Todos queremos a paz. Ninguém suporta mais viver nesta guerra intestina e fratricida, no Rio de Janeiro e no país inteiro. A violência urbana ultrapassou todos os limites. Idem, a corrupção, violência silenciosa que também rouba a segurança, a saúde e a vida do povo brasileiro, sem confronto, sem tiroteio, sem que corruptores e corrompidos percam a vida e praticada nos gabinetes palacianos. A intervenção no Estado do Rio de Janeiro, que Temer decretou, era necessária. Retardou muito, mas chegou. Mas chegou com decreto juridicamente capenga. Tão falho, mas tão falho que corre o iminente risco dele ser anulado pelo Judiciário.
Antes das breves considerações sobre as falhas que contém o decreto, indaga-se se a tal intervenção vai resolver ou piorar a situação. Sim, piorar, porque até aqui o Estado faliu, o mal venceu o bem, e as organizações criminosas não acenam para uma rendição. Pelo contrário, poderá ocorrer banho de sangue com enfrentamentos permanentes ou intermitentes.
DIZ A LEGISLAÇÃO – Nos casos previstos na Constituição Federal (CF), a União intervém nos Estados e os Estados em seus Municípios. O caput (cabeça) do artigo 34 da CF é claríssimo quando diz “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:”. E segue o elenco dos motivos da intervenção. Portanto, a intervenção é no Estado. Estado por inteiro. Estado Federado. Estado uno. Estado como pessoa jurídica de Direito Público Interno. O próprio decreto de Temer, no artigo primeiro diz “Fica decretada a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro até 31 de Dezembro de 2018”.
A Constituição não autoriza “intervenção setorial”, como esta baixada por Temer, que decretou a intervenção da União apenas na Segurança Pública do Estado do Rio, mantido Pezão como governador, apesar de o decreto ter nomeado interventor, o general de Exército Walter Souza Braga Netto. É a primeira falha jurídica do decreto, suficiente para que o Judiciário venha anulá-lo.
MANDAR EM QUÊ? – Que situação esdrúxula! O general comanda e manda nas polícias civil, militar, no Corpo de Bombeiros do Estado do Rio e nos militares das Forças Armadas, convocadas para cumprirem a intervenção. E Pezão, governador do Estado do Rio, continua a comandar e mandar também. Mas em quê, onde e quando?
Antes de baixar o decreto de intervenção, Temer não ouviu o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. E a Constituição obriga a oitiva prévia de ambos os Conselhos: “Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre: I – intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio” (CF, artigo 90, I). “Compete ao Conselho de Defesa Nacional opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal” (CF, artigo 91, parágrafo 1º, nº II).
São pressupostos insuperáveis. São exigências que a CF obriga sejam cumpridas e que Temer descumpriu. E com isso, comprometeu a constitucionalidade do decreto de intervenção. Eis a segunda falha jurídica, também suficiente para que o Judiciário anule o decreto.
PODE SUSPENDER? – Temer, em pronunciamento público e oficial à Nação, declarou que pode “suspender” os efeitos do decreto de intervenção a fim de possibilitar que o Parlamento vote a Emenda Constitucional da Previdência Social e, em seguida, Temer restabelecerá o decreto de intervenção.
Esse põe-e-tira, essa “cessação temporária” é incompatível com a importância e seriedade do fim a que se destina o decreto. É brincar com a agonia do povo brasileiro, com a população do Rio de Janeiro. Sabemos que a Administração pode até revogar seus próprios atos. É um poder discricionário que envolve conveniência e oportunidade. Mas revogar ou suspender, temporariamente, ato que decreta a intervenção da União para socorrer Estado cuja população vive uma tragédia em matéria de segurança pública, que agoniza, em que morrem centenas de policiais e milhares de cidadãos e onde o mal venceu o bem, tanto é gesto incontestável de imoralidade administrativa, gesto de impiedade, gesto de cinismo e completo desprezo pela dor e sofrimento humanos.
Eis a terceira falha (patifaria) que ronda o decreto de intervenção, também suficiente para que o Judiciário o anule.
NO SUPREMO – O advogado carioca João Amaury Belem me enviou a petição de um colega nosso, também advogado aqui do Rio (doutor Carlos Alexandre Klomfahs), do Mandado de Segurança Coletivo (no STF, nº 35534) em que o referido causídico pede ao STF que o decreto seja declarado inconstitucional. Não teve êxito. Mandado de Segurança Coletivo somente pode ser impetrado por pessoa jurídica, que não é o caso do mencionado advogado, que impetrou o Mandado de Segurança em nome próprio.
O instrumento apropriado, para cassar judicialmente o decreto e forçar Temer a baixar outro, sem imperfeições, seria a Ação Popular, mesmo caminho que um grupo de advogados trabalhistas, também aqui no Rio, seguiu e usou para impedir a posse de Cristiane Brasil como ministra do Trabalho. Os atos administrativos — todos, seja do presidente da República ou de qualquer outro agente público, ainda que de pequeno município brasileiro, quando colidem com a Constituição Federal e desprezam a liturgia que as leis impõem para que sejam baixados — são eles alvos da velha Ação Popular, de 1965, sancionada por Castelo Branco. Até um juiz federal de primeira instância pode anulá-los.
18 de fevereiro de 2018
Jorge Béja
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