Jornal de província é triste. Sempre atrás não dos bois, mas da carroça.
Leio na Zero Hora, de Porto Alegre, reportagem sobre a pretensa nova moda, o poliamor. Tão antiga como os dias de Alexandre ou Salomão. Diz o jornal:
- Eles fazem parte de uma turma que multiplica adeptos. Vociferam que a monogamia fracassou e que o ciúme é controlável até sumir de vez. São catalogados em denominações com princípios próprios: swing, relações livres, relacionamento aberto e poliamor, cada um com estratégias singulares para fugir do convencional.
- Em 2012, em Tupã, no interior de São Paulo, foi registrada em cartório a primeira união entre três pessoas, o poliamor.
Há muito defendo a idéia de que os jornais deviam ter nas redações um jornalista antigo, com a função exclusiva de revisar o que escrevem os focas. Pelo jeito, os neojornalistas perderam a memória. Ou têm preguiça de pesquisar. Já escrevi sobre o assunto. Tenho de retomar o tema.
Para começar, não foi em Tupã que ocorreu o primeiro caso. Há seis anos, em Porto Velho, Rondônia, uma mulher obteve na Justiça o direito de receber parte dos bens do amante com quem conviveu durante quase 30 anos. Ele era casado e morreu em 2007, aos 71 anos. O juiz Adolfo Naujorks, que concedeu à moça o direito de herança, baseou-se em artigo publicado num site jurídico segundo o qual uma teoria psicológica, denominada "poliamorismo", admitia a coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas em que casais se conhecem e se aceitam em uma relação aberta.
Ou seja, a teoria não surgiu ontem. E sites jurídicos não só estão substituindo o Legislativo, como modificando o regime de transmissão de bens entre herdeiros. Mais ainda, estão legitimando a poligamia. Nada contra. Estou apenas constatando.
Poliamorismo soa mais elegante. Procurei a palavrinha nos dicionários. Não encontrei. Nem meu processador de texto reconhece a palavra, sempre a sublinha em vermelho. Fui ao Google. Já está lá. Escreve um jurista: “As relações interpessoais de cunho amoroso, por vezes destoam do padrão habitual da monogamia entre os casais formados por pessoas de sexos diferentes. Assim, encontramos relacionamentos afetivos que envolvem um casal, vale dizer um dos cônjuges e um parceiro ou parceira, os quais se desenvolvem simultaneamente. Ditas relações são denominadas de poliamorismo ou poliamor, e se constituem na coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas ao matrimônio”. Ora, isso é mais antigo que a descoberta da roda. Ou alguém acha que o Neanderthal era monogâmico?
Ah! As palavras... Eu conhecia poligamia, poliandria, até mesmo policromia. Mas o tal de poliamorismo foi para mim novidade. Quem diria? Cheguei aos sessenta e ainda descubro palavrinhas exóticas. Me restam no entanto algumas dúvidas. Já que a palavrinha amor é parte constitutiva do novo palavrão, me pergunto: é preciso que exista o tal de amor? Ou sexo puro também serve? O conceito é extensivo a todas as profissionais que curtimos em nossas vidas, ou profissional não vale? Aquela distante namorada, que encontramos de ano em ano, é poliamor? Ou um amorzinho mixuruca, sem direito à herança?
Apesar de ter vivido muito mais de duas relações paralelas, confesso que até há pouco desconhecia o neologismo. Mas o fenômeno sempre existiu, ainda que clandestino. Em meus dias de jovem, chamava-se isto amasiamento, adultério, infidelidade. Ou ainda, vendo a coisa por outro ângulo, de donjuanismo. Ou casanovismo.
Mais adiante, anos 70 para cá, começou-se a falar em relação aberta. Tudo dependia do consenso do casal. Conheci casais que viveram unidos a vida toda, mantendo este tipo de relação. Era um relacionamento honesto, sem mentiras. Mas o Direito jamais reconheceu direito à herança por parte de quem não fosse a mulher legítima. Neste sentido, o matrimônio funcionava como proteção. O marido podia ser infiel à vontade, sem precisar dividir seus bens com a Outra, como se dizia então.
A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, autora de O Livro do Amor, prevê: nos próximos 10 ou 20 anos abrir o relacionamento será uma tendência. Segundo Regina, as pessoas não buscam o outro porque têm um vazio ou porque o sexo com o parceiro não está legal, mas sim porque variar é bom.
A psicanalista está ainda atrás dos que vão atrás da carroça. O fenômeno é antigo, esteve em recesso durante o surgimento da Aids e está ressurgindo como se fosse algo novo.
Os muçulmanos são mais práticos. Todo crente tem direito a quatro mulheres e estamos conversados. Não se fala em amor nem poliamor. Mas não precisamos ir até o Islã. No livro que embasa a cultura ocidental, temos o rei Salomão. “Tinha ele setecentas mulheres, princesas, e trezentas concubinas; e suas mulheres lhe perverteram o coração”, lemos no I Reis. Poliamantíssimo, o sábio rei. Bem que gostaria de ter meu meigo coração assim pervertido.V Alexandre também cultivava intensamente o tal de poliamor. Mas no fundo preferia os meninos de seu exército. Homoafetivos já podem casar. Homoafetividade - outro neologismo gentil - exclui o tal de poliamor? Obviamente não. Se um homem pode amar duas mulheres, por que não poderia amar dois homens? Nada impede. Se obedecermos à boa lógica, em breve teremos três ou mais homens (ou mulheres, por que não?) registrando suas relações estáveis em cartório. O velho casamento católico vai virar partouse.
De novo, nada contra. Apenas constato.
