Reportagem de Maria Lima e Júnia Gama, publicada na edição de ontem de O Globo, destaca negativamente um episódio ocorrido na sexta-feira, em Brasília, durante encontro entre o senador Renan Calheiros e o Ministro Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil. O presidente do Senado, usando o nome do PMDB, ameaçou o governo de partir para uma atuação independente no Congresso, caso o partido não possa nomear titulares de cargos no segundo escalão administrativo, citando a Codevasf, DNOCS, Sudene e Banco do Nordeste. Parece incrível, mas a ameaça até o momento não foi contestada.
Não tem cabimento. Primeiro, porque aparentemente configura uma troca que se aproxima de uma tentativa de chantagem às claras. Não respeita sequer os limites expostos da ética partidária. A legenda, lembram as repórteres, teve ampliada sua presença na equipe ministerial de 5 para 6 postos e se lança de forma alucinada para conquistar ainda mais espaços. Para propor projetos de interesse público coletivo? Não. Para obter espaços pelo que eles possam proporcionar de caráter pessoal aos indicados e aos autores das indicações. Tudo isso à luz do dia, sob alegação de que a investida se reveste de um impulso de recuperação de espaços perdidos.
É como se tais espaços coubessem, por direito de herança, à legenda e a seus integrantes no campo da administração federal. Na verdade tornar-se-iam agentes de uma verdadeira onda no rumo da desadministração. Sim. Porque não há como compatibilizar os interesses do país com representantes partidários que seriam nomeados sob ameaça do Legislativo contra o Executivo.
A simples publicação da reportagem, por si, impede que o Palácio do Planalto possa ceder à tal pressão. A forma com que se formalizou desestimula a sequência do diálogo que se perdeu no absurdo de uma atitude escandalosa (para classificá-la de forma suave e elegante). Partindo do princípio de que palavras, expressões, argumentos pesados, sufocam as ideias leves, éticas e inteligentes.
NÃO PODE CEDER
O governo Dilma Rousseff vai necessitar de apoio no Congresso. Mas não a esse preço. Não pode ceder, sob pena de perder autoridade e estabilidade, abalando o quadro institucional do país. Há um limite para tudo. Portanto para o campo das articulações partidárias.
Para início de conversa, quais foram os espaços que teriam sido perdidos pelo PMDB? Nenhum. Ao contrário. O partido chegou ao ponto de rejeitar a indicação para o Ministério da Previdência, considerando-o politicamente desgastante.
O pensamento deveria ser o oposto. A legenda deveria encarar a pasta como um desafio e um órgão essencial inclusive ao relacionamento entre os poderes público e privado. Mas não. Rejeitou a tarefa em face de sua dimensão. Deseja espaços mais leves e menos expostos às contradições econômicas e sociais.
GOVERNO-SUPERMERCADO
Ao fazer a ameaça, o presidente do Senado não levou em conta as dificuldades que, não somente o governo, mas o país terá pela frente. Basta agora ler as afirmações feitas pelo ministro Joaquim Levy ao assumir a Fazenda: acenou com aumento de impostos, fim de subsídios a setores econômicos deficitários, além de ao realinhamento das tarifas públicas. São vários os exemplos, dentro desse panorama, que vão necessitar de aprovação de leis, não bastassem as medidas provisórias sobre o corte das pensões e das restrições à prática do seguro desemprego.
Se a cada votação corresponder a nomeação para um cargo, o Poder Executivo estará diante da maior tempestade causada pela sua própria divisão em compartimentos. O governo, vale lembrar, não pode funcionar como um supermercado. Incrível.
10 de janeiro de 2015
Pedro do Coutto
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