"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

NO "HOUSE OF CARDS" BRASILEIRO, O SUSPENSE É SABER SE HAVERÁ QUORUM OU NÃO

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Fotocharge reproduzida do Extra online
Não há o menor exagero quando os roteiristas da premiada série “House of Cards” reclamam que a ficção não consegue ser mais criativa do que a realidade da política brasileira. Trata-se, simplesmente, de uma constatação. Aqui no Brasil acontece de tudo. Por exemplo, o ministro-relator que tratava do maior escândalo de corrupção do mundo morreu num acidente aéreo quando viajava para um reduto paradisíaco, acompanhado de um empresário de má fama, de uma belíssima massagista e da mão dela, que também não era de se jogar fora, digamos assim. Com toda certeza, os roteiristas de “House of Cards” jamais poderiam imaginar um acidente desse tipo, porque seria considerado inverossímil e sem condições de figurar na trama.
E não paramos por aí. Sem dúvida, a criatividade do enredo na política à brasileira é impressionante, com o governo tomado por uma quadrilha bem definida, cujo presidente da República é formalmente denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a Suprema Corte pede o afastamento dele por 180 dias, para ser investigado e processado, e a Câmara dos Deputados prepara-se para votar se autoriza ou não, em clima de total normalidade democrática.
CAPÍTULO ATUAL – Na política tropicalista, o suspense da votação na Câmara, com ou sem quorum, é o capítulo atual da série da vida real, enquanto House of Cards fica naquelas intrigas de bastidores sem maiores emoções.
O mais interessante, instigante e inquietante é que a crise política brasileira, que tem caráter permanente, já deixou de fazer estragos na economia. Embora o governo não tenha tomado nenhuma medida intervencionista capaz de motivar a retomada do crescimento, a situação vem se normalizando por osmose. Parece que a recessão bateu no fundo do poço e a economia enfim começou a emergir, apesar de os números apresentados pelo governo serem altamente suspeitos, como convém a esse tipo de trama política.
De toda forma, o fato concreto é que a economia se deslocou da política, como se estivessem em compartimentos estanques.
E A BOLSA SOBE… – Quando o jornalista Lauro Jardim divulgou em O Globo que a o empresário Joesley Batista gravara o presidente Temer em conversas nada republicanas, parecia que o Brasil vinha abaixo. No dia seguinte, 18 de maio, a Bolsa de Valores caiu tanto que o pregão teve de ser suspenso. Quando o índice desabou 10,47%, para 60.047 pontos, foi acionando o “circuit breaker”, em pânico geral, como convém a essas minisséries de impacto.
Mas era só brincadeirinha. O mercado foi se acostumando. A derrocada política não arrefeceu, mas a economia se descolou da crise. Nesta segunda-feira, 31 de julho, às vésperas de uma votação que pode afastar o presidente da República, a Bolsa subiu 0,64%, chegando aos 65,920 pontos, é como se estivéssemos no melhor dos mundos. Diante disso, como imaginar que os roteiristas de “House of Cards” tivessem tamanha audácia?
BRECHAS NAS LEIS – Ao contrário da realidade norte-americana, onde os votos são impressos e conferidos, é mais difícil encontrar brechas nas leis, no Brasil a legislação é muito mais complacente, pode ser violentada e estuprada sem maiores traumas. A famosa maioria absoluta aqui pouco significa, o presidente corrupto pode ser “inocentado” por apenas um terço dos votos e seguir em frente, como se não tivesse acontecido nada.
O mais incrível é que no Brasil ninguém sabe o que poderá acontecer, o roteiro é apresentado em tempo real, como um “reality show”. E o suspense do próximo capítulo é saber se haverá quorum ou não nesta quarta-feira. Se houver, o presidente será inocentado pela base aliada e a Justiça terá de se recolher à sua insignificância. Se não houver quorum, o suspense irá aumentando progressivamente, porque ninguém pode prever quando acontecerá a votação.
NOVELA SEM FIM? – O Planalto proibiu que os ministros deixem Brasília nos próximos dez dias, até que surja uma definição da Câmara, se é que isso vai acontecer, porque nada impede que o plenário continue sem quorum até o final da novela, que só acaba dia 31 de dezembro de 2018.
O presidente da República mandou também que os 12 deputados que estão hoje no Ministério deixem os cargos e reassumam os mandatos para votar contra a abertura do processo.
Diante desta realidade ficcional, como os roteiristas de “House of Cards” poderiam competir conosco? Eles tem bons motivos para estar decepcionados. E la nave va, cada vez mais fellinianamente.

01 de agosto de 2017
Carlos Newton

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