Do ponto de vista técnico, qualquer vídeo, real ou falso, pode ser produzido
Nos últimos meses, um grupo razoavelmente grande de pessoas começou a se dedicar ao que batizaram deepfakes. São vídeos nos quais o rosto de uma pessoa é cuidadosamente transplantado para o corpo de outra. Uma das manias é colocar o ator Nicholas Cage nas cenas mais improváveis. Use a palavra deepfake e o nome do ator numa busca do YouTube. A outra mania, como não poderia deixar de ser, é pescar cenas pornográficas e encaixar nelas mulheres famosas.
Não é difícil produzir deepfakes, há um aplicativo para isso. Chama-se FakeApp. O usuário precisa encontrar uma série de fotos do rosto que deseja transplantar e um algoritmo de inteligência artificial analisa os movimentos na face do filme que receberá o transplante. Cada sorriso ou arquear de sobrancelha. Quadro a quadro a cena é analisada e, o novo rosto, baseado em fotos, esculpido. Alguns dos resultados são muito impressionantes.
É uma brincadeira de geeks, ainda desconhecida por boa parte das pessoas. Mas, do ponto de vista técnico, qualquer vídeo pode ser produzido. Hoje. Um garoto de 15 anos daqueles que passa o dia à frente da tela poderá, após algumas horas de trabalho, apresentar um filme indistinguível se real ou falso do papa Francisco recebendo suborno de um bicheiro. Não custa nada.
Foi em maio do ano passado que o WhatsApp informou pela última vez quantos usuários tinha, no Brasil – 120 milhões. Segundo o TSE, agora em janeiro éramos quase 147 milhões de eleitores. É razoável imaginar que pelo menos 70% dos brasileiros aptos a votar troquem mensagens pelo sistema. É o meio de comunicação digital mais difícil de monitorar. Temos como analisar a disseminação de dados pelo Facebook, pelo Twitter, pela web. O WhatsApp, dedicado a conversas privadas, não raro em grupos, é fechado.
E, ora, temos um problema com fatos. As diferenças ideológicas, em todo o mundo, extrapolaram para além da interpretação. Quem monitora as conversas travadas nas redes de esquerda e de direita, por aqui, percebe isso nitidamente. Grupos diferentes escolhem em que fatos vão acreditar. Chamam isso de interpretação. Não é. É optar por só acreditar naquilo que lhe interessa.
Quando falamos de fake news, estamos frequentemente olhando para o retrovisor. Para os EUA e o Reino Unido de 2016. Pois 2018 já é outro mundo do ponto de vista tecnológico. A capa da edição que chega agora às bancas americanas da revista Wired narra como, internamente, o Facebook lentamente reconheceu sua participação no desastre eleitoral. Desastre não pela eleição de Donald Trump ou escolha do Brexit. Desastre porque seu mecanismo contribuiu para que o eleitor fosse mal informado às urnas. Maliciosamente mal informado, diga-se, por grupos que sabem se aproveitar da fragilidade das pessoas que já se predispõem a acreditar apenas naquilo que confirma suas opiniões.
Google e Facebook, ao que tudo indica, trabalharão duro para que ataques do tipo que ocorreram nos EUA não funcionem por aqui, no México, Itália ou Irlanda, as democracias relevantes que realizam eleições nacionais este ano. Têm os melhores engenheiros. É bem possível que consigam deter os usos já mapeados da magia negra do marketing eleitoral.
Mas junte não só fake news escrita ou em áudio distribuída via WhatsApp, como também os deepfakes. Tente convencer um bom naco do eleitorado de que aquele filme – com Lula, com Ciro, com Marina, com Bolsonaro, com Alckmin, não importa – é falso. Junte isto a um cenário espatifado, com mais de dez candidatos, no qual quem largar na frente nos primeiros meses terá uma vantagem irreparável.
Basta atacar aquele candidato com quem disputa eleitores. Pois é. Esta eleição dá medo.
18 de fevereiro de 2018
Pedro Dória, O Estado de SP
Nos últimos meses, um grupo razoavelmente grande de pessoas começou a se dedicar ao que batizaram deepfakes. São vídeos nos quais o rosto de uma pessoa é cuidadosamente transplantado para o corpo de outra. Uma das manias é colocar o ator Nicholas Cage nas cenas mais improváveis. Use a palavra deepfake e o nome do ator numa busca do YouTube. A outra mania, como não poderia deixar de ser, é pescar cenas pornográficas e encaixar nelas mulheres famosas.
Não é difícil produzir deepfakes, há um aplicativo para isso. Chama-se FakeApp. O usuário precisa encontrar uma série de fotos do rosto que deseja transplantar e um algoritmo de inteligência artificial analisa os movimentos na face do filme que receberá o transplante. Cada sorriso ou arquear de sobrancelha. Quadro a quadro a cena é analisada e, o novo rosto, baseado em fotos, esculpido. Alguns dos resultados são muito impressionantes.
É uma brincadeira de geeks, ainda desconhecida por boa parte das pessoas. Mas, do ponto de vista técnico, qualquer vídeo pode ser produzido. Hoje. Um garoto de 15 anos daqueles que passa o dia à frente da tela poderá, após algumas horas de trabalho, apresentar um filme indistinguível se real ou falso do papa Francisco recebendo suborno de um bicheiro. Não custa nada.
Foi em maio do ano passado que o WhatsApp informou pela última vez quantos usuários tinha, no Brasil – 120 milhões. Segundo o TSE, agora em janeiro éramos quase 147 milhões de eleitores. É razoável imaginar que pelo menos 70% dos brasileiros aptos a votar troquem mensagens pelo sistema. É o meio de comunicação digital mais difícil de monitorar. Temos como analisar a disseminação de dados pelo Facebook, pelo Twitter, pela web. O WhatsApp, dedicado a conversas privadas, não raro em grupos, é fechado.
E, ora, temos um problema com fatos. As diferenças ideológicas, em todo o mundo, extrapolaram para além da interpretação. Quem monitora as conversas travadas nas redes de esquerda e de direita, por aqui, percebe isso nitidamente. Grupos diferentes escolhem em que fatos vão acreditar. Chamam isso de interpretação. Não é. É optar por só acreditar naquilo que lhe interessa.
Quando falamos de fake news, estamos frequentemente olhando para o retrovisor. Para os EUA e o Reino Unido de 2016. Pois 2018 já é outro mundo do ponto de vista tecnológico. A capa da edição que chega agora às bancas americanas da revista Wired narra como, internamente, o Facebook lentamente reconheceu sua participação no desastre eleitoral. Desastre não pela eleição de Donald Trump ou escolha do Brexit. Desastre porque seu mecanismo contribuiu para que o eleitor fosse mal informado às urnas. Maliciosamente mal informado, diga-se, por grupos que sabem se aproveitar da fragilidade das pessoas que já se predispõem a acreditar apenas naquilo que confirma suas opiniões.
Google e Facebook, ao que tudo indica, trabalharão duro para que ataques do tipo que ocorreram nos EUA não funcionem por aqui, no México, Itália ou Irlanda, as democracias relevantes que realizam eleições nacionais este ano. Têm os melhores engenheiros. É bem possível que consigam deter os usos já mapeados da magia negra do marketing eleitoral.
Mas junte não só fake news escrita ou em áudio distribuída via WhatsApp, como também os deepfakes. Tente convencer um bom naco do eleitorado de que aquele filme – com Lula, com Ciro, com Marina, com Bolsonaro, com Alckmin, não importa – é falso. Junte isto a um cenário espatifado, com mais de dez candidatos, no qual quem largar na frente nos primeiros meses terá uma vantagem irreparável.
Basta atacar aquele candidato com quem disputa eleitores. Pois é. Esta eleição dá medo.
18 de fevereiro de 2018
Pedro Dória, O Estado de SP
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