Apesar de provocar grande repercussão e, em um primeiro momento, maior sensação de segurança, a intervenção federal no Rio de Janeiro não deve gerar resultados positivos em médio e longo prazos, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem. O motivo é que o Exército não teria know-how suficiente para lidar com responsabilidades administrativas. Na avaliação deles, a medida desvia o foco de problemas mais profundos.
Para o presidente do Instituto Cidade Segura e membro-fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Marcos Rolim, o modelo da intervenção segue o “mesmo ritual de improviso e desperdício de dinheiro público”. “Na prática, trata-se de oferecer uma resposta emergencial e superficial a problemas crônicos e que demandam reformas institucionais”, diz.
TEMERIDADE – A repercussão mais grave, segundo Rolim, é a submissão de toda a segurança pública do Rio de Janeiro à autoridade de um general. “Pode ser pessoa muito capacitada, mas não para os desafios da segurança pública. Isso é, sem trocadilhos, uma temeridade”, complementa.
De acordo com o professor de direito constitucional Bruno Burgarelli, da PUC Minas, a troca de comando não deve resolver os “problemas orçamentários, o sucateamento das viaturas e a corrupção nas polícias”, por exemplo. Ele classifica a medida como “situação institucional gravíssima”.
Rolim e Burgarelli também concordam que o Exército não está capacitado para assumir essas responsabilidades administrativas. “Os militares poderiam ser mais bem aproveitados em tarefas de inteligência e na fiscalização de armamentos. O que eles não podem oferecer é policiamento democrático ou política de segurança pública. Qualquer tentativa nesse sentido vai agravar o quadro, pela simples razão de que o preparo militar é para a guerra, e não se trata disso”, analisa Rolim, presidente do Instituto Cidade Segura.
COMPETÊNCIA – A intervenção federal na segurança demorou a acontecer, e a do Rio é a primeira desde 1988, justamente porque o Exército não tem essa competência, diz o professor da PUC Minas. Para Burgarelli, é uma “medida política e não técnica”, uma vez que “nossas instituições políticas são frágeis”.
18 de fevereiro de 2018
18 de fevereiro de 2018
Antes do Rio de Janeiro, os governos do Espírito Santo, em 2002, e do Distrito Federal, em 2010, solicitaram a mesma medida. No entanto, os pedidos não foram aceitos. “É possível que o tema do comprometimento de muitos policiais do Rio com o crime tenha tido um peso na decisão de solicitar a intervenção”, afirma Rolim.
Agora, o Rio pode servir como um laboratório para outras intervenções, que, porém, são pouco prováveis, diz Rolim. “Uma intervenção desse tipo é muito cara – a ocupação da Maré durou um ano, não resolveu um só problema e custou mais de R$ 600 milhões. E ainda há um desgaste dos governos estaduais, que reconhecem sua falência na área”.
HOMICÍDIOS – Enquanto a taxa de homicídios no Rio de Janeiro foi de 32 por 100 mil habitantes em 2017, no Acre foi de 55 por 100 mil e, no Rio Grande do Norte, de 69 por 100 mil.
O aumento da criminalidade violenta, dos tiroteios em comunidades pobres, dos homicídios causados por ação policial e dos assassinatos de policiais nos últimos anos mostra uma deterioração muito grave da segurança pública no Rio. No entanto, a decisão de colocar um general do Exército no comando das polícias do Estado é bastante preocupante, disse em nota a Human Rights Watch.
18 de fevereiro de 2018
Litza Mattos
O Tempo
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