Vovó, você se lembra da sua
primeira vez?
- Primeira vez o que, minha filha?
- Que fez sexo.
- Uuuuuuuu...
- Faz tanto tempo assim?
- Espera que eu ainda não terminei. Uuuuuuuuuu...
- Foi com quem?
- Um cadete. Ele ia ser mandado para o front no dia seguinte e disse que queria levar com ele a lembrança da nossa última noite juntos. Não pude recusar. Dali a duas semanas recebi a notícia de que ele tinha morrido.
- Que front era esse, vovó?
- O front. Da guerra. Não me lembro qual delas. Fiquei chocada com a notícia e me internei num convento, onde fiquei pelo resto da vida.
- Vovó, você viveu num convento?
- Não vivi? Espera um pouquinho. Acho que estou misturando as coisas. Isso foi um romance que eu li. Ó cabeça.
- Então, quem foi o primeiro?
- O primeiro o quê?
- Com quem você fez sexo, vovó.
- Uuuuuuuuu... Deixa ver. Como era o nome dele... Gilbert qualquer coisa. Gilbert Roland!
- Acho que esse era um ator.
- Não, não, não. Era nosso vizinho. Nos encontrávamos no fundo do quintal, sob a goiabeira. Até hoje não posso sentir cheiro de goiaba que me lembro do Gilbert Roland. Foi o primeiro e o único. Nunca mais amei ninguém.
- Vovó. Você casou com o vovô. Teve cinco filhos com o vovô. Você amava o vovô.
- Tudo fingimento.
- E há quanto tempo você não faz sexo?
- Uuuuuuuuuuu...
- Com quem foi a última vez?
- Eu já era viúva. Um dia bateram na porta. Era o Juan Carlos da Espanha. Na época ele ainda era príncipe. Tinha errado de porta, estava procurando não sei quem. Mandei entrar e começamos a conversar. Assuntos gerais. Ele pediu para ver o meu quarto... E aconteceu. Nunca mais nos vimos. Mas ele não deixa de me escrever.
- Vovó, você tem cartas do rei Juan Carlos da Espanha?
- Estão por aí, em algum lugar.
- E são cartas amorosas?
- Uuuuuuuuuuuu...
01 de dezembro de 2013
Luís Fernando Veríssimo, O Estado de S Paulo
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