Arquivamento de investigações que envolvem governadores mostra que acusações baseadas apenas na palavra de delatores nada contribuem para a efetiva erradicação da corrupção
A Procuradoria-Geral da República pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o arquivamento de 5 das 11 investigações que envolvem governadores no âmbito da Operação Lava Jato. Conforme apurou o Estado, a Procuradoria não encontrou indícios concretos contra os denunciados – na maior parte dos casos, só havia delações, insuficientes como provas. Esse desfecho mostra, mais uma vez, que a enxurrada de escândalos a partir de acusações baseadas apenas na palavra de delatores serve muito bem à produção de manchetes e à destruição de reputações e carreiras políticas, mas nada tem a contribuir para a efetiva erradicação da corrupção.
Um dos efeitos dessa onda moralista deflagrada contra os políticos em geral é a presunção de que o foro por prerrogativa de função – ou “foro privilegiado”, denominação preferida dos cruzados anticorrupção – é um intolerável arranjo para proteger criminosos. Há muita gente que, embalada por esse discurso radical de alguns procuradores e até de ministros do Supremo Tribunal Federal, considera que o arquivamento de casos contra governadores no STJ prova a impunidade que se pretende denunciar.
Essa certeza quase fanática não encontra respaldo na realidade. O fato de não haver indícios consistentes contra os governadores cujos processos foram arquivados no STJ deveria bastar para concluir que a lei foi cumprida, sem que se possa falar em “privilégio” de nenhuma espécie. Ao que se saiba, ainda vige no Brasil o Estado Democrático de Direito, em que ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal, o que inclui, naturalmente, a produção de provas.
No caso dos governadores e de outros políticos, a situação é ainda mais grave, pois uma mera denúncia, por mais frágil que seja, basta para lançar sobre o denunciado suspeitas que quase certamente lhe custarão preciosos votos. Políticos vivem de imagem, e é claro que acusações de corrupção costumam ser fatais para suas pretensões eleitorais, ainda que mais tarde se comprove a inocência.
Nada disso foi levado em consideração quando as denúncias contra vários governadores foram enviadas ao STJ, que é o foro adequado para julgá-los. Bastou, por exemplo, que Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobrás que está no centro do escândalo do petrolão, dissesse ter distribuído recursos ilegais para Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro, e Tião Viana, do Acre, para que ambos os governadores fossem tratados como possíveis delinquentes. O mesmo aconteceu com os governadores Paulo Hartung, do Espírito Santo, Fernando Pimentel, de Minas Gerais, e Flávio Dino, do Maranhão, todos investigados pela Lava Jato e denunciados como corruptos em decorrência de delações de ex-executivos da Petrobrás e da Odebrecht.
O arquivamento dos processos dificilmente restabelecerá a reputação desses dirigentes, pois hoje em dia, diante da escandalização da política, basta aparecer em qualquer lista suja para que automaticamente se considere o indigitado como corrupto. É evidente que essas considerações não devem inibir eventuais denúncias contra políticos, mas é preciso que estas sejam baseadas em fatos concretos, e não na presunção de que todos os políticos são corruptos e que, portanto, os delatores que se dispõem a denunciá-los só podem estar falando a verdade. Delações, nunca é demais repetir, são apenas o ponto de partida de uma investigação. Sem provas que as corroborem, não passam de falatório irresponsável.
Acusações açodadas e ineptas fazem barulho e colaboram para a disseminação da ideia de que o País está engolfado pela corrupção, que é exatamente o que pretendem os justiceiros que as produzem, mas ao fim e ao cabo seu único efeito concreto é a desmoralização da luta contra os verdadeiros corruptos.
Assim, não se está aqui a dizer que os governadores em questão são culpados ou inocentes, corruptos ou probos, e sim que as denúncias contra eles formuladas, carentes da necessária solidez para seguirem adiante, não tinham nem sequer que ter sido encaminhadas. E isso nada tem a ver com impunidade.
12 de novembro de 2017
Editorial Estadão
A Procuradoria-Geral da República pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o arquivamento de 5 das 11 investigações que envolvem governadores no âmbito da Operação Lava Jato. Conforme apurou o Estado, a Procuradoria não encontrou indícios concretos contra os denunciados – na maior parte dos casos, só havia delações, insuficientes como provas. Esse desfecho mostra, mais uma vez, que a enxurrada de escândalos a partir de acusações baseadas apenas na palavra de delatores serve muito bem à produção de manchetes e à destruição de reputações e carreiras políticas, mas nada tem a contribuir para a efetiva erradicação da corrupção.
Um dos efeitos dessa onda moralista deflagrada contra os políticos em geral é a presunção de que o foro por prerrogativa de função – ou “foro privilegiado”, denominação preferida dos cruzados anticorrupção – é um intolerável arranjo para proteger criminosos. Há muita gente que, embalada por esse discurso radical de alguns procuradores e até de ministros do Supremo Tribunal Federal, considera que o arquivamento de casos contra governadores no STJ prova a impunidade que se pretende denunciar.
Essa certeza quase fanática não encontra respaldo na realidade. O fato de não haver indícios consistentes contra os governadores cujos processos foram arquivados no STJ deveria bastar para concluir que a lei foi cumprida, sem que se possa falar em “privilégio” de nenhuma espécie. Ao que se saiba, ainda vige no Brasil o Estado Democrático de Direito, em que ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal, o que inclui, naturalmente, a produção de provas.
No caso dos governadores e de outros políticos, a situação é ainda mais grave, pois uma mera denúncia, por mais frágil que seja, basta para lançar sobre o denunciado suspeitas que quase certamente lhe custarão preciosos votos. Políticos vivem de imagem, e é claro que acusações de corrupção costumam ser fatais para suas pretensões eleitorais, ainda que mais tarde se comprove a inocência.
Nada disso foi levado em consideração quando as denúncias contra vários governadores foram enviadas ao STJ, que é o foro adequado para julgá-los. Bastou, por exemplo, que Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobrás que está no centro do escândalo do petrolão, dissesse ter distribuído recursos ilegais para Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro, e Tião Viana, do Acre, para que ambos os governadores fossem tratados como possíveis delinquentes. O mesmo aconteceu com os governadores Paulo Hartung, do Espírito Santo, Fernando Pimentel, de Minas Gerais, e Flávio Dino, do Maranhão, todos investigados pela Lava Jato e denunciados como corruptos em decorrência de delações de ex-executivos da Petrobrás e da Odebrecht.
O arquivamento dos processos dificilmente restabelecerá a reputação desses dirigentes, pois hoje em dia, diante da escandalização da política, basta aparecer em qualquer lista suja para que automaticamente se considere o indigitado como corrupto. É evidente que essas considerações não devem inibir eventuais denúncias contra políticos, mas é preciso que estas sejam baseadas em fatos concretos, e não na presunção de que todos os políticos são corruptos e que, portanto, os delatores que se dispõem a denunciá-los só podem estar falando a verdade. Delações, nunca é demais repetir, são apenas o ponto de partida de uma investigação. Sem provas que as corroborem, não passam de falatório irresponsável.
Acusações açodadas e ineptas fazem barulho e colaboram para a disseminação da ideia de que o País está engolfado pela corrupção, que é exatamente o que pretendem os justiceiros que as produzem, mas ao fim e ao cabo seu único efeito concreto é a desmoralização da luta contra os verdadeiros corruptos.
Assim, não se está aqui a dizer que os governadores em questão são culpados ou inocentes, corruptos ou probos, e sim que as denúncias contra eles formuladas, carentes da necessária solidez para seguirem adiante, não tinham nem sequer que ter sido encaminhadas. E isso nada tem a ver com impunidade.
12 de novembro de 2017
Editorial Estadão
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