O presidente Obama talvez nunca se livre, no que lhe resta de mandato, da frustração diante das expectativas criadas junto a grande parte do eleitorado americano e da opinião pública mundial ao concorrer pela primeira vez, em 2008. Parte substancial de sua abordagem na política externa era passar da truculência pós-11 de Setembro à negociação.
Trocar o hard power da intervenção militar pelo soft power da diplomacia, o que, no caso de uma superpotência, nunca é tão soft. Vide o imbróglio em que Obama se meteu com o vazamento de que seus serviços de informação espionam rigorosamente tudo e todos.Mas não se pode negar que o presidente vem fazendo o possível para tirar os EUA de atoleiros como Iraque e Afeganistão, e recorre ao multilateralismo para tratar de desafios em escala mundial. Washington prestigiou o formato de seis partes (EUA, China, Rússia, Japão e as Coreias) para tratar dos desvarios da Coreia do Norte. Resistiu à via militar na Síria, insistindo num entendimento com a Rússia que leve a negociações.
Obama colhe agora os frutos de sua política de punir com sanções econômicas o Irã por desafiar a comunidade internacional com um programa nuclear de objetivos duvidosos. No fim de novembro, Teerã firmou um acordo provisório com o grupo 5+1 (EUA, Rússia, China, França, Grã-Bretanha e Alemanha), aceitando paralisar o programa nuclear em troca do alívio das sanções. A ver.
Uma inesperada iniciativa de Obama no funeral de Mandela — apertar a mão do ditador Raúl Castro, o primeiro cumprimento público entre um chefe de Estado americano e um líder cubano desde a Revolução de 1959 — criou polêmica.
Tratou-se apenas de um gesto em linha com o legado de conciliação de Mandela? Foi o pontapé inicial de uma política de aproximação também com Havana? O presidente dos EUA correu riscos e choveram críticas.
O influente senador republicano John McCain comparou a situação ao aperto de mãos entre o premier britânico Chamberlain e Hitler, em 1938. Para a deputada cubano-americana Ileana Ros-Lehtinen, Obama cumprimentou um “assassino”.
O presidente tem a seu crédito medidas como a facilitação de viagens de cubano-americanos à ilha e o reconhecimento das flexibilizações adotadas por Havana, após mais de 50 anos sem relações diplomáticas e sob embargo econômico — herança da Guerra Fria que precisa ser enterrada. Até porque o embargo, ao dar argumentos “revolucionários” a Havana, só fortaleceu o regime e prejudicou o povo cubano, o contrário do que Washington esperava.
Se os EUA devem fazer sua parte, Cuba não menos: é preciso um cronograma de transição para a democracia, respeito aos direitos humanos, desmontagem do aparato repressivo e abertura da economia. Deixar encaminhada a normalização das relações com Cuba seria um grande feito de Obama.
14 de dezembro de 2013
Editorial d' O Globo
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