A próxima semana será decisiva na disputa que se trava nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da prisão após condenação em segunda instância, com o objetivo precípuo, porém dissimulado, de evitar a prisão do ex-presidente Lula. O julgamento dos embargos declaratórios da defesa de Lula no TRF-4 deve ser realizado na segunda-feira, dia 26, mas a confirmação só será feita no final da próxima semana, pelo sistema eletrônico do Tribunal.
Os defensores no Supremo da mudança da jurisprudência a tempo de livrar o ex-presidente da cadeia manobram para, na sessão da quarta-feira, reabrir a questão, mas apenas um dos ministros, Marco Aurélio Mello, poderá fazê-lo. Seria a última chance para mudarem a jurisprudência antes do julgamento do dia 26 do TRF-4.
FATO NOVO – Marco Aurélio é o relator de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) cujas liminares foram julgadas no final de 2016, e estão pendentes de julgamento de mérito pelo pleno do STF. Marco Aurélio já afirmou que não pressionaria a presidente Cármen Lúcia para colocar o tema em pauta, mas, não por coincidência, surgiu um fato novo que pode facilitar a reabertura do caso.
Embora tenham sido julgadas em outubro de 2016, o acórdão sobre as liminares das ADCs somente foi publicado na semana passada, o que deu margem a que fossem apresentados embargos declaratórios com efeitos infringentes pelo Instituto Ibero Americano de Direito Público, um dos autores de uma das ações.
A ementa do julgamento das medidas cautelares nas ADCs 43 e 44 é bastante clara quando estabelece que é “coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível”. No meio jurídico, esse texto espelha com nitidez o que a maioria da Corte, àquela altura, decidira: a execução da pena após condenação em segunda instância passou a ser a regra, e as exceções precisariam ser justificadas em decisão judicial.
TENDÊNCIA – O ministro Edson Fachin, relator da ementa, aproveitou para criticar o que hoje parece ser a tendência majoritária do plenário, aguardar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para decretar o início do cumprimento da pena. Para Fachin, atribuir às Cortes de cúpula do Judiciário (STJ e STF) instâncias de terceiro e quarto graus, conferindo “efeito paralisante a absolutamente todas decisões colegiadas prolatadas em segundo grau de jurisdição”, revela-se inapropriado.
Àquela altura, não havia discussão sobre a mudança de jurisprudência do STF, que retomava um entendimento que vigorava há muitos anos e só mudou em 2009. Essa é uma razão para que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não queira colocar em votação novamente a matéria.
Ela tem comentado que é normal o STF evoluir em seus posicionamentos, mas isso não pode ocorrer em apenas um ano e meio (a mudança anterior ocorreu 7 anos depois). Além disso, ela lembrou em entrevista à revista “IstoÉ” que essa revisão não pode partir de quem foi voto vencido.
VOTO VENCIDO – “Na Suprema Corte americana, somente os vencedores podem pedir revisão de um posicionamento. Aqui não pode ser diferente. Imagine: quem for vencido vai ficar pedindo revisão da decisão até virar vencedor.”
Outra questão fundamental é o impacto que uma revisão provocará no combate à corrupção no Brasil. Segundo ela, “o fim da prisão em segunda instância faria retroceder em 50 anos o combate à corrupção”. Os procuradores de Curitiba corroboram esse pensamento e ontem, ao comemorarem os 4 anos do início da Operação Lava-Jato, lembraram que os recursos infindáveis levariam à prescrição dos crimes, como acontecia até recentemente, e não haveria mais motivo para que alguém fizesse colaboração premiada.
CONLUIO SURDO – As pressões sobre a presidente do Supremo Tribunal Federal vêm de várias partes, além do PT e dos advogados de Lula. Há um conluio surdo entre as diversas forças políticas que estão de alguma maneira envolvidas nas investigações e denúncias da Operação Lava-Jato e suas decorrências pelo país.
O grupo que pressiona a presidente Cármen Lúcia pretende se reunir com ela na terça-feira, mas não está certo que essa reunião se realizará. O certo é que a presidente não está disposta a aceitar passivamente uma pressão que nunca aconteceu na História do Supremo Tribunal Federal para tirar de seu presidente o poder de organizar a pauta dos julgamentos.
17 de março de 2018
Merval Pereira
O Globo
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