"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 12 de novembro de 2017

PROCESSOS ARQUIVADOS

Arquivamento de investigações que envolvem governadores mostra que acusações baseadas apenas na palavra de delatores nada contribuem para a efetiva erradicação da corrupção
A Procuradoria-Geral da República pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o arquivamento de 5 das 11 investigações que envolvem governadores no âmbito da Operação Lava Jato. Conforme apurou o Estado, a Procuradoria não encontrou indícios concretos contra os denunciados – na maior parte dos casos, só havia delações, insuficientes como provas. Esse desfecho mostra, mais uma vez, que a enxurrada de escândalos a partir de acusações baseadas apenas na palavra de delatores serve muito bem à produção de manchetes e à destruição de reputações e carreiras políticas, mas nada tem a contribuir para a efetiva erradicação da corrupção.

Um dos efeitos dessa onda moralista deflagrada contra os políticos em geral é a presunção de que o foro por prerrogativa de função – ou “foro privilegiado”, denominação preferida dos cruzados anticorrupção – é um intolerável arranjo para proteger criminosos. Há muita gente que, embalada por esse discurso radical de alguns procuradores e até de ministros do Supremo Tribunal Federal, considera que o arquivamento de casos contra governadores no STJ prova a impunidade que se pretende denunciar.

Essa certeza quase fanática não encontra respaldo na realidade. O fato de não haver indícios consistentes contra os governadores cujos processos foram arquivados no STJ deveria bastar para concluir que a lei foi cumprida, sem que se possa falar em “privilégio” de nenhuma espécie. Ao que se saiba, ainda vige no Brasil o Estado Democrático de Direito, em que ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal, o que inclui, naturalmente, a produção de provas.

No caso dos governadores e de outros políticos, a situação é ainda mais grave, pois uma mera denúncia, por mais frágil que seja, basta para lançar sobre o denunciado suspeitas que quase certamente lhe custarão preciosos votos. Políticos vivem de imagem, e é claro que acusações de corrupção costumam ser fatais para suas pretensões eleitorais, ainda que mais tarde se comprove a inocência.

Nada disso foi levado em consideração quando as denúncias contra vários governadores foram enviadas ao STJ, que é o foro adequado para julgá-los. Bastou, por exemplo, que Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobrás que está no centro do escândalo do petrolão, dissesse ter distribuído recursos ilegais para Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro, e Tião Viana, do Acre, para que ambos os governadores fossem tratados como possíveis delinquentes. O mesmo aconteceu com os governadores Paulo Hartung, do Espírito Santo, Fernando Pimentel, de Minas Gerais, e Flávio Dino, do Maranhão, todos investigados pela Lava Jato e denunciados como corruptos em decorrência de delações de ex-executivos da Petrobrás e da Odebrecht.

O arquivamento dos processos dificilmente restabelecerá a reputação desses dirigentes, pois hoje em dia, diante da escandalização da política, basta aparecer em qualquer lista suja para que automaticamente se considere o indigitado como corrupto. É evidente que essas considerações não devem inibir eventuais denúncias contra políticos, mas é preciso que estas sejam baseadas em fatos concretos, e não na presunção de que todos os políticos são corruptos e que, portanto, os delatores que se dispõem a denunciá-los só podem estar falando a verdade. Delações, nunca é demais repetir, são apenas o ponto de partida de uma investigação. Sem provas que as corroborem, não passam de falatório irresponsável.

Acusações açodadas e ineptas fazem barulho e colaboram para a disseminação da ideia de que o País está engolfado pela corrupção, que é exatamente o que pretendem os justiceiros que as produzem, mas ao fim e ao cabo seu único efeito concreto é a desmoralização da luta contra os verdadeiros corruptos.

Assim, não se está aqui a dizer que os governadores em questão são culpados ou inocentes, corruptos ou probos, e sim que as denúncias contra eles formuladas, carentes da necessária solidez para seguirem adiante, não tinham nem sequer que ter sido encaminhadas. E isso nada tem a ver com impunidade.


12 de novembro de 2017
Editorial Estadão



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