O episódio do mensalão marcará para sempre a História do país mesmo que seus principais personagens e a máquina partidária do PT busquem apagá-lo, como faziam os stalinistas com os expurgados do regime.
No stalinismo, tiravam-se das fotos os indesejáveis que caíam em desgraça. Na versão stalinista do petismo, busca-se expurgar a própria História para manter vivos, como heróis populares, os condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Há, no entanto, registrados em vídeos e depoimentos irrecusáveis, momentos que revelam a verdade sobre o mensalão admitida pelos principais protagonistas da trama, o que torna inútil toda tentativa de criar uma nova História.
O deputado do PSOL Chico Alencar, por exemplo, fez corajoso depoimento na tribuna da Câmara, dando depoimento sobre seu companheiro José Genoíno, onde lembrou seu discurso na “dramática” reunião do diretório nacional do PT em que renunciou à presidência do partido: “(...) quando comecei a deixar o Parlamento para me candidatar ao governo (de SP) e depois assumi a presidência do partido, deixei também a política romântica, a política do embate de ideias e concepções, que tanto me fascina. Começava meu inferno...”
Ele sabia, disse Alencar, que a realpolitik que o PT assumia significava “a adesão a práticas e métodos que o partido, durante muito tempo, contestara... A vitória, a ocupação crescente de posições no aparato do Estado, o adaptacionismo, a opção pelas “alianças necessárias” significavam financiamentos milionários de campanha, muitos dos quais ‘não contabilizados’, acordos com o alto empresariado e esquemas ‘não ortodoxos’, até com mercadores oportunistas”.
Alencar utiliza a expressão de Marx “poder dissolvente do dinheiro” para explicar o episódio do mensalão, ressalvando que esse não foi o problema de Genoino, mas “sua desventura foi aliar-se a expressões da mais genuína ‘cultura patrimonialista’ brasileira”.
Alencar é o mesmo que em 12 de agosto de 2005, logo após o publicitário Duda Mendonça ter confessado na CPI dos Correios que recebera num paraíso fiscal cerca de R$ 10 milhões como pagamento pela campanha que elegeu Lula em 2002, chorou na Câmara juntamente com outros petistas, que viam ali o fim de um sonho político.
Nesse mesmo dia, o presidente Lula reuniu seu Ministério na Granja do Torto e se disse, em cadeia nacional de rádio e TV, “traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia e que chocam o país”.
E disse mais: “Se estivesse ao meu alcance, já teria identificado e punido exemplarmente os responsáveis por esta situação.” Pois o Ministério Público e a Polícia Federal investigaram, o Congresso fez CPIs, e o STF julgou os acusados do mensalão, condenando a maioria, absolvendo alguns deles, inclusive o próprio Duda Mendonça, que pagou o que devia à Receita e acertou suas contas.
De todos os que estão na cadeia, e dos que ainda aguardam a ordem de prisão, só dois tentam desmoralizar a Justiça e lutam por privilégios: José Dirceu, que apelou até para o Estatuto do Idoso para ter prioridade na Vara de Execuções Penais, e Genoíno, que teve de renunciar ao seu mandato para não ser cassado por seus pares.
É por eles que o PT se bate publicamente, autodenominados “presos políticos” num rol de políticos presos que conta com Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto, Pedro Henry, João Paulo Cunha e que tais. Lista que, se somarmos Marcos Valério e outros a ela, desmoraliza a tentativa de politizar o que não passa de crime comum a serviço da má política.
Assim como Dirceu não conseguiu passar à frente de outros detentos para ter analisado seu pedido de trabalhar como gerente num hotel de Brasília, também o Ministério Público mandou acabar com os privilégios dos presos do mensalão no presídio da Papuda.
O juiz Vinicius Santos Silva, ao recusar passar Dirceu à frente, deu uma lição moral indireta, ressaltando que propostas de emprego de outros presidiários são mais frágeis, e que eles estão em desvantagem com outros concorrentes aos cargos por serem, muitos deles, analfabetos.
A revelação de que o hotel que daria trabalho a Dirceu tem situação mal explicada no Panamá só reforça a desconfiança de que o emprego seja só uma artimanha para que o petista tenha alguma liberdade durante o dia a fim de continuar suas atividades. Já Genoino deve acabar mesmo em prisão domiciliar, onde já está, e com a aposentadoria da Câmara a que tem direito.
05 de dezembro de 2013
Merval Pereira, O Globo
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