equipamentos. Doze deles já funcionam, embora ainda não inteiramente nos moldes pretendidos. O que o governo deseja é uma mudança de vulto, que na prática aumentaria tanto o poder da União na segurança pública, uma área de vital importância, que a Federação se tornaria coisa "para inglês ver".
Como é muito difícil imaginar o Congresso aprovando uma proposta dessas, e o governo sabe disso, seu objetivo deve ser desviar a atenção da sua incapacidade de fazer a contento a parte que lhe cabe na segurança pública. Em vez de propostas descabidas como essa, ele deveria, portanto, cuidar melhor de suas atribuições, como a vigilância das fronteiras, notoriamente vulneráveis à entrada de drogas em grandes quantidades - para consumo interno e reexportação - e ao contrabando de armas. Esses são os pilares do crime organizado, que semeia a violência.
Além dessa tarefa, a União tem também, por exemplo, papel importante a cumprir na melhoria do sistema penitenciário - o estadual e o federal - e na cooperação entre os serviços de inteligência, seu e dos Estados. Para usar uma expressão a que recorreu o ministro em sua entrevista, o governo federal precisa "fazer a lição de casa".
Tomar as dificuldades na segurança pública, que é função dos Estados, como pretexto para esdrúxulas tentativas de atingir a Federação não é coisa séria e deve, portanto, ser rejeitada liminarmente.
09 de janeiro de 2015
in orlando tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário