‘Não tente transferir sua culpa. O desenho é seu. É a minha cara falsificada que está por aí, colada em tudo que é poste da cidade’
Tudo é vaidade.
Tem aquela do cara que invade uma delegacia de polícia e exige falar com o desenhista.
— Com quem?
— Com o desenhista. O que faz retratos falados. Quero falar com ele agora!
— Espera aí. Você não pode entrar aqui assim e...
— Não interessa. Quero falar, imediatamente, com quem fez isto.
E o homem mostra um cartaz em que aparece o desenho de um rosto e escrito, em cima, “Procura-se”. Insiste:
— Se ele não aparecer logo, eu quebro esta joça!
— Calma, cidadão. Calma.
Tantas o homem faz que o desenhista é localizado e trazido à sua presença. O homem mostra o cartaz e pergunta:
— Isto se parece comigo?
— Isto se parece comigo?
— Bom, eu...
— Não. Me diga. Esta cara se parece vagamente com a minha?
— É que eu...
— Olha o meu nariz e olha o nariz do desenho. Desde quando eu tenho um nariz assim? E a boca?
— É que eu me guiei pela descrição da testemunha...
— Não. Não tente transferir sua culpa. O desenho é seu. É a minha cara falsificada que está por aí, colada em tudo que é poste da cidade. E eu exijo retratação. Ou, no caso, rerretratação.
Um policial de plantão interfere:
— Você está preso.
— Eu sei — diz o homem. E, para o desenhista:
— Assim você terá o tempo que quiser para refazer meu retrato, usando o original como modelo.
— Está bem — diz o desenhista.
— Certo, desta vez!
PAPO VOVÔ
Às vezes sou recrutado para o papel de príncipe encantado, nos brinquedos da Lucinda, nossa neta de 5 anos (“e meio”, como ela faz questão de dizer). No outro dia cumpri minha missão e ressuscitei a princesa envenenada com um beijo. Mas não consegui levá-la para o meu castelo, ela preferiu ficar na rua. Agora essa: princesas republicanas.
01 de dezembro de 2013
Luís Fernando Veríssimo, O Gloob
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