“O grande jogo mundial foi feito para se jogar”. Com esta frase iniciei um artigo intitulado “Limitações de visão estratégica” publicado aqui em 06 de março de 2014. E com esta frase: “Jogando ou não o jogo continua”, conclui o artigo. Nada mudou. Se os “estrategistas” brasileiros entenderam ou não o recado, não alterou os passos do jogo. A julgar pelas sucessivas derrotas que sofreram, não entenderam nada.
Avaliar os acontecimentos ocorridos no Brasil nas últimas décadas sem conectá-los à agenda mundial prejudica substancialmente a capacidade do analista de encaixar as peças do quebra-cabeça, ligando causa e efeito. Ver a parte acreditando que é o todo, e não percebendo a correlação entre forças endógenas e exógenas, empobrece a análise e compromete a conclusão. Fazê-lo de forma superficial, sem conhecimento de causa, também não ajuda muito.
A África e América Latina são repositórios de matérias primas e riquezas essenciais e estratégicas. O mundo conhecido vem se polarizando em dois grupos, aparentemente opostos, tendo de um lado os EUA, a Europa Ocidental (com exceção a vacilante Alemanha e algumas nações do extremo norte) e Israel; e do outro lado a Rússia, China e agregados (Índia, alguns países árabes e outros periféricos).
Para dar uma pálida ideia da situação seriam necessárias milhares de linhas e o entendimento de alguns sofisticados conceitos. Como não há espaço para tal, farei uma breve exposição, mesmo sabendo que corro o elevado risco de não ser compreendido.
Os recentes acontecimentos na Ucrânia (incluindo aí os dois voos da Malaysia Airlines), Siria, Iraque, Irã e em outras regiões reforçam o antagonismo entre leste e oeste, que se diga, não começou agora. Em 2005 Chi Haotian, Ministro da Defesa e vice-presidente da Comissão Militar Central da China, num discurso secreto já advertia que em 10 anos a China deveria estar pronta para um conflito militar com os EUA e seus aliados como única forma de garantir “espaço vital” para seu povo. Outro general de nome Mi Zhenyu já havia dito: "Por um período relativamente longo, será absolutamente necessário que acalentemos silenciosamente nosso sentimento de vingança... Devemos ocultar nossas capacidades e esperar pela melhor oportunidade". Por outro lado a Rússia, após alguns eventos que exteriormente podem ser representados pelo que aconteceu na Ucrânia, despertou para o fato de que o Ocidente não respeitará seus interesses estratégicos, exceto se contido pela força.
A vitória que acalentam passa por vencer na economia levando os EUA a ruína, conquistar posições estratégicas e realizar um ataque inesperado e devastador, que a principio não seja identificada a origem (deverá ser precedido de medidas de bloqueio cibernético, ataques de sabotagem atribuída a terroristas – ataques de falsa bandeira - e uso de armas biológicas).
Hoje a Rússia, e depois a China, já são os maiores compradores de ouro físico do planeta. O Banco Central russo acrescentou aos estoques mais 570 toneladas de ouro na última década, mais de um quarto da vice-campeã em compras, a China, de acordo com dados do FMI compilados pela Bloomberg. Para se ter uma idéia do quanto é isso o peso do ouro acrescentado aos cofres russos é quase o triplo do peso da Estátua da Liberdade. “Quanto mais ouro um país tem, mais soberania ele terá se houver um cataclismo com o dólar, com o euro, a libra ou qualquer outra moeda de reserva” declarou Evgeny Fedorov, um parlamentar do Partido Para Rússia Unida, de Vladimir Putin.
Em maio deste ano, a Gazprom (Rússia) e a CNPC (China), duas gigantes do ramo de energia, assinaram um contrato, válido por 30 anos, de fornecimento de gás russo à China no valor total de US$ 400 bilhões de dólares. Os primeiros pagamentos segundo este contrato serão realizados em yuans. Deste modo, pela primeira vez na história, um negócio internacional no campo da energia foi realizado sem a participação do dólar. Como a China possui boa parte de suas reservas em dólar, sua estratégia para se livrar deles deve ser mais cautelosa, para não chamar atenção e não transformar em pó suas reservas. Todos sabem que se o dólar, como moeda de troca internacional, ficar em desuso os EUA, e boa parte de seus aliados, irão a bancarrota.
A conquista de posições geográficas estratégicas inclui vários movimentos já em andamento. Recentemente houve uma reunião da comissão intergovernamental russo-nicaraguense, precisamente em 09/09/14 em Moscou, para iniciar a construção de um canal na Nicarágua ligando o Atlântico ao Pacifico a um custo de US$ 40 bilhões, com potencial de carga maior que o canal do Panamá. A China financia a obra através da empresa HK Nicaragua Canal Development Investment. Com este canal em funcionamento a Rússia e China passam a ter sob seu controle um ponto estratégico bem abaixo dos EUA de onde podem abarcar com uma só frota a costa leste e oeste dos EUA. Cabe também citar aqui um acordo militar estratégico assinados em 03/2011 entre a China e o Paquistão.
