"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 10 de janeiro de 2015

O FIM DA IUGOSLÁVIA



“Esta é uma Nação conduzida por um líder com dois alfabetos, três línguas, quatro religiões, cinco nacionalidades, que vivem em seis repúblicas, com sete vizinhos, num país com oito minorias nacionais” (Tito).
 

As origens dos conflitos na Iugoslávia remontam há séculos, quando os eslavos (sérvios, croatas e eslovenos) começaram a habitar a Península Balcânica.

No século passado, a primeira Guerra dos Bálcãs acabou em 30 de maio de 1913, com o Tratado de Londres, mas os vencedores entraram em conflito pela partilha da Macedônia, ocasionando a Segunda Guerra dos Bálcãs entre junho e agosto de 1913.

Em 28 de junho de 1914 o arquiduque Franz Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, e sua esposa, foram assassinados em Sarajevo, Sérvia. Em conseqüência desse fato a Áustria declarou guerra à Sérvia em 28 de julho do mesmo ano.

O conflito, todavia, não permaneceu limitado aos Bálcãs. A Rússia recusou-se a deixar a Sérvia ser esmagada e a Alemanha assumiu seus compromissos para com a Áustria-Hungria. A França mobilizou-se contra a Alemanha que, por sua vez, atacou aquele país através da Bélgica, levando a Inglaterra a declarar guerra à Alemanha. A partir daí, o conflito transformou-se na I Guerra Mundial.
Com o início da guerra, a Albânia foi ocupada pelos beligerantes e transformou-se em campo de batalha.

No verão de 1915 a Bulgária entrou na guerra. Encerrado o conflito, em dezembro de 1918 formou-se a Federação Iugoslava, que uniu os territórios que pertenciam ao Império Austro-Húngaro (Eslovênia, Croácia, Dalmácia, Vojvodina e Bósnia Herzegovina) com o Reino da Sérvia e Montenegro, o qual abrangia também as províncias de Kosovo e Macedônia.

Estava, assim, criado o Reino dos Croatas, Sérvios e Eslovenos, compondo uma Nação. Esse novo Estado passou a chamar-se Iugoslávia, "A Terra dos Eslavos do Sul”.

Iniciada a II Guerra Mundial, em 25 de março de 1941 líderes iugoslavos assinaram em Viena o Pacto Tripartite das Potências do Eixo, provocando protestos populares com a ativa participação do Partido Comunista Iugoslavo. Os protestos culminaram com a deposição dos líderes e do príncipe Pedro pelo Exército e partidos políticos sérvios.

Em 6 de abril desse ano, a Alemanha iniciou o bombardeio de Belgrado com a Luftwaffe e a Iugoslávia foi invadida por tropas alemãs, italianas, búlgaras e húngaras. Em apenas 11 dias, o Exército iugoslavo foi derrotado e os alemães proclamaram o Estado Croata Independente, com um governo pró-Eixo.

Leis anti-semitas, tratando de nacionalidade, identidade racial e proteção do sangue ariano e honra do povo croata foram promulgadas, iniciando-se a perseguição aos judeus. No final daquele ano, todas as sinagogas estavam destruídas e os judeus foram levados a campos de concentração.
No final da guerra calculou-se que, dos 14 mil judeus da Bósnia, 12 mil haviam sido mortos.
Também na Sérvia os alemães instalaram um governo fantoche, que igualmente aplicou leis restritivas aos judeus, passando a entregá-los aos alemães. Em agosto do ano seguinte, a Alemanha informava ao mundo que “o problema dos judeus na Sérvia estava resolvido”.Entrementes, o governo iugoslavo no exílio organizou o movimento de resistência dos monarquistas sérvios que ficaram conhecidos como chetniks (1).

No território iugoslavo travavam-se várias lutas: a dos iugoslavos contra a Alemanha e a Itália; a guerra civil de extremistas croatas contra os sérvios da Croácia e da Bósnia; e a guerra entre as duas principais organizações de resistência: os chetniks e os partisans (comunistas) comandados por Josip Broz Tito.

Em 1942 os partisans formaram o Exército de Libertação Popular (ELP) que em fins de 1943 já contava com um efetivo de 300 mil homens. Atuando nas montanhas da Bósnia, Sérvia e Montenegro, os partisans passaram por todo o conflito sem serem dominados pelos nazistas.
No verão de 1944, os alemães começaram a bater em retirada e, no final daquele ano, as forças soviéticas ocuparam a terça parte do país. Tito surgiu, então, como o grande vitorioso.

Nos quatro anos de guerra, estima-se em mais de um milhão o número de mortos no país e, ao final do conflito, havia dois governos: um com o rei Pedro, em Londres, e outro, no país, com os comunistas de Tito.

Em 29 de outubro de 1945, a Assembléia recém-eleita proclamou a República e elegeu Tito como presidente. Os partisans, assim, assumiram o controle da Iugoslávia passando a promover assassinatos em massa contra seus opositores.

Foi fundada a República Federativa Popular da Iugoslávia, nome que foi alterado, em 1963, para República Federal Socialista da Iugoslávia, sendo implantada a coletivização forçada das fazendas, estatizada a economia, eliminadas as propriedades privadas e desarticulada a oposição. A Constituição de 1946 proclamava que as repúblicas eram soberanas, mas eliminava o direito das mesmas se separarem e o Estado se apoiava no Partido Comunista, Forças Armadas, Polícia e sistema socialista.

A Macedônia foi reconhecida como nação e o seu idioma como um dos oficiais do país, adquirindo, pela primeira vez, o mesmo status do servo-croata e do esloveno. O mesmo não aconteceu com os albaneses de Kosovo que permaneceram vinculados à Sérvia.

Em 1948 Tito rompeu com Stalin e passou a manter uma neutralidade durante a Guerra Fria, defendendo o direito de autonomia nacional frente ao comunismo russo. Esse rompimento traria implicações na organização do sistema de defesa iugoslavo, com conseqüências no conflito da década de 90.

Quanto Tito faleceu, em 1980, havia sido aprovada uma Constituição que combinava elementos de federalismo e confederalismo e tinha por objetivo alcançar a rotatividade no Poder Executivo. Em cada período legislativo, seria uma república, na prática uma etnia, que assumiria a chefia do governo.

O sistema colegiado foi mantido com a rotação da presidência federal entre as repúblicas mas durou apenas 11 anos. Sem a presença de Tito e com a deterioração da economia, logo surgiram os sentimentos nacionalistas, durante tantos anos reprimidos.

Nos anos 80 a dívida externa cresceu. A inflação em 1990 chegou a 580%. Bancos e fábricas fecharam, greves e passeatas tornaram-se rotina em todo o país. O governo ficou sem condições inclusive de pagar o soldo dos militares. Ao mesmo tempo, o Leste Europeu assistia às reformas empreendidas na URSS por Gorbachev.

Em meio à exacerbação dos nacionalismos sérvio e croata, os muçulmanos sentiram-se no direito de sonhar com o estabelecimento da “Transversal Verde”, que uniria os territórios entre Istambul e Viena, percorrendo os territórios da Macedônia, Kosovo, Sérvia, Bósnia e Norte da Croácia.
Para os macedônicos, poder-se-ia reviver a Nação-berço de Felipe e Alexandre, com a “Grande Macedônia”, à qual incluiria partes da Iugoslávia, Grécia e Bulgária.

Já os albaneses passaram a sonhar com a formação da “Grande Albânia”, unificando territórios de Kosovo, Sul da Sérvia, partes de Montenegro e da Macedônia e o Noroeste da Grécia, onde habita a população albanesa.

Entre esses sonhos de grandeza, a síndrome da insegurança afetou o país como um todo. Estava preparada a cena para um dos acontecimentos mais traumáticos na Europa dos anos 90, que exigiu a intervenção da ONU e da OTAN e que acabou por chocar todo o mundo:
a desintegração da Terra dos Eslavos do Sul, numa guerra insana que teve a duração de 10 anos, até a queda de Slobodan Milosevic em 5 de outubro de 2000 e o fim da Iugoslávia.

Em 14 de março de 2002 foi assinado em Belgrado um acordo entre as repúblicas da Sérvia e de Montenegro o que praticamente marcou o fim da Iugoslávia, deixando um saldo negativo de 1,2 milhão de mortos e 1,3 milhão de refugiados e desalojados.

Do país que, em 1991, possuía 256 mil quilômetros quadrados e abrigava 24 milhões de iugoslavos, emergiram 5 novos Estados: Eslovênia, Croácia, Bósnia Herzegovina, Iugoslávia e FYROM (Former Yugoslavia Republic of Macedônia), com a possibilidade do surgimento de mais um – Montenegro – em 2005.

Usina do Livro, 2003.

(1) Palavra que vem de cheta – bando armado - em servo-croata, denominação tradicional dos guerrilheiros anti-turcos.

Notas:
Matéria escrita com dados extraídos do livro ”A Guerra da Iugoslávia” de Sérgio Luiz Cruz Aguilar, editora.

10 de janeiro de 2015
Carlos I. S. Azambuja é historiador

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