"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O PSICOPATA EMBAIXO DA CAMA - PARTE II

Artigos - Globalismo 
Com desdém lançarei meu desafioBem na face do mundo,E verei o colapso desse pigmeu giganteCuja queda não extinguirá meu ardor.Então vagarei semelhante a um deus,Vitorioso, pelas ruínas do mundoE, dando às minhas palavras uma força dinâmica,Sentir-me-ei igual ao Criador
Karl Marx

Na última semana a ABC News divulgou uma reportagem em que se diz que hackers conectados ao governo russo são suspeitos de instalar um tipo de malware nos computadores que controlam as usinas de energia e estações de tratamento de água dos Estados Unidos. Esse malware é capaz de debilitar os serviços públicos da América. Um ato de sabotagem tão monstruoso não seria apenas um ato de guerra, mas também um monstruoso crime, pois as vítimas seriam cidadãos comuns que foram alvejados pelo simples fato de possuírem uma determinada nacionalidade. Por que o governo russo faria tal coisa?
Para aqueles que estudaram o caráter do governo russo a resposta é simples. Esse é o tipo de coisa que o governo russo faz, dado que a Rússia é governada por um sistema que não possui freios e contrapesos efetivos e o poder está concentrado em algumas poucas mãos. E onde quer que tal concentração de poder exista, é onde se encontrará uma grande quantidade de crimes e malevolência generalizada. É, portanto, onde se encontram os grandes criminosos, isto é, os psicopatas.
Jacob Burckhardt uma vez escreveu que o “poder é mau” e Lord Acton alertou que o “poder corrompe”. Aqueles que redigiram a Constituição dos Estados Unidos acreditavam que apenas um sistema de freios e contrapesos pode prevenir contra o pior. Da experiência histórica sabemos que esse é o único sistema que produz bons resultados. Eles não são resultados perfeitos, mas são os melhores imaginados pelo homem e são os melhores possíveis — na prática — para salvaguardar a vida e a propriedade. Quando não se tem um sistema funcional de freios e contrapesos a vida e a propriedade não estão a salvo. Eis o caráter do governo russo — e será dos Estados Unidos se nosso sistema de freios e contrapesos continuar a ser sabotado.
Em 1991, quando a União Soviética entrou em colapso, não se estabeleceu um sistema apropriado de freios e contrapesos e o poder continuou concentrado em algumas poucas mãos. O governo não teve de fato que prestar contas a qualquer pessoa. A despeito da realidade subjacente, tudo foi arranjado para que separecesse que se estava indo em direção a uma democracia capitalista com freios e contrapesos balanceados, mas nada do gênero chegou a acontecer. O objetivo primário de empreender essas mudanças foi enganar o Ocidente. Aliás, essa não é a minha conclusão; é a de Yevgenia Albats, a famosa jornalista russa. Do primeiro ao último integrante, a velha gangue ainda está lá e tudo foi organizado para dar vantagem aos instrumentos escolhidos do Comitê Central (e.g., “ex” integrantes do aparato do Partido Comunista e oficiais da KGB).
O problema da Rússia de hoje já vem desde 1917, quando o país foi tomado por gangsteres que se diziam “comunistas”. Não devemos ser ingênuos acerca dos termos idealistas que os comunistas russos usaram para descrever a “missão” que tinham. Eles assassinaram, roubaram e oprimiram os povos de Rússia, Ucrânia, Ásia Central, Cáucaso, etc.  Os comunistas fizeram de si uma nova classe governante sob os auspícios de Stálin e seus sucessores. Esse sistema enquanto tal é um enorme empreendimento criminoso que tirou a vida de dezenas de milhões de pessoas inocentes. Aqueles que obtiveram uma posição nesse sistema e cresceram dentro dele, participaram necessariamente da tradição e do espírito criminoso do todo — mesmo que fossem inocentes em crimes específicos. Além do mais, o estado policial russo não podia deixar de ser um sistema criminoso apenas mudando seu rótulo. É por isso que as novas mentiras estão destinadas a substituir as velhas. Seja lendo a obra Putin’s Kleptocracy de Karen Dawisha (2014) ou The Perestroika Deception de Anatoliy Golitsyn (1995), o fenômeno descrito é o mesmo. O velho objetivo de espoliação nacional e global continua o mesmo. O espírito criminoso do regime bolchevique não morreu. O retorno da NEP de Lênin no governo Gorbachev não significou o fim do governo bolchevique, mas o fim da aparência de governo bolchevique. A liberdade foi introduzida desde cima apenas como expediente temporário, e isso é o que as elites ocidentais se recusaram a entender em 1991-92. Elas aceitaram as mudanças na Rússia pelo valor de face, e agora temos de pagar o preço.
