"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

SE QUEREMOS ACABAR COM OS URUBUS, BASTA ACABAR COM A CARNIÇA

A condenação do ex-presidente Lula é, até agora, o cume de um processo doloroso, em que o país vê expostas as entranhas da corrupção numa dimensão que surpreende até os mais cínicos.

Por onde se olhe não parece haver no mundo político convencional alternativa que não esteja ligada, de alguma forma, ao pervasivo fenômeno de exploração do setor público para fins de enriquecimento pessoal ou financiamento de campanhas (a destinação dos recursos não alivia em nada a sujeira da sua origem).

Já tive oportunidade de explorar aqui as consequências nefastas da caça à renda (da qual a corrupção é a faceta mais tenebrosa) para o crescimento, tema que foi também trabalhado por Samuel Pessôa em sua coluna mais recente com a competência habitual.

Em suma, a caça à renda desvia a busca do lucro da inovação para a captura de recursos, levando ao menor crescimento e, portanto, piores condições de vida, processo detalhadamente explicado por Acemoglu e Robinson em "Por Que as Nações Fracassam", livro indispensável para entender o Brasil e seus dilemas.

Uma vez estabelecida a ligação entre a caça à renda e o baixo desempenho econômico, resta saber como poderíamos romper esse elo e, tão importante quanto, se há alguma chance de fazê-lo.

Francamente, não vejo outro modo de acabar com isso que não passe por uma mudança radical da forma como organizamos nossa economia, em particular como o poder público intervém no domínio econômico.

Está cada vez mais claro que as diversas dimensões da intervenção estatal na economia oferecem aos caçadores de renda, entre eles os corruptos, um amplo manancial de oportunidades.

Vimos isso na Petrobras, vimos isto também na compra de medidas provisórias, na busca por desonerações tributárias, na escolha de "campeões nacionais" (JBS, por exemplo) e na enésima tentativa de ressuscitar a indústria naval, para citar, de memória, uns poucos exemplos.

A lista poderia se estender por bem mais do que os 3.200 caracteres aqui permitidos, mas apenas os casos aqui lembrados dão uma ideia, ainda que pálida, das imensas possibilidades de venda e compra de favores que a atual organização econômica do país permite.

Ocioso, no caso, discutir se a iniciativa parte dos compradores ou vendedores; o que importa é que onde há carniça é para lá que voam os urubus. Assim, se queremos acabar com os urubus, a solução é óbvia: basta acabar com a carniça.

Metáforas de gosto duvidoso à parte (perdão, mas ando bem revoltado), não vejo saída que não passe por ampla privatização e redução drástica da intervenção estatal.

Vai acontecer? A resposta honesta é "não sei", mas confesso ao raro leitor que não tenho muita esperança que nenhuma proposta nesse sentido acabe endossada pela população nas eleições. Reclama-se da corrupção, mas ninguém parece seriamente interessado em acabar com sua origem.

*

Márcio "Maria Antonieta" Holland ainda não entendeu que minha repugnância se limita às ideias econômicas das quais é veículo, seja na sua insistente divulgação, seja, de forma ainda mais grave, na sua aplicação sob a forma da Nova Matriz, que nos levou à pior recessão em quase 40 anos.

Já sua figura pessoal é irrelevante; se me importasse com ela, provavelmente a desprezaria.


31 de janeiro de 2018
Alexandre Schwartsman, Folha de SP

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