Confira na sequência mais uma trágica história descrita em A guerra — a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, de Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias, livro recomendado recentemente aqui no Notícias da Pauliceia.
A pacata cidade de Pirassununga é conhecida por fabricar uma das pingas mais populares do Brasil, a Caninha 51, e por ser a sede da escola de oficiais da Força Aérea Brasileira. Tem cerca de vinte edifícios na pequena mancha urbana que pode ser vista da rodovia Anhanguera, um dos eixos viários que ligam as cidades mais prósperas do interior de São Paulo. No dia 27 de março de 2007, a cerca de três quilômetros da Praça da Matriz, no bairro da Vila Esperança, Adriano, um pedreiro de 33 anos, foi morto a tiros. Seu assissinato, um dos doze ocorridos naquele ano na cidade, não foi o que mais surpreendeu as autoridades locais. Os desdobramentos dos homicídios é que revelaram em detalhes o funcionamento de novas práticas do submundo do crime.
No dia em que foi morto, Adriano dava carona de moto a sua mulher e a uma amiga quando tentou passar pelo vão entre um quebra-molas e a calçada. Perdeu o equilíbrio e caiu no chão com as duas moças. Três jovens que estavam perto da cena deram risada e provocaram o motoqueiro, que lhes deu uma resposta atravessada. Um desses jovens, Fabrício, sacou o revólver e deu dois disparos na cabeça de Adriano, que morreu na hora. Junto com Fabrício estavam seu irmão, Fabio, e um amigo, Marcelo.
O crime a sangue-frio causou revolta nos vizinhos, e as autoridades policiais do distrito passaram a apurar o caso. Não houve tempo, porém, para prender o culpado. Dois dias depois do crime, em uma rápida apuração paralela, ele já havia sido capturado para responder a um tribunal de exceção organizado por integrantes do PCC. Seria mais um entre tantos debates que a facção começava a organizar no estado, e as conversas acabaram gravadas por acaso por policiais do Departamento de Narcóticos (Denarc), que investigavam um caso de tráfico de drogas. Foram registradas pelo menos 24 horas de diálogo dos criminosos, com 120 páginas de transcrição.
O jovem acusado de assassinato e seus dois amigos foram levados para uma chácara alugada na zona rural da cidade, assim como as duas moças que estavam na moto e testemunharam a cena. Também estavam presentes pelo menos cinco integrantes do PCC da região. Na chácara, os telefones foram ligados aos celulares dos representantes do PCC que estavam dentro de presídios paulistas. Eles seriam os juízes informais do caso durante a “conference call”. O pedido do julgamento tinha partido de Agnaldo, irmão da vítima, que já havia sido preso. Agnaldo queria a pena de morte para os três envolvidos no assassinato de Adriano. Os debates sobre a pena que deveria ser aplicada se estenderiam ao longo de dois dias.
Nas gravações feitas pela polícia durante o julgamento, um dos representantes do PCC, que estava na chácara e havia sido o responsável pela apuração do caso em Pirassununga, explicou aos demais a representatividade dos “juízes do caso”: “A situação envolve vida. Nem que nóis tenha que ouvir aí dez vez, irmão. É situação de vida, ele [Fabrício] já errou. Nóis não pode errar em cima do erro deles, entendeu? Se nóis têm alguma dúvida aí, nóis vai ter que tirar elas, irmão”. Um dos integrantes do grupo tinha a tarefa de anotar todos os testemunhos em um caderno, com um taquígrafo. “O falecido era um menino bom, pai de família, deixou três filhos”, completa.
Depois do vaivém das falas das testemunhas e dos réus, que confirmaram a narrativa inicial sobre o crime, os três acusados admitiram o erro e pediram perdão. Fabio e Marcelo, que acompanhavam Fabrício na hora dos disparos, foram chamados ao telefone para receber a sentença, vinda do celular de dentro de uma cela do presídio. “Veja bem, cara. Aí, você vai ter uma oportunidade de vida, entendeu, cara?” Os dois cúmplices sobreviveriam, mas teriam que deixar o bairro e a cidade. Marcelo aceita a sentença: “Entendi”. Outro preso complementa e faz um alerta para que não haja nenhuma retaliação: “Se ocorrer algum tipo de situação, tanto com a ex-mulher do menino que faleceu ou com qualquer pessoa que faz parte da família dele ou dela, nóis vai cobrar você radicalmente, entendeu, Marcelo?”. Eles tranquilizam os integrantes do debate de que as pessoas que os acusaram não sofreriam retaliações.
Fabrício, o autor dos disparos, também foi chamado ao telefone para saber que morreria. “Você tem ciência do que cometeu, você tirou uma vida, até mesmo sem dar uma defesa pro mesmo, certo Fabrício? Então, veja bem, Fabrício, a gente não admite isso em lugar nenhum, entendeu, cara?” Ele responde: “Certo, irmão”. A ligação acaba. Fabrício larga o telefone, resignado. A conferência se encaminha para o final. “Beijão para todos os irmãos”, despedem-se os juízes, antes de encerrar a sessão. Fabrício foi morto com cinco tiros à queima-roupa na noite de 3 de abril. Agnaldo, que solicitou o julgamento e a pena de morte, aplicou a sentença. Os debatedores determinaram que ele próprio deveria dar os disparos. “Procuramos em vários locais durante a noite para evitar o crime, mas acabamos achando o corpo já sem vida de manhã em uma pedreira”, contou em agosto de 2016 o chefe dos investigadores do Distrito Policial de Pirassununga, Luiz Fernando Coradini, um experiente e bem informado oficial da cidade, que recebeu de um agricultor que passava pelo local a indicação sobre o paradeiro do corpo.
01 de março de 2019
Notícias da Paulicéia
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