"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

NAVEGANDO EM ÁGUAS NUNCA DANTES NAVEGADA

Os juros básicos da economia brasileira (Selic) estão singrando com desenvoltura águas nunca dantes navegadas, após mais de três anos enfrentando elevadas ondas provocadas por uma “tempestade perfeita”. Há quase dois anos, elas começaram a perder sua força devastadora, favorecendo mergulhos considerados os mais profundos da sua história.

Um novo horizonte descortinou-se, facilitando uma macro visão de um porto seguro onde, atualmente, o barco da inflação vem enfrentando uma surpreendente calmaria. A partir daí, a visibilidade no mar melhorou consideravelmente, permitindo que os mergulhos fossem ainda mais profundos, apesar dos ventos continuarem soprando incertezas, que se refletem nas águas turvas e que o BC (Banco Central) vem superando.

Deixo um pouquinho de lado esta minha ousadia no texto, no qual, a partir do seu título, tento mesclar nele uma comparação análoga com a nossa economia, o que me faz lembrar Flieger (1978) quando afirma que “criatividade é o ato de manipular símbolos ou objetos externos para produzir um evento incomum para nós ou para nosso meio”.

É preciso ficar claro que não é rápido o impacto que a política econômica exerce sobre a inflação e a nossa experiência tem demonstrado que ela realmente só começa a arrefecer em aproximadamente três trimestres. É importante a interrupção no relaxamento dos juros um pouco antes da economia dar sinais de aquecimento e, também, quando a inflação começa a se aproximar da meta desejada.

Com isso, o comportamento da economia por si só não é suficiente para a tomada de decisão de política monetária, permitindo aos bancos centrais utilizarem outros instrumentos de navegação. As variáveis são calculadas utilizando-se de cartas náuticas orientadas pela econometria, as quais não são efetivamente mensuráveis, embora sejam conceitos relevantes desenvolvidos na bibliografia econômica, a exemplo da taxa de juros neutra e, também do hiato do produto.

A taxa de juros neutra é aquela que não aceita ventos que tragam pressões inflacionárias ou deflacionárias sobre a atmosfera econômica, mantendo a inflação estável. Países semelhantes ao nosso que apresentam elevados déficits, dívida pública e baixa taxa de poupança, têm juros neutro maiores.

Quando a economia está debilitada, convivendo num ambiente de inflação baixa e sem vento, o Copom (Comitê de Política Monetária) fixa a taxa Selic abaixo do nível do mar. Isso quer dizer que estão desenvolvendo uma política expansionista, como é o caso deste governo de transição, sendo o oposto, uma política contracionista largamente praticada nos últimos anos do ciclo petista.

Com relação ao hiato do produto, trata-se de um indicador que permite medir as oscilações cíclicas da economia, inclusive a ociosidade de recursos (capital, trabalho, infraestrutura etc). Ele facilita definir o quanto se deve estimular ou contrair o grau de ventania na economia. Calcular essas variáveis é uma empreitada particularmente desafiadora no País, basicamente em função de tantos choques econômicos que foram realizados no passado.

A verdade é que a conjuntura marítima também não ajuda. Pelo visto, o BC ainda terá que lidar no seu curso com incertezas que estão relacionadas à agenda econômica do próximo governo, o que reduz a visibilidade da sua navegabilidade quanto à trajetória da inflação a partir de 2019. Portanto, os modelos de inflação que orientam um percurso de longa distância, consequentemente, tornam-se menos confiáveis. Se ao menos não tivéssemos encarando uma maré fiscal fortemente encrespada e já estivéssemos com a reforma da Previdência aprovada, as incertezas no horizonte certamente seriam bem menores.

Diante desses obstáculos, o destino do BC está afunilando para um delicado dilema macroeconômico, desafiando-nos a perceber em qual dos riscos da circunavegação a autarquia prefere enfrentar. Cortar os juros demasiadamente e acabar causando uma inoportuna pressão inflacionária ou fazer uma modesta redução e a recuperação da nossa economia ser ainda mais lenta do que se espera, com a inflação repousando por um período mais longo abaixo da meta estipulada. Particularmente, considero que nas condições atuais da maré, existem razões suportáveis para que seja possível assumir o primeiro risco.

São grandes as possibilidades de que a taxa de juros neutra esteja em procedimento de imersão, situando-se em torno de 3,5% em termos reais (descontada a inflação), diante de projeções que já estiveram próximas a 5%. Duas justificativas convincentes explicam este comportamento: a mudança do timoneiro na política econômica e a segurança que a atual equipe dos novos tripulantes do BC impõe.

Nosso barco ainda não está à deriva, mas vem suportando uma carga pesadíssima, carregando um rombo orçamentário no seu casco que reflete a inflexibilidade das despesas e o crescimento incontrolável dos gastos com a Previdência, enquanto que o farol irradiante de luzes negras que iluminaram o governo da “inesquecível” Dilma foi um vendaval de estímulos fiscais populistas que devastou seriamente o continente brasileiro. Se não me engano, chegou perto de 5% do PIB o incremento do déficit público, sem incluir os incentivos através dos bancos públicos que cresceram o equivalente a 11% do PIB até 2015.

Quando os juros neutros ficam mais submersos, implicam em circunstâncias monetárias atuais menos “incentivadoras” do que o imaginado. Recentemente aconteceu a última reunião dos navegadores do navio torpedeiro Copom quando eles afundaram ainda mais a Selic, quebrando um novo recorde consecutivo para 6,5% e, com isso, hoje, eles possivelmente deverão estar não mais que 1 ponto percentual abaixo da taxa neutra nominal (incorporada a expectativa da inflação).

A velocidade de cruzeiro da nossa atividade econômica parece-me ser ainda insuficiente para remover o hiato do produto das profundezas abissais causado pela reduzida utilização da capacidade instalada da indústria e dos serviços e da intransigente taxa de desemprego que vem obstruindo o impulso na retomada do nosso crescimento e, portanto, impossibilitando a alta do PIB (Produto Interno Bruto). Não podemos deixar de considerar outras funduras de dimensões semelhantes, como a lentidão na evolução do crédito e do financiamento empresarial, a condição das empresas e famílias que até então manifestam pouca determinação para mudar esse cenário de forma oportuna.

Por essas e outras razões, a nossa inflação encontra-se um pouco distante do ancoradouro estabelecido e continua a surpreender favoravelmente, sem a presença de ameaças de nuvens inflacionárias no radar de navegação.

Se o próximo comandante do barco Brasil elaborar um plano de navegação medíocre para o destino da economia brasileira, a inflação com certeza vai subir para a flor d’água e o BC inevitavelmente terá que dar uma guinada, redirecionando a proa da sua política monetária. Aliás, agora, não faz o mínimo sentido buscar-se uma rota preventiva. O horizonte, a cada dia que passa, está mais próximo e repleto de uma neblina espessa no ambiente das incertezas políticas e não de certeza de um cenário negativo à frente.


04 de abril de 2018
Arthur Jorge Costa Pinto é Administrador, com MBA em Finanças pela UNIFACS (Universidade Salvador

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