Em 1984, quando a análise de Golitsyn da estratégia soviética foi publicada nos Estados Unidos, o establishment rejeitou essa “nova metodologia” aparentemente sem sequer lê-la, dado que dificilmente pôde se ver alguma reação quando a previsão de uma revolução soviética “desde cima” mostrou-se verdadeira. É surpreendente que William F. Buckley, por exemplo, tenha atacado publicamente a obra de Golitsyn justamente no momento em que as previsões se realizavam. Da esquerda à direita a mensagem foi a mesma: Golitsyn era um enganador maldoso que não merecia a dignidade de ser ouvido. No livro Cold Warrior, Tom Mangold descreveu Golitsyn como um demente paranoico. Buckley foi apenas um pouco mais gentil. Para ambos, os fatos não tinham importância. Ambos os escritores não ficaram constrangidos por estarem jogando no lixo alguém que havia previsto o futuro corretamente. Não apenas eles negaram a precisão das previsões (v. Parte I), como eles difamaram o principal responsável por Golitsyn na CIA, James Angleton. O ataque desavergonhado de Mangold sobre Angleton recebeu alguns anos atrás um contra-ataque apaixonado — embora atrasado — de Pete Bagley, um dos ex-colegas de CIA de Angleton, quando falei com ele. “James Angleton era meu amigo”, disse Bagley com crescente ira e negando que seu colega fosse paranoico ou louco, ou que um alcaguete “danoso” tenha tomado a CIA. As versões, da forma que foram relatadas em histórias que caluniavam Angleton e Golitsyn, não correspondem totalmente à verdade. A falsificação histórica que ocorreu nesse caso não é muito diferente daquela que se deu com o senador Joseph McCarthy. Evidentemente a falsificação da história da CIA tem um significado especial e sugere duas conclusões possíveis: (1) Que a CIA perdeu a Guerra Fria em 1974 quando William Colby tornou-se chefe da inteligência americana e agiu contra os responsáveis pela contraespionagem, ou (2) Que Angleton e Golitsyn foram jogados aos lobos como parte de uma operação maciça de contra-ataque americano orquestrada para esconder o fato de que os EUA estavam perfeitamente cientes da estratégia soviética de longo alcance.
Não penso que a primeira possibilidade esteja de acordo com os fatos históricos. A segunda possibilidade soa prazerosa aos ouvidos, mas é crível apenas a ouvidos de quem não se informou. As instituições políticas americanas nunca foram eficientes o bastante para reagir à infiltração soviética no governo americano. Para os que quiserem mais detalhes sobre isso, o livro American Betrayal de Diana West oferece vários insights sobre a infiltração comunista e como a estratégia americana na Segunda Guerra Mundial subsequentemente tornou-se vulnerável à manipulação de agentes de Stálin. Oh sim, as implicações estratégicas são gigantescas. Como podemos ver claramente, os Estados Unidos foram incapazes de confrontar o problema da subversão comunista desde o começo. Era muito mais fácil difamar aqueles que alertavam contra uma subversão comunista, de maneira que nossa cultura política acabou por ser pautada pelanegação da subversão. E isso é exatamente o que mostram os registros: os anticomunistas foram difamados enquanto os comunistas continuaram a se infiltrar. De que outra forma poderíamos melhor entender a “revolução” da década de 1960 senão em referência à derrota de Joseph McCarthy nos anos 1950? Essa é a verdadeira história da política que subjaz tudo que vemos acontecer hoje. Os Estados Unidos eram um território imaculado nos anos 1930, aberto à infiltração e subversão da versão moscovita do comunismo. Nesse contexto, a CIA era uma agência sujeita a todos os defeitos que afetavam o caráter nacional americano. A ideia de que a CIA era uma organização supremamente poderosa, supremamente sinistra e sinistramente vitoriosa é de rir. A história da CIA é a história de um fracasso após o outro com alguns raros intervalos bem-sucedidos. Com efeito, os fracassos tornaram-se maiores com o passar do tempo, de maneira que até mesmo os sucessos anteriores (Iran, por exemplo) passaram a ser fracassos. Era então natural que a CIA de 1974 marginalizasse Angleton, tomasse Golitsyn como ameaça e também não desse o tratamento adequado ao importante desertor checo Jan Sejna.