03 de fevereiro de 2014
janer cristaldo
Leio na Zero Hora, de Porto Alegre, reportagem sobre a pretensa nova moda, o poliamor. Tão antiga como os dias de Alexandre ou Salomão. Diz o jornal:
- Eles fazem parte de uma turma que multiplica adeptos. Vociferam que a monogamia fracassou e que o ciúme é controlável até sumir de vez. São catalogados em denominações com princípios próprios: swing, relações livres, relacionamento aberto e poliamor, cada um com estratégias singulares para fugir do convencional.
- Em 2012, em Tupã, no interior de São Paulo, foi registrada em cartório a primeira união entre três pessoas, o poliamor.
Há muito defendo a idéia de que os jornais deviam ter nas redações um jornalista antigo, com a função exclusiva de revisar o que escrevem os focas. Pelo jeito, os neojornalistas perderam a memória. Ou têm preguiça de pesquisar. Já escrevi sobre o assunto. Tenho de retomar o tema.
Para começar, não foi em Tupã que ocorreu o primeiro caso. Há seis anos, em Porto Velho, Rondônia, uma mulher obteve na Justiça o direito de receber parte dos bens do amante com quem conviveu durante quase 30 anos. Ele era casado e morreu em 2007, aos 71 anos. O juiz Adolfo Naujorks, que concedeu à moça o direito de herança, baseou-se em artigo publicado num site jurídico segundo o qual uma teoria psicológica, denominada "poliamorismo", admitia a coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas em que casais se conhecem e se aceitam em uma relação aberta.
Ou seja, a teoria não surgiu ontem. E sites jurídicos não só estão substituindo o Legislativo, como modificando o regime de transmissão de bens entre herdeiros. Mais ainda, estão legitimando a poligamia. Nada contra. Estou apenas constatando.
Poliamorismo soa mais elegante. Procurei a palavrinha nos dicionários. Não encontrei. Nem meu processador de texto reconhece a palavra, sempre a sublinha em vermelho. Fui ao Google. Já está lá. Escreve um jurista: “As relações interpessoais de cunho amoroso, por vezes destoam do padrão habitual da monogamia entre os casais formados por pessoas de sexos diferentes. Assim, encontramos relacionamentos afetivos que envolvem um casal, vale dizer um dos cônjuges e um parceiro ou parceira, os quais se desenvolvem simultaneamente. Ditas relações são denominadas de poliamorismo ou poliamor, e se constituem na coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas ao matrimônio”. Ora, isso é mais antigo que a descoberta da roda. Ou alguém acha que o Neanderthal era monogâmico?
Ah! As palavras... Eu conhecia poligamia, poliandria, até mesmo policromia. Mas o tal de poliamorismo foi para mim novidade. Quem diria? Cheguei aos sessenta e ainda descubro palavrinhas exóticas. Me restam no entanto algumas dúvidas. Já que a palavrinha amor é parte constitutiva do novo palavrão, me pergunto: é preciso que exista o tal de amor? Ou sexo puro também serve? O conceito é extensivo a todas as profissionais que curtimos em nossas vidas, ou profissional não vale? Aquela distante namorada, que encontramos de ano em ano, é poliamor? Ou um amorzinho mixuruca, sem direito à herança?
Apesar de ter vivido muito mais de duas relações paralelas, confesso que até há pouco desconhecia o neologismo. Mas o fenômeno sempre existiu, ainda que clandestino. Em meus dias de jovem, chamava-se isto amasiamento, adultério, infidelidade. Ou ainda, vendo a coisa por outro ângulo, de donjuanismo. Ou casanovismo.
Mais adiante, anos 70 para cá, começou-se a falar em relação aberta. Tudo dependia do consenso do casal. Conheci casais que viveram unidos a vida toda, mantendo este tipo de relação. Era um relacionamento honesto, sem mentiras. Mas o Direito jamais reconheceu direito à herança por parte de quem não fosse a mulher legítima. Neste sentido, o matrimônio funcionava como proteção. O marido podia ser infiel à vontade, sem precisar dividir seus bens com a Outra, como se dizia então.
A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, autora de O Livro do Amor, prevê: nos próximos 10 ou 20 anos abrir o relacionamento será uma tendência. Segundo Regina, as pessoas não buscam o outro porque têm um vazio ou porque o sexo com o parceiro não está legal, mas sim porque variar é bom.
A psicanalista está ainda atrás dos que vão atrás da carroça. O fenômeno é antigo, esteve em recesso durante o surgimento da Aids e está ressurgindo como se fosse algo novo.
Os muçulmanos são mais práticos. Todo crente tem direito a quatro mulheres e estamos conversados. Não se fala em amor nem poliamor. Mas não precisamos ir até o Islã. No livro que embasa a cultura ocidental, temos o rei Salomão. “Tinha ele setecentas mulheres, princesas, e trezentas concubinas; e suas mulheres lhe perverteram o coração”, lemos no I Reis. Poliamantíssimo, o sábio rei. Bem que gostaria de ter meu meigo coração assim pervertido.V Alexandre também cultivava intensamente o tal de poliamor. Mas no fundo preferia os meninos de seu exército. Homoafetivos já podem casar. Homoafetividade - outro neologismo gentil - exclui o tal de poliamor? Obviamente não. Se um homem pode amar duas mulheres, por que não poderia amar dois homens? Nada impede. Se obedecermos à boa lógica, em breve teremos três ou mais homens (ou mulheres, por que não?) registrando suas relações estáveis em cartório. O velho casamento católico vai virar partouse.
De novo, nada contra. Apenas constato.
03 de fevereiro de 2014
janer cristaldo
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