Juízes têm atuado como censores, na defesa de ‘direitos individuais’, mas, assim, desrespeitam preceito constitucional da liberdade de imprensa e o interesse público
Há quase 30 anos do fim da ditadura militar e há 26 da promulgação da Constituição que restabeleceu o estado democrático de direito, a imprensa brasileira ainda não usufrui da liberdade garantida na Carta. É paradoxal.
E tudo se deve, outro paradoxo, a um dos pilares do próprio regime republicano, o Poder Judiciário, cuja primeira instância tem acolhido reclamações de pessoas que se sentem atingidas pela imprensa, com pedidos de proibição à veiculação de textos ou imagens. São atendidos, infelizmente, por juízes que se convertem em censores togados e, assim, rasgam a Constituição.
É por esse motivo que o Brasil nunca aparece bem situado em rankings internacionais sobre a liberdade de imprensa. A censura judicial continua a manchar a democracia brasileira. Ao menos, ministros do Supremo Tribunal Federal têm reafirmado a Constituição, quando examinam recursos contra este tipo de censura. Nos últimos dias, houve dois casos exemplares.
Em um, o ministro Luiz Fux cassou liminar que impedia o site da revista “Veja” de publicar a informação de que a família de Cláudia Silva Ferreira, vítima de violência policial no Rio, era alvo de “espertalhões”, e que o advogado João Tancredo havia sido desautorizado pela família de Cláudia.
No outro caso, a ministra Rosa Weber, em decisão liminar, cassou resolução da Justiça do Espírito Santo e permitiu que o jornal “Século Diário” voltasse a publicar matérias sobre o promotor de Justiças Marcelo Barbosa de Castro Zenkner.
O promotor se sentiu difamado por reportagens sobre sua atuação profissional, processou o jornal, e a 6ª Vara Cível de Vitória censurou a publicação: “Século Diário” ficou impedido de editar qualquer reportagem sobre o assunto, sob pena de levar multas diárias de R$ 1 mil. Uma arbitrariedade digna dos tempos da ditadura militar.
No seu voto, a ministra reafirmou o sentido do artigo 220 da Carta, pelo qual a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação” não podem sofrer “qualquer restrição”. Segundo a ministra, “o Estado, inclusive o Judiciário, não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social”.
Como não se trata de um súmula do Supremo, isso não impedirá que juízes de primeira instância continuem a dar uma interpretação enviesada a direitos individuais, também incluídos na Carta, mas que geram atos de censura. A própria ministra, em seu voto, alerta que o “interesse público” é capaz de se sobrepor a interesses individuais.
Mas são importantes esses votos de Luiz Fux e Rosa Weber. Ajudam a cristalizar o verdadeiro sentido do direito constitucional à liberdade de expressão, e ainda servem de sinalização contra planos autoritários de subjugação da imprensa profissional.
Há quase 30 anos do fim da ditadura militar e há 26 da promulgação da Constituição que restabeleceu o estado democrático de direito, a imprensa brasileira ainda não usufrui da liberdade garantida na Carta. É paradoxal.
E tudo se deve, outro paradoxo, a um dos pilares do próprio regime republicano, o Poder Judiciário, cuja primeira instância tem acolhido reclamações de pessoas que se sentem atingidas pela imprensa, com pedidos de proibição à veiculação de textos ou imagens. São atendidos, infelizmente, por juízes que se convertem em censores togados e, assim, rasgam a Constituição.
É por esse motivo que o Brasil nunca aparece bem situado em rankings internacionais sobre a liberdade de imprensa. A censura judicial continua a manchar a democracia brasileira. Ao menos, ministros do Supremo Tribunal Federal têm reafirmado a Constituição, quando examinam recursos contra este tipo de censura. Nos últimos dias, houve dois casos exemplares.
Em um, o ministro Luiz Fux cassou liminar que impedia o site da revista “Veja” de publicar a informação de que a família de Cláudia Silva Ferreira, vítima de violência policial no Rio, era alvo de “espertalhões”, e que o advogado João Tancredo havia sido desautorizado pela família de Cláudia.
No outro caso, a ministra Rosa Weber, em decisão liminar, cassou resolução da Justiça do Espírito Santo e permitiu que o jornal “Século Diário” voltasse a publicar matérias sobre o promotor de Justiças Marcelo Barbosa de Castro Zenkner.
O promotor se sentiu difamado por reportagens sobre sua atuação profissional, processou o jornal, e a 6ª Vara Cível de Vitória censurou a publicação: “Século Diário” ficou impedido de editar qualquer reportagem sobre o assunto, sob pena de levar multas diárias de R$ 1 mil. Uma arbitrariedade digna dos tempos da ditadura militar.
No seu voto, a ministra reafirmou o sentido do artigo 220 da Carta, pelo qual a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação” não podem sofrer “qualquer restrição”. Segundo a ministra, “o Estado, inclusive o Judiciário, não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social”.
Como não se trata de um súmula do Supremo, isso não impedirá que juízes de primeira instância continuem a dar uma interpretação enviesada a direitos individuais, também incluídos na Carta, mas que geram atos de censura. A própria ministra, em seu voto, alerta que o “interesse público” é capaz de se sobrepor a interesses individuais.
Mas são importantes esses votos de Luiz Fux e Rosa Weber. Ajudam a cristalizar o verdadeiro sentido do direito constitucional à liberdade de expressão, e ainda servem de sinalização contra planos autoritários de subjugação da imprensa profissional.
21 de agosto de 2014
Editorial O Globo
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