Os americanos quiseram ser enganados, pois a alternativa era demasiadamente desagradável. Acreditar na subversão levaria a contramedidas que poderiam levar à diminuição das liberdades, pois estaríamos em um regime de contraespionagem. E conforme fomos nos tornando cada vez mais hedonistas, tudo que precisávamos era uma boa e velha mentira para nos sentirmos melhores. Isso nos leva a algo chamado “a sociologia do conhecimento”, que envolve a relação entre a capacidade de um indivíduo pensar e o contexto social ao qual o pensamento se efetiva. O contexto social dado na América não é de suspeita. Pessoas que expressam indevidas suspeitas sobre a lealdade política alheia são chamados de macarthistas, e todos sabem que macarthismo virou sinónimo de “antiamericano”. Dizer publicamente que você suspeita que alguém seja comunista é cometer um ato de auto-difamação. Sendo assim, é socialmente inapropriado suspeitar que pessoas sejam inimigas num sentido mais generalizado. Neste caso, a “sociologia do conhecimento” de dentro da CIA não é diferente da sociedade como um todo. Desta maneira, a eficácia da CIA após censurarem Joseph McCarthy estava fadada ao declínio, apesar do fato de que a CIA estava provavelmente infectada por agentes soviéticos desde a sua origem (dado que seu precursor, o OSS, estava infectado de agentes).
Quando você chega a 1974, com o escândalo de Watergate tendo acabado de explodir, a maior façanha da CIA era protagonizada pela contraespionagem que era liderada por James Angleton. Era onde estava o repositório de conhecimento e memória que havia gravado do inimigo todos os seus encontros anteriores, suas histórias mais importantes, a observação dos seus métodos, táticas, estratégias e manobras. Era onde estava o cérebro da CIA, que sabia que os soviéticos usavam provocação, oposição controlada, medidas ativas, agentes duplos e falsos desertores. Neste caso, o engodo estratégico soviético não se tratava apenas de espiões enganando espiões. Todo mecanismo soviético foi projetado coordenadamente com gigantescas operações de espionagem com o fim de enganar toda a civilização. Essas operações começaram nos anos 1920 e se seguiram nas décadas seguintes. E como se vê, o cérebro da CIA era importante porque o cérebro é aquele que lembra os truques soviéticos do passado e prevê e organiza o corpo contra truques futuros. Entretanto, o corpo de contraespionagem da forma que existia sob Angleton deixou de existir após 1975 pois William Colby o eliminou. Então os chefões em Moscou sabiam que haviam adquirido o controle efetivo no campo da inteligência. Depois disso, ninguém da área da espionagem americana conseguiu novamente adquirir o conhecimento necessário para interpretar o que os estrategistas em Moscou estavam fazendo.
Considerando o megacomplexo que era o governo americano, o corpo de contraespionagem comandado por Angleton era o único corpo inteligente de homens nos Estados Unidos que entendia o maior inimigo. Eles eram os únicos homens capazes de fazer uma leitura correta das ações do inimigo. Eles foram os únicos que ouviram Golitsyn e que puderam entender o que ele estava dizendo. Na verdade, ele estava dizendo algo que eles já sabiam. O problema é que o corpo de contraespionagem da CIA era uma ilha de conhecimento num mar de ignorância voluntariosa. Os burocratas da inteligência não queriam admitir que podiam ser enganados (i.e. a negação do engano). Não queriam admitir que poderiam ser (e já haviam sido) infiltrados por agentes inimigos (i.e. a negação da subversão). Não queriam admitir que o senador Joseph McCarthy estava certo. E finalmente, a CIA ver-se-ia envergonhada perante sua própria contraespionagem e o conhecimento que ela possuía. Inevitavelmente, os conhecimentos e discernimentos que a contraespionagem possuía seriam taxados de “pensamento doentio”. Portanto, o que aconteceu a Joseph McCarthy na década de 1950 acabaria por acontecer com James Angleton na década de 1970. A sociologia do conhecimento no contexto americano não permitia o conhecimento dos métodos e estratégias dos soviéticos. Isso era proibido ao pensador individual, que por sua vez passaria a ser marginalizado por pensar um pensamento que era “doentio”.
