Como restringir a intervenção apenas a um Estado se o problema é nacional e não respeita fronteiras?
O presidente Temer apressou-se a desmentir que tenha decretado a intervenção federal no Estado do Rio apenas para produzir cortina de fumaça que oculte o fracasso do projeto de reforma da Previdência, como pareceu. Não há indicações de que a população acredite nisso.
Mesmo que a intervenção tenha sido decidida por outras razões – por exemplo, para tentar reverter a baixíssima aprovação do governo – parece enterrada a reforma da Previdência. A pauta do Congresso tem como prioridade agora a discussão do decreto de intervenção, o que empurraria inevitavelmente o exame do Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Previdência Social, de importante impacto eleitoral, para mais perto das eleições.
O governo quer mostrar ação em outra direção e será cobrado por isso. A falta de resultados imediatos na área da segurança, além de desmoralizar a intervenção, poderia produzir desastre político, também de consequências eleitorais imprevisíveis.
Há apenas algumas semanas, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, tentava desencorajar uma decisão como a comunicada sexta-feira. Argumentava que uma intervenção em Pernambuco desembocaria necessariamente em outras. Agora, passou a defender a intervenção no Rio e abandonou sua posição anterior. Mas ficou difícil sustentar que outros Estados, como o Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte, não precisem do mesmo tratamento, embora mostrem a mesma anomia na segurança pública e em outras.
A intervenção federal tem por objetivo declarado restabelecer a ordem pública e submeter o crime organizado. As bases da bandidagem serão atacadas e, com elas, o narcotráfico e suas condições de sustentação, assegura ele.
Mas há indicações de que esta não é uma operação planejada, o que, por si só, tende a comprometer seu sucesso. A convocação apressada das autoridades ligadas à área para avaliar a decisão, a rápida mudança de discurso do ministro Jungmann e o apelo a que a população encaminhe sugestões são indicação do grau de improvisação. Uma operação de guerra não se baseia em sondagens populares prévias. Simplesmente põe em marcha decisões amadurecidas pelo Alto Comando.
As Forças Armadas podem ter mapeado certos focos de atuação dos agentes desse estado de violência permanente, pelo menos no Rio e, eventualmente, no Espírito Santo. Mas sobram dúvidas de que a empreitada tenha êxito. Até agora iniciativas desse tipo fracassaram, porque as causas do câncer não foram extirpadas e porque, como outra vez, terão de contar com a colaboração da atual polícia, tão conivente com o crime e tão podre quanto a podridão que se pretende erradicar.
Uma das questões que a nova situação do Rio deve suscitar tem a ver com o âmbito geográfico da segurança que se quer ver restabelecida. Como restringir a intervenção apenas a um Estado se o problema é nacional e não respeita fronteiras? E como evitar que a bandidagem fuja momentaneamente do Rio e busque refúgio em territórios adjacentes e de lá passem a atuar, como aconteceu outras vezes?
Outra questão vai às causas mais profundas. A perda de controle da segurança não ocorreu apenas por gestão incompetente e corrupta das autoridades públicas. Ocorreu porque a droga e o crime viraram negócios tão lucrativos que compram a polícia, compram políticos, compram juízes, compram armamentos pesados, sustentam logísticas complexas, destroem o monopólio da força exercido pelo Estado e sustentam poderoso estado paralelo. Outras regiões do mundo, como Nova York, enfrentaram com sucesso problemas parecidos, com determinação, recursos e com uma polícia competente. Mas, por aqui, estamos a anos-luz de resultados assim.
E há as dúvidas que têm a ver com a economia. O novo adiamento da votação da PEC da Previdência passa o sinal de que o rombo das contas públicas continua se abrindo e, assim, tende a alargar as incertezas e a sabotar a ainda frágil recuperação econômica. Nesta sexta-feira, o mercado financeiro pareceu já contar com esse adiamento. Mas a essas incertezas podem juntar-se as outras, tanto as eleitorais de origem interna como as que estão se avolumando nos mercados globais.
Até agora, a população não sentiu a melhora dos indicadores da economia no dia a dia de suas vidas. Apenas em parte isso pode estar acontecendo porque a falta de segurança passou a ser preocupação central do consumidor e prejudicou outras percepções.
Um dos objetivos do governo com a intervenção parece ter sido criar clima favorável para que os resultados da economia sejam mais bem notados.
Enfim, muitas dúvidas pairam sobre esta decisão.
