"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 27 de março de 2018

MODOS ECONÔMICOS COMPARADOS


China cresce muito pois se trabalha muito ou porque se pratica muita política industrial?

Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, a economia de mercado com propriedade privada dos meios de produção é praticamente o único modelo de organização da produção e distribuição dos bens eserviços adotado mundo afora.

No entanto, há enorme diversidade na maneira de organizar a economia de mercado.

Simplificando muito, é possível separar os diferentes modos de expressão do modelo “economia de mercado com propriedade privada dos meios de produção” em dois eixos.

O primeiro eixo diferencia as sociedades na existência ou não de um Estado de bem-estar social. Pode ou não haver oferta pública abundante de seguros públicos que protegem os cidadãos dos azares de uma economia de mercado: contra a pobreza, contra a perda de capacidade laboral em razão da incapacitação ou envelhecimento, contra doenças, contra desemprego etc.

Quando há oferta pública abundante de seguros, a carga tributária é elevada e o Estado será grande.

A diferenciação ao longo desse eixo define escolhas normativas. Não há nada na teoria econômica que indique que um modelo é melhor do que outro. Vale o gosto do freguês: maior dinamismo econômico e risco maior ou maior equidade e, para financiá-la, maior carga tributária. Temos a tradicional disjuntiva direita e esquerda como definida, por exemplo, por Norberto Bobbio.

O segundo eixo estabelece o grau de intervenção do poder público no espaço econômico. Trata-se de saber se a regulação sobre a economia será mais ou menos pesada. Enfrentamos temas como: abertura da economia ao comércio internacional de bens e serviços, abertura da conta de capital, haver ou não muitos setores liderados por empresas estatais, o contrato de trabalho ser minuciosamente regulado ou não etc.

Essa dimensão dos diferentes modos de organizar o modelo “economia de mercado” não se associa diretamente à disjuntiva esquerda vs. direita. Por exemplo, tanto a ditadura militar, principalmente após o governo Geisel, quanto o governo petista, principalmente após a saída de Palocci da Fazenda, na virada de 2005 para 2006, eram intervencionistas.

Há de tudo neste mundão. Temos o modelo anglo-saxão —liberal nas duas dimensões—, o modelo escandinavo —pouco intervencionista, mas com Estado de bem-estar social abrangente—, o modelo de Europa latina —com mais intervenção e Estado de bem-estar social abrangente— e o modelo asiático —muito intervencionista e sem Estado de bem-estar social (isto é, com uma rede de proteção social mínima ou muito pequena comparada ao padrão médio do mundo ocidental).

Quando digo que a China é liberal, enfatizo a baixa carga tributária e a avareza do Estado de bem-estar social. Quando os economistas heterodoxos brasileiros afirmam que a China não é liberal, enfatizam o
intervencionismo.

Rótulo é menos importante. O que importa é o fenômeno.

A China cresce muito pois se trabalha muito, se poupa muito, se estuda muito e se investe muito? Ou cresce muito porque o BNDES deles é muito grande e se pratica muita política industrial?

Me parece que a primeira alternativa é a correta, enquanto para muitos de nossos heterodoxos a segunda opção é o fator decisivo para o sucesso do Leste Asiático. Essa discordância tem natureza positiva e não normativa.

O recente fracasso da nova matriz econômica no Brasil é um sinal de que, no mínimo, o tipo de intervenção asiática não funciona por aqui ou fizemos algo muito diferente do que os asiáticos fizeram.


27 de março de 2018
Samuel Pessoa, Folha de SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário