A narrativa é absurdamente comum nas plagas tupiniquins; mudam-se os nomes e os lugares, mudam-se as famílias, mas os fatos seguem mais ou menos a mesma lógica.
A criança, primeiro, é posta no mundo; uns, como John Locke, dizem que com a mente em branco, quase que como uma “tábula rasa”, adquirindo todos os conhecimentos a partir da experiência vivida. Outros alegam que já há ideias inatas. Seja como for, de acordo estamos que temos uma criaturinha diminuta e amplamente suscetível a influências.
Este serzinho então começa sua escalada na educação, ingressando aos jardins de infância e à alfabetização. Aprende noções básicas para calcular e entender aquilo que lhe é passado – ou quase isso, considerando as inúmeras discussões sobre a eficiência dos métodos mais comumente aplicados por aqui nessa fase. Com essa etapa inicial ultrapassada, então começa o trabalho.
Seguindo rigorosamente as orientações das cartilhas do MEC, os professores começam a explicar o mundo. Quando a criança se torna um jovem em fase ginasial, então o processo sofre uma radicalização notável.
Os professores de História costumam adotar a obra do bestseller Mario Schmidt, Nova História Crítica. Então, com esses luminares do material didático brasileiro, os alunos passam a compreender que o capitalismo deixa as pessoas tristes e deprimidas, que a propriedade privada é uma concepção maligna, que Bin Laden não passa de uma invenção do macabro imperialismo americano e que o socialismo é um sonho lindo de esperança para toda a humanidade.
Os alunos aprendem que Che Guevara foi um guerreiro da liberdade, que batalhou por descortinar um futuro luminoso para a América Latina, e que é muito “chique” ornar-se de apetrechos com sua santa imagem. Fuzilamentos, violência? Que importam esses burburinhos insignificantes, se é para o bem comum? Como diria o historiador Eric Hobsbawn, se os milhões de vidas destruídas pelo regime soviético tivessem culminado na perfeita implantação do socialismo paradisíaco - que só existe na imaginação imatura dos marxistas -então tamanho genocídio teria valido totalmente à pena.
Os estudantes têm o perfeito conhecimento de como os ditadores militares do terrível golpe de 1964 – planejado e financiado pelos ianques e seu desprezo pela liberdade do resto do mundo de sucumbir a um imenso mar vermelho totalitário – assassinaram milhões (ou algo próximo disso; ou algo NADA perto disso, mas quem se importa?) de jovens inocentes que queriam trazer a democracia de volta ao Brasil e, para isso, estiveram fazendo estágio na ilha de Fidel.
Que dizer, então, da análise do período monárquico nacional? José Bonifácio era apenas um reacionário pedante que protegia os interesses das elites. Joaquim Nabuco era abolicionista, e é citado – mas e quanto a suas convicções políticas liberais e conservadoras? Preferível ignorar. A libertação dos escravos, então, foi defendida pelos ingleses apenas por seus grosseiros interesses por mercado consumidor – afirmação altamente discutível, mas, mesmo que fosse verdade, não seria um motivo nítido para se aplaudir os benefícios do capitalismo?
Na hora de compreender a conjuntura econômica global, faz-se apenas eco a expressões manjadas como “desenvolvidos” e “centrais”, “subdesenvolvidos” e “periféricos”, procurando atribuir aos primeiros a completa responsabilidade pela situação dos segundos; demonizam-se as propostas de abertura de mercado como planos macabros dos ianques para desarticular as indústrias nacionais e emperrar o crescimento das nações menos poderosas. Se o aluno tiver muita sorte, ainda terá um professor como o Carlão - aquele do vídeo publicado pelo jornalista Reinaldo Azevedo em sua coluna no site da revista Veja em 22 de agosto de 2008 -, que passa quase todo o tempo da aula pregando sobre como os Estados Unidos estão por trás das maiores tiranias e violências da face da Terra. Nem uma palavra sobre os inúmeros tiranos antiamericanos, por óbvio.
Então chega, se for o caso, a época da faculdade; dependendo do curso escolhido, o jovem, convivendo ainda com as campanhas socialistas e partidariamente orientadas dos militantes de Diretório Acadêmico, recebe uma saraivada de indicações vastas e plurais. Abundam nas bibliografias autores com perspectivas extremamente diversificadas e opostas. Enriquece-se o debate público e intelectual com estudos baseados em pensadores de tão variados matizescomo Michel Foucault, Noam Chomsky, Gramsci ou os frankfurtianos. Algumas vezes aparece alguém que não ia muito com a cara do esquerdismo, como Nietzsche, mas muito pontualmente, e em geral por que a figura em questão também apresenta alguma tendência rebelde e avessa ao “predatório meio da civilização ocidental” (que garante a eles a total liberdade de assim pensarem e se expressarem, diga-se de passagem).
É ótimo ler esses autores, mas e quanto a Burke, Kirk, Mises, Hayek, Bastiat, Scruton? Como disse certa vez o filósofo e escritor brasileiro Luiz Felipe Pondé, esses são lidos, SE lidos, no máximo como bichos estranhos a serem desacreditados e destruídos, em prol de uma educação baseada na essencial afobação marxista – segundo a qual já era o tempo de tentar compreender o mundo, o barato mesmo é transformá-lo de imediato, ainda que eu mal saiba arrumar meu quarto.
Muito bem; em qualquer momento desse processo, é possível que aconteça algum acidente de percurso, contrariando todas as probabilidades. Talvez o estudante leia algum livro de um desses autores “desconhecidos”, desafiando as recomendações de seus mentores. Talvez chegue às suas mãos um artigo que desperte o seu interesse. Ou talvez apenas a intensidade do ódio destilado em certas noções enviesadas cause a pior impressão em uma mente mais perspicaz. Então ele se surpreende por se identificar e começa a – pasmem ou não – CRITICAR o que lhe foi ensinado.
“Não é bem assim... Acho que isso está errado.” Que reações encontrará esse jovem? Devemos levar em conta a diversidade humana e crer que elas serão variadas. Mas da parte de muitos, sabemos o que esperar.
“Alienado! Você está cego pela Rede Globo e pela Revista Veja! Manipulado! Cadê seu pensamento crítico?” Se o interlocutor apresentar algo mais de sofisticação, talvez comece a citar o patrono da educação brasileira, Paulo Freire, ou outro autor esquerdista obcecado pelo “pensamento crítico”. Como de costume, as esquerdas empregam a falácia do espantalho, forjando um inimigo supremo e onipresente que moldaria todas as consciências.
Afastemo-nos da cegueira que eles tentam impor, lancemos um golpe de vista nas submissões a referenciais teóricos e culturais dos jovens brasileiros em sua escalada de formação intelectual, e perguntemo-nos: que “pensamento crítico” faz mais jus à expressão que aquele do indivíduo que rejeita todo esse pacote que é obrigado a consumir desde que põe os pés na educação básica, e resolve se abrir para outras ideias?
Quem de fato defende o pensamento independente e livre das mais fortes amarras? Este não interessa à maioria dos esquerdistas desta pátria verde e amarela; o “pensamento crítico” que eles defendem é a concordância absoluta com seus pontos de vista, num costumeiro exemplo de inversão de sentido de palavras e expressões tão típico de sua retórica, no melhor estilo 1984 de George Orwell.
Enquanto você lê isso, a história que contei aqui está acontecendo em vários pontos do país. Que comecemos a escrever para ela um novo final.
Lucas Berlanza Corrêa é Acadêmico de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Especialista do Instituto Liberal.
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