No campo calcinado da Câmara dos Deputados, finda a batalha que salvou Michel Temer de por ora ser desalojado do cargo, o ferido mais grave era o Partido da Social Democracia Brasileira, mais conhecido como PSDB. Decidir nunca foi o forte do partido de Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro e Mário Covas. A imagem do muro identifica-o, do lado derrisório, tanto quanto a do tucano do lado favorável. Nunca, porém, a indecisão foi tão patética quanto a de ficar ou não com o governo Temer. Dela o partido sai dividido e em frangalhos.
O PSDB foi humilhado na votação. Ao declararem o voto, os deputados mais abusados afirmavam fazê-lo em apoio ao “relatório do PSDB”. O relatório fora produzido por um quadro então considerado isolado do partido, o mineiro Paulo Abi-Ackel, mas com que prazer, escandindo as sílabas, atribuíam-no a uma orientação partidária. A mensagem era de boas-vindas ao PSDB, tão elegante ao se olhar no espelho, na mesma canoa em que a massa dos deputados rema em busca de cargos, de verbas e de fugir da polícia. Ao concluir-se a votação, mais ainda valeriam as boas-vindas ao revelar-se que, embora pela estreita margem de 22 a 21, a bancada tucana estava com Temer. A caminho do isolamento parecia não Abi-Ackel, mas seus contrários.
Fundado há 29 anos em nome da governança responsável e do combate à corrupção, o PSDB já antes da sessão da Câmara entrara na era da “refundação”. Quando dá o ar de sua graça, a “refundação” indica encrenca. Célebre “refundador”, o ex-governador gaúcho Tarso Genro clamou repetidas vezes, desde a tragédia do mensalão, pela refundação do PT. Tasso Jereissati, presidente interino do PSDB, clama-a agora em socorro de seu partido. Ambos estão do lado certo da fronteira da ética. Embora nem um nem outro tenham explicitado o que querem dizer com “refundação”, algumas linhas gerais são de presumir, entre as quais reconhecimento dos erros do passado, propósito de não repeti-los, conduta transparente, unidade de ação e limpeza nos quadros.
O problema é que os que desprezam a conversa de refundação são mais espertos, e os mais espertos sempre se revelam mais hábeis em construir maiorias. O PT desprezou-a e foi do mensalão ao petrolão. Hoje, segundo orientação da presidente Gleisi Hoffmann, aprofunda-se no bolivarianismo. O PSDB foi da dúvida à divisão, da divisão a um incurável tormento interno, e nesse trajeto não conseguiu desatrelar-se das fatais companhias de uma mala e uma mochila — a mala dos 500 000 de Rocha Loures, o homem da “mais estrita confiança” de Temer, e a mochila de iguais 500 000 do primo de Aécio Neves.
Quatro economistas com atuação no Plano Real ou nos governos FHC — Edmar Bacha, Gustavo Franco, Elena Landau e Luiz Roberto Cunha — enviaram carta a Tasso Jereissati, depois do voto na Câmara, condicionando sua permanência no partido a uma mudança de rumos. A carta lamenta a incapacidade do PSDB de “dissociar-se de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT” e propõe três medidas a ser adotadas na convenção nacional convocada para agosto: a renovação da direção nacional, o abandono dos ministérios que ocupa no governo e, na mesma toada de Tasso, o propósito de “refundar-se programática e eticamente”.
O PSDB nasceu na centro-esquerda, como indicam o nome de “social democracia” e as origens de seus líderes históricos. Com o tempo foi empurrado para a direita pelo PT e deixou-se levar. Hoje está sem rumo, ou melhor, abriga rumos diversos e conflitantes. A carta dos economistas acusa o partido de “deixar vazio o centro político ético de que o país tanto precisa”. Desde a vitória de Emmanuel Macron na França, o centro está na moda. No Brasil, um arremedo grotesco de centro foi batizado de “centrão”; é o mesmo agrupamento imenso, gelatinoso e mal-intencionado que Fernando Henrique, aproveitando-se de uma definição de Sérgio Buarque de Holanda, chama de “atraso”. O centro de que falam os economistas e de que se orgulha Macron seria uma opção para o PSDB refundado. A votação provou no entanto que a práxis do partido está mais para o centrão. É o centrão que, com a bocarra escancarada, lhe deu as boas-vindas na votação da Câmara.
09 de agosto de 2017
Roberto Pompeu de Toledo, Revista VEJA
O PSDB foi humilhado na votação. Ao declararem o voto, os deputados mais abusados afirmavam fazê-lo em apoio ao “relatório do PSDB”. O relatório fora produzido por um quadro então considerado isolado do partido, o mineiro Paulo Abi-Ackel, mas com que prazer, escandindo as sílabas, atribuíam-no a uma orientação partidária. A mensagem era de boas-vindas ao PSDB, tão elegante ao se olhar no espelho, na mesma canoa em que a massa dos deputados rema em busca de cargos, de verbas e de fugir da polícia. Ao concluir-se a votação, mais ainda valeriam as boas-vindas ao revelar-se que, embora pela estreita margem de 22 a 21, a bancada tucana estava com Temer. A caminho do isolamento parecia não Abi-Ackel, mas seus contrários.
Fundado há 29 anos em nome da governança responsável e do combate à corrupção, o PSDB já antes da sessão da Câmara entrara na era da “refundação”. Quando dá o ar de sua graça, a “refundação” indica encrenca. Célebre “refundador”, o ex-governador gaúcho Tarso Genro clamou repetidas vezes, desde a tragédia do mensalão, pela refundação do PT. Tasso Jereissati, presidente interino do PSDB, clama-a agora em socorro de seu partido. Ambos estão do lado certo da fronteira da ética. Embora nem um nem outro tenham explicitado o que querem dizer com “refundação”, algumas linhas gerais são de presumir, entre as quais reconhecimento dos erros do passado, propósito de não repeti-los, conduta transparente, unidade de ação e limpeza nos quadros.
O problema é que os que desprezam a conversa de refundação são mais espertos, e os mais espertos sempre se revelam mais hábeis em construir maiorias. O PT desprezou-a e foi do mensalão ao petrolão. Hoje, segundo orientação da presidente Gleisi Hoffmann, aprofunda-se no bolivarianismo. O PSDB foi da dúvida à divisão, da divisão a um incurável tormento interno, e nesse trajeto não conseguiu desatrelar-se das fatais