"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A FRITURA DE HELENA CHAGAS

Pela 1ª vez, o destino das verbas decidiu o futuro da máquina de comunicação do governo federal

O comissariado fritou a ministra Helena Chagas. Pela primeira vez em quase um século, desde que o jornalista Lourival Fontes foi cuidar da imagem de Getúlio Vargas, o funcionário encarregado da comunicação do Palácio do Planalto caiu por causa de dinheiro, acusado de não atender aos objetivos políticos do governo.

A jornalista, com 32 anos de carreira, teve no seu ofício um desempenho muito superior à média do comissariado petista.
Não a fritaram porque divulgou o que não devia, ou deixou de divulgar o que devia. Muito menos porque suas opiniões políticas divergiam do governo.
Na raiz do mal-estar estavam apenas verbas, o dinheiro da Viúva.
 
Seja qual for o governo, sempre haverá alguém reclamando porque não recebe dele verbas publicitárias proporcionais à fidelidade com que o defende.
O patrono dessa espécie deveria ser o jornalista Alexandre von Baumgarten. Amigo de generais da ditadura, queria reerguer uma revista falida e buscava no Planalto perdões de dívidas e verbas publicitárias. 
Acabou-se em 1982, com uma bala na cabeça, e deixou um dossiê acusando o Serviço Nacional de Informações pela sua morte.
 
Em 2012 a máquina de propaganda do palácio moveu R$ 1,9 bilhão. Esse é o dinheiro que Brasília promete repassar ao governo do Estado do Rio para enfrentar desastres naturais.
Noutra conta, R$ 1,2 bilhão é o total dos financiamentos brasileiros para obras e serviços em Cuba. Vale lembrar que esse tipo de munificência não foi inventada pelo PT, nem é exclusiva do governo federal. Ele apenas inflou-a, pois em 2000 o tucanato torrou R$ 1,2 bilhão.
 
Em 2012 o Planalto gastou mais em publicidade que a Ambev (R$ 1,6 bilhão), que vive de vender cervejas e refrigerantes. Com R$ 1,7 bilhão, a Caixa Econômica (cujas despesas não estão na caixa do Planalto) gastou mais que o Bradesco e o Itaú, somados.
 
A conta de R$ 1,9 bilhão expande-se para uma cifra difícil de ser calculada. Nela entram outras campanhas promocionais, como as de ministérios, empresas estatais e contratos com agências de relações públicas que se superpõem às burocracias do Estado.
Num cálculo grosseiro, esse aparelho federal pode custar até R$ 4 bilhões por ano.
 
Quando um governo desenvolve a mentalidade do sítio, julgando-se injustiçado pelos meios de comunicação, a arca torna-se um saco sem fundo, capturada por um círculo vicioso: se estão contra nós, precisamos ajudar quem nos defende e, se alguém nos defende, nada mais natural que ajudá-lo.
Num outro estágio, o hierarca federal, estadual ou municipal, seja qual for seu partido, confunde deliberadamente a divulgação de políticas públicas com a exaltação de suas próprias atividades (leia-se candidaturas).
Como fica feio fazer isso com o aparelho do Estado, privatizam a ambição política e estatizam seu custo. Em 2013 o Ministério da Saúde gastou R$ 232 milhões e Alexandre Padilha disputará o governo de São Paulo.
 
Pedir que os governos parem de gastar dinheiro com publicidade num ano eleitoral é um exercício fútil. Precisamente porque este é um ano eleitoral, o balcão está aberto para candidatos capazes de se comprometer a reduzir drasticamente esse tipo de despesa.
Basta contar ao público quanto seus antecessores torraram e dizer quanto e como pretendem gastar.

05 de fevereiro de 2014
Elio Gaspari, Folha de São Paulo

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