Em palestra no Clube de Engenharia, Maria Lúcia Fattorelli, fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, desenhou o Brasil da abundância, que o brasileiro não vê na TV. E, em paralelo, o Brasil da crise e da escassez, do qual se tem notícias praticamente todos os dias, num país que sofre com os reflexos de uma política que historicamente beneficia o sistema financeiro nacional e internacional. Ao tratar do tema “Dívida pública: a mentira do déficit da previdência”, Fattorelli defendeu, com fatos e números, investimentos urgentes na indústria, na geração de emprego, na educação e na saúde, e a necessária auditoria no sistema da dívida pública.
Ao lutar por investimentos “que dão retorno e garantem vida digna à população”, a palestrante vai além, e trava um combate veemente contra o cenário de uma crise, que entende ser fabricada pela política monetária do Banco Central. “A crise é financeira, econômica e seletiva. Os bancos não estão em crise, ao contrário, lucram como nunca”, afirmou.
CENÁRIO DO CAOS – A realidade brasileira de abundância se contrapõe a um cenário de desindustrialização, queda no comércio, desemprego, privatizações em todos os setores e o crescimento de uma brutal crise social, política e ética. Investimentos mitigados e a falta de recursos afetam diretamente a engenharia, o que resulta em um grande contingente de profissionais buscando contratos no exterior ou prestando serviços onde as oportunidades aparecem. Para tudo isso o único remédio que o governo oferece é o ajuste fiscal.
No rol de medidas adotadas estão inúmeras mudanças no texto da Constituição, como a PEC 155, agora Emenda Constitucional nº 95, que engessa por 20 anos o teto para as despesas primárias, que nada mais são do que todas as despesas de manutenção do Estado e dos serviços prestados à população.
Enquanto isso as despesas não primárias continuam resguardadas para pagamento dos juros de uma dívida que cresce na mesma proporção das injustiças sociais.
POLÍTICA SUICIDA – Com um modelo econômico concentrador de riqueza, uma política monetária suicida, um sistema tributário regressivo e o sistema da dívida respaldado pelo ajuste fiscal e as privatizações, o remédio oferecido mata o doente. A política monetária para combater a inflação se resume a juros altíssimos e ações para enxugar a base monetária, explica Fatorelli.
“Neste universo, o endividamento público tem funcionado às avessas: em vez de servir para aportar recursos ao Estado, tem provocado uma contínua e crescente subtração de recursos públicos, direcionados principalmente ao setor financeiro privado. É isso que denominamos Sistema da Dívida”.
Para provar que o problema da dívida não está nos gastos primários, a palestrante registra que no período de 2003 a 2015 o País acumulou um “superávit primário” de R$ 824 bilhões, ou seja, as receitas primárias (constituídas principalmente pela arrecadação de tributos) foram muito superiores aos gastos sociais.
PAGAR A DÍVIDA – “E toda essa montanha de dinheiro foi reservada para o pagamento da dívida pública. Apesar do contínuo corte de investimentos sociais imprescindíveis à população, a dívida pública se multiplicou no mesmo período de R$ 839 bilhões no final de 2002 para cerca de 4 trilhões no final de 2015”.
No Equador, o país mudou após a realização de uma auditoria e o Brasil pode sofrer em breve graves reflexos do mal que quebrou a Grécia a partir de “um esquema financeiro ilegal”, como explica Fattorelli: “Há no Congresso Nacional uma tentativa de legalização das chamadas empresas estatais não dependentes. No Rio já existe a Companhia Fluminense de Securitização, empresa que vai emitir debêntures, pagando juros altos, com a garantia do Estado”.
PEC DA PREVIDÊNCIA – No pacote de projetos de lei e emendas constitucionais está a PEC 287/2016 que Fattorelli define como uma ameaça ao direito à aposentadoria, além de conter uma série de “abusos” aos direitos da classe trabalhadora: joga a idade mínima de homens e mulheres para 65 anos; exige 49 anos de contribuição para aposentadoria integral; precariza e dificulta a aposentadoria do trabalhador rural e impõe regras inalcançáveis para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a agentes insalubres, entre tantas outras decisões bastante divulgadas e também muito criticadas, inclusive por parlamentares.
“O principal argumento do governo é o déficit, o que não é verdade. A lista de devedores da Previdência supera R$ 400 bilhões. A sobra é tão elevada que 30% dos recursos da Seguridade Social são desviados (DRU), principalmente, para pagamentos de juros da dívida pública. Se existisse um déficit, que recurso haveria para desvincular? O governo fabrica o déficit fazendo uma conta distorcida, que considera apenas a arrecadação do INSS e compara com todo o gasto da Previdência”.
“Por isso nossa bandeira é a auditoria, única ferramenta capaz de provar o que estamos dizendo. O Brasil tem que abrir os olhos e acordar para os mecanismos utilizados para gerar a dívida pública e suas consequências. Na prática, não estamos tratando só do desmonte da previdência social e sim da condenação de um país jovem a não ter futuro”, concluiu Maria Lúcia Fattorelli.
(artigo enviado por Luís Hipólito Borges)
12 de janeiro de 2018
João Paulo Caldeira
Site Controvérsia
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