18 de fevereiro de 2018
Celso Ming, Estadão
O presidente Temer apressou-se a desmentir que tenha decretado a intervenção federal no Estado do Rio apenas para produzir cortina de fumaça que oculte o fracasso do projeto de reforma da Previdência, como pareceu. Não há indicações de que a população acredite nisso.
Mesmo que a intervenção tenha sido decidida por outras razões – por exemplo, para tentar reverter a baixíssima aprovação do governo – parece enterrada a reforma da Previdência. A pauta do Congresso tem como prioridade agora a discussão do decreto de intervenção, o que empurraria inevitavelmente o exame do Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Previdência Social, de importante impacto eleitoral, para mais perto das eleições.
O governo quer mostrar ação em outra direção e será cobrado por isso. A falta de resultados imediatos na área da segurança, além de desmoralizar a intervenção, poderia produzir desastre político, também de consequências eleitorais imprevisíveis.
Há apenas algumas semanas, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, tentava desencorajar uma decisão como a comunicada sexta-feira. Argumentava que uma intervenção em Pernambuco desembocaria necessariamente em outras. Agora, passou a defender a intervenção no Rio e abandonou sua posição anterior. Mas ficou difícil sustentar que outros Estados, como o Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte, não precisem do mesmo tratamento, embora mostrem a mesma anomia na segurança pública e em outras.
A intervenção federal tem por objetivo declarado restabelecer a ordem pública e submeter o crime organizado. As bases da bandidagem serão atacadas e, com elas, o narcotráfico e suas condições de sustentação, assegura ele.
Mas há indicações de que esta não é uma operação planejada, o que, por si só, tende a comprometer seu sucesso. A convocação apressada das autoridades ligadas à área para avaliar a decisão, a rápida mudança de discurso do ministro Jungmann e o apelo a que a população encaminhe sugestões são indicação do grau de improvisação. Uma operação de guerra não se baseia em sondagens populares prévias. Simplesmente põe em marcha decisões amadurecidas pelo Alto Comando.
As Forças Armadas podem ter mapeado certos focos de atuação dos agentes desse estado de violência permanente, pelo menos no Rio e, eventualmente, no Espírito Santo. Mas sobram dúvidas de que a empreitada tenha êxito. Até agora iniciativas desse tipo fracassaram, porque as causas do câncer não foram extirpadas e porque, como outra vez, terão de contar com a colaboração da atual polícia, tão conivente com o crime e tão podre quanto a podridão que se pretende erradicar.
Uma das questões que a nova situação do Rio deve suscitar tem a ver com o âmbito geográfico da segurança que se quer ver restabelecida. Como restringir a intervenção apenas a um Estado se o problema é nacional e não respeita fronteiras? E como evitar que a bandidagem fuja momentaneamente do Rio e busque refúgio em territórios adjacentes e de lá passem a atuar, como aconteceu outras vezes?
Outra questão vai às causas mais profundas. A perda de controle da segurança não ocorreu apenas por gestão incompetente e corrupta das autoridades públicas. Ocorreu porque a droga e o crime viraram negócios tão lucrativos que compram a polícia, compram políticos, compram juízes, compram armamentos pesados, sustentam logísticas complexas, destroem o monopólio da força exercido pelo Estado e sustentam poderoso estado paralelo. Outras regiões do mundo, como Nova York, enfrentaram com sucesso problemas parecidos, com determinação, recursos e com uma polícia competente. Mas, por aqui, estamos a anos-luz de resultados assim.
E há as dúvidas que têm a ver com a economia. O novo adiamento da votação da PEC da Previdência passa o sinal de que o rombo das contas públicas continua se abrindo e, assim, tende a alargar as incertezas e a sabotar a ainda frágil recuperação econômica. Nesta sexta-feira, o mercado financeiro pareceu já contar com esse adiamento. Mas a essas incertezas podem juntar-se as outras, tanto as eleitorais de origem interna como as que estão se avolumando nos mercados globais.
Até agora, a população não sentiu a melhora dos indicadores da economia no dia a dia de suas vidas. Apenas em parte isso pode estar acontecendo porque a falta de segurança passou a ser preocupação central do consumidor e prejudicou outras percepções.
Um dos objetivos do governo com a intervenção parece ter sido criar clima favorável para que os resultados da economia sejam mais bem notados.
Enfim, muitas dúvidas pairam sobre esta decisão.
18 de fevereiro de 2018
Celso Ming, Estadão
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