Agora avancemos no tempo até a análise que Karen Dawisha fez da cleptocracia de Putin. Ainda estou para achar onde ela sugere em seu livro que o Partido Comunista da União Soviética continua no controle dos bastidores da Rússia. Essa, aliás, seria a conclusão natural do corpo de contraespionagem de Angleton. O pessoal de Angleton estaria procurando por agentes da KGB em altos postos que estivessem manipulando processos políticos e econômicos na Rússia em nome de um Comitê Central oculto do Partido Comunista da União Soviética. Eles estariam trabalhando para apresentar uma falsa aparência que enganasse o resto do mundo. Essa aparência envolveria homens da KGB operando bancos comerciais, grandes corporações e instituições governamentais que aparentemente pareciam estar desligadas do controle comunista. O que denunciaria isso seria a presença de agentes que eram, nas circunstâncias anteriores, lacaios do regime soviético. Eles agiriam sob uma nova disciplina sanguinária que incluiria assassinatos daqueles que fracassaram em seguir (ocultamente) ordens e regras (invisíveis). Esses agentes pareceriam ser bilionários legítimos, mas na verdade eles seriam testas de ferro de um poder oculto, que seria o verdadeiro responsável por suas vidas. Não pode ser coincidência que isso é exatamente é o que acontece na Rússia, segundo Dawisha.
Evidentemente a reação da maioria à minha análise (acima) será rotulá-la de “pensamento doentio”. A despeito disso, esse “pensamento doentio” explica tudo que aconteceu na Rússia de 1989 a 1991. Ela explica porquê a balança das forças nucleares tende ao lado inimigo do Ocidente. Ela explica a recente beligerância da Rússia e o fracasso do Estado e da inteligência americana em encontrar uma política efetiva para aplicar. A verdade é que temos nos enganado — e o inimigo tem alimentado esse autoengano. E é claro que nós não nos atrevemos a sair desse ciclo de autoengano, pois mesmo agora não diremos que há comunistas embaixo da cama. Devemos falar apenas em “o psicopata embaixo da cama”, ou o “cleptocrata embaixo da cama”. Você pode até mesmo admitir que essas pessoas são assassinas, mas não traga à tona a palavra “comunismo”. Que o Partido Comunista da União Soviética tenha começado como uma organização clandestina é assunto proibido. Que os partidos comunistas em incontáveis países têm operado clandestinamente também é assunto que não se fala. Dawisha parece não imaginar qual organização existente no Ocidente mais se aproxima em semelhança de funções ao Diretório da Direção Central ou da Direção Central de Supervisão e Inspeções. A importância dessas bizarras aflorações burocráticas reside na semelhança funcional que possuem em relação às funções das organizações do Partido Comunista da União Soviética.
Os americanos não lembram da Nova Política Econômica de Lênin e da Operação Trust dos anos 1920. Não lembramos porque nossa memória foi removida. Nossa memória foi removida porque o senador Joseph McCarthy foi removido. Não lembramos porque Angleton foi removido. Assim fomos enganados nos anos 1990 e continuamos a interpretar mal os sinais de perigo. E aqui estamos, diante dos mesmos capangas assassinos moscovitas de antigamente, despreparados. Faça o favor de lembrar que o engano não se autodestrói. O engano só vem a possibilitar mais destruição. E assim, enquanto estávamos todos dormindo, os russos colocaram um malware nos sistemas de computadores mais vitais à nação.
Não há lucro na destruição da infraestrutura americana. Há apenas o prazer de destruir — o tipo de prazer sentido por psicopatas desenfreados.
13 de novembro de 2014
Jeffrey Nyquist
Tradução: Leonildo Trombela Junior

Nenhum comentário:

Postar um comentário