O prefeito Fernando Haddad (PT) há de ter muitos motivos para dor de cabeça nestes tempos. A par de problemas crônicos, como o dos transportes, e sazonais, como a estação das chuvas que se aproxima, muita coisa contribui para os baixos índices de popularidade registrados na pesquisa Datafolha.
Está entre as mazelas típicas dos grandes centros urbanos --resistindo às iniciativas pontuais das autoridades-- a situação dos moradores de rua. O quadro de absoluta degradação humana e de abandono dessa população não é novidade para os paulistanos.
Poucas coisas parecem revelar com mais clareza, entretanto, a sensação de impotência e de descaso do poder público do que cenas e acontecimentos que intensificam, para além do rotineiro, a percepção cotidiana dessa insuportável ferida no tecido social.
Estampada na primeira página da Folha de ontem, a fotografia de uma favela em plena cracolândia não poderia ser sinal mais eloquente do fracasso de que participa a infausta dupla que se configurou entre o prefeito Haddad e o governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Num amplo terreno, o governo estadual pretende construir um centro cultural, com três teatros. O anúncio desse empreendimento foi feito em 2008, sendo sua conclusão prevista para 2010.
O Complexo Cultural da Luz teve sua inauguração adiada para 2017. Lixo e mato invadiram o terreno. Para evitar outro tipo de invasão --a humana--, um sólido alambrado se ergueu. Encostaram-se ali cerca de cem barracos, que abrigam dependentes de crack, catadores de papel e moradores de rua.
Trata-se de um ponto na área central de São Paulo, a poucos passos de uma prestigiada sala de concertos e de museus; arrasta-se o plano de revitalizar toda a região, que hoje funciona apenas como o sinal mais claro dos imensos contrastes da maior cidade brasileira.
A revitalização urbana seria, em todo caso, de pouco significado se não se cuidasse de revitalizar a própria existência de tantas pessoas imersas na dependência química e na miséria.
A prefeitura reagiu com nota lacônica ao surgimento da "favelinha": houve 1.169 abordagens de assistentes sociais, "que resultaram em 341 encaminhamentos". Já se gastaram R$ 170 milhões com o novo complexo cultural. Não se diz quanto se gasta, ou deveria gastar, para recuperar a dignidade dos que vegetam naquela região.
05 de dezembro de 2013
Editorial da Folha
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