O aspecto mais importante e vital deste novo acordo estratégico é que o Paquistão concedeu permissão para que as forças militares chinesas comecem o “uso imediato” da estrada/rodovia que atravessa a cordilheira do Karakoram, o que permitirá as forças militares terrestres da China um acesso total por terra ao Oriente Médio, o que lhes dará condições de confrontar às forças do Ocidente em contato direto, muito próximo das portas da Europa, via Estreito de Dardanelos pela Turquia.
Todos têm lido sobre os vários ataques cibernéticos que a China tem empreendido em relação às instalações estratégicas ocidentais. Entende-se hoje que o ataque cibernético precede o ataque com armas nucleares ou convencionais. A capacidade militar chinesa é complementada e aprimorada pela excelência da tecnologia russa nestas áreas, seja no campo nuclear, químico, biológico, espacial, psíquico ou escalar. O resultado é uma combinação de forças e recursos que não podem ser ignorados. Se somarmos a isso o ódio que parte do mundo alimenta em relação aos EUA, em particular alguns países árabes, teremos um cenário explosivo.
Neste trabalho de projetar cenários nos defrontamos com as surpreendentes previsões, sobre vários países, da página Deagel.com, que é uma página respeitada por oferecer dados da aviação civil e militar, armamento e exércitos, mísseis e munição, tecnologia militar e aeroespacial e outros dados estratégicos e econômicos. Queremos crer que foi um exercício robusto de imaginação, mas que deve ser citado para reflexão, uma vez que o cenário traçado é bastante específico e repleto de dados minuciosos.
Se for uma brincadeira desta prestigiada página alguém se deu muito trabalho. Para cada país, a Deagel.com realiza uma previsão estimada de seu nível de população, sua renda per capita e seu Produto Interno Bruto previsto para o ano de 2025. Para melhor entendimento vamos a alguns exemplos destas previsões, focando apenas nos quesitos população e PIB:
a) Nestas previsões os EUA teriam em 2025 uma população de 69 milhões e um PIB de US$ 921 bilhões (contra uma população em 2013 de 316 milhões e um PIB de US$ 17 trilhões). Israel teria em 2025 uma população de 4,4 milhões e um PIB de US$ 64 bilhões (contra uma população em 2013 de 7,7 milhões e um PIB de US$ 273 bilhões). O Reino Unido não teria melhor sorte, pois teria em 2025 uma população de 32 milhões e um PIB de US$ 542 bilhões (contra uma população em 2013 de 63 milhões e um PIB de US$ 2,5 trilhões).
b) Nestas previsões a China teria em 2025 uma população de 1,4 bilhões e um PIB de US$ 15 trilhões (contra uma população em 2013 de 1,4 bilhões – portanto será mantida - e um PIB de US$ 8,9 trilhões). A Rússia teria em 2025 uma população de 135 milhões e um PIB de US$ 3,3 trilhões (contra uma população em 2013 de 143 milhões e um PIB de US$ 2,1 trilhões – o que mostra uma pequena diminuição da população) e a Índia teria em 2025 uma população de 1,4 bilhões e um PIB de US$ 4,3 trilhões (contra uma população em 2013 de 1,2 bilhões e um PIB de US$ 1,8 trilhões).
c) A América Latina e a África praticamente não são afetadas.
Aparentemente estas previsões levam em consideração uma vitória do eixo Rússia e China, uma vez que vemos uma queda brutal de população e PIB nos EUA e seus aliados (a exceção da Alemanha) e uma elevação da população e PIB da Rússia, China e seus pretensos aliados em 2025. Estas projeções não conferem integralmente com as nossas, mas nos surpreende que um site sediado nos EUA, e que conta com tão boa reputação, tenha publicado estes números. Um estrategista chinês resumiu a questão que os confronta com o Ocidente de forma alegórica, bem ao estilo deles dizendo: “numa montanha não pode haver dois ursos”.
E o Brasil? Ora, a América Latina seria fundamental num conflito destas dimensões, não só por sua localização, mas também para fornecimento de suprimentos e apoio. Para tanto foi traçada uma inteligente e paciente estratégia para a tomada desta região, para torná-la visceralmente antagônica aos EUA. Não comentarei sobre o Foro de São Paulo e nem sobre Gramsci, pois muito já foi escrito, e menos ainda sobre o papel de Cuba, pois é um peão, ainda que com certo relevo. O fato está aí, posto as vistas de todos.
Inicialmente alguns setores ingleses e estadunidenses entenderam que o apoio a Lula seria interessante porque, desde que ele cumprisse os acordos assumidos (o que fez em grande medida), nada de grave aconteceria aos interesses anglo-saxões. Ainda que a resultante fosse uma guerra civil que fragmentasse o Brasil em três ou quatro pedaços, não seria ruim para eles.
Pelo contrário, acabar-se-ia de vez com a possibilidade de surgir uma grande nação na região para rivalizar com a do norte, além do completo controle das riquezas da parte norte do atual país. Então, deixou-se o PT agir como se fosse o protagonista da cena, quando na verdade era uma marionete. No momento esta estratégia está sendo reavaliada, notadamente pela pressão de setores estadunidenses mais aguerridos como a inteligência naval.
Tal se dá também face serem aparentemente mínimas as chances de se tirar o PT do governo, através da via democrática. O resultado desta eleição mostrou isso, por vários motivos. Mesmo que estourem dez escândalos e que se prove que houve fraude eleitoral, a massa da população não se mobilizará, mas os movimentos sociais militarizados se mexerão, dentro de uma estratégia pré-definida. Provavelmente Lula será candidato em 2018 (apenas o agravamento de sua doença ou a morte o impediria) e não se vê na pseudo-oposição ninguém com verve para confrontá-lo.
Cada dia haverá mais pobres, e sempre haverá a quem culpar pela pobreza deles. O aparelhamento do Estado caminha para a hegemonia sonhada pelo PT. O Executivo e o legislativo são apêndices do partido e o Judiciário segue o mesmo rumo (em 2018 dez dos onze ministros serão petistas). Os movimentos sociais serão cada dia mais partidários e a mídia estará completamente controlada e dependente das verbas governamentais.
As FFAA vêm sendo alvejadas e estão sangrando fortemente sem reação. Confundiram conceitos, não foram capazes de identificar o momento certo de atuar e como fazê-lo, não aceitaram conselhos e iludiram-se avaliando mal sua força. Existiram à época várias opções de atuação discreta e robusta que poderiam ter posto em ação para deter os acontecimentos desfavoráveis em seu inicio. Não o fizeram.
A área de inteligência deixou a desejar, como exponho nos artigos que escrevi e foram publicados aqui entre os dias 13 e 16 de outubro de 2013, ainda que se reconheça que a ela não cabia a decisão final. Hoje o que se ouve são desculpas mal elaboradas.
Existe uma máxima que diz que a árvore se conhece pelos seus frutos. Os frutos estão aí. Não reconhecer isso é demonstração de grave miopia. Usaram com as FFAA a estratégia de cozinhar o sapo, aumentando a temperatura devagar até que ele não percebesse sua morte se aproximando. A continuar chegarão a um ponto de onde não há volta, se é que não chegaram ainda.
O PT divulgou manifesto após as eleições colocando entre suas prioridades a desmilitarização das policias militares e sua subordinação a esfera federal, bem como a revogação da Lei da Anistia. A perda de ascendência sobre mais de 400 mil homens em armas, que é hoje o efetivo da PM, e a defenestração dos oficiais que ainda tenham laços com os antigos ideais do Exercito de Caxias serão a pá de cal que faltava. Uma nova casta de oficiais mais alinhados ao establishment chegará ao comando, ainda que se repita à exaustão que as FFAA não foram contaminadas ideologicamente.
No passado errou-se enormemente ao deixar a educação e a mídia ser dominada pelas forças de esquerda. Esqueceu-se que é necessário conquistar “corações e mentes” para se governar. Dominando a mente o fuzil é desnecessário. Hoje existem milhares de agentes estrangeiros em atuação no Brasil e seu futuro não está, inexoravelmente, na mão dos brasileiros.
Dentre os estrategistas globais as cartas da guerra civil, e fragmentação do país, estão sobre a mesa (será que a NSA e a DARPA não tem tecnologia suficiente, caso quisessem ter interferido na totalização dos votos na eleição presidencial?). O Brasil é uma carta no baralho do jogo global. Sem força de dissuasão nuclear, sem força militar determinante, sem capacidade de autodeterminação, é um “anão”, como um diplomata israelense num momento de irresponsável sinceridade falou.
A manterem-se como estão, os pensadores estratégicos patriotas brasileiros, serão varridos pelo tsunami, uma vez que a solução não está na superfície pela qual circulam com ar de sábios, mas sim no subterrâneo profundo onde suas mentes ainda não penetram.
Passar a ser protagonista deixando de ser expectador anêmico é o desafio. As antigas alianças hoje funcionam de modo diferente.
13 de novembro de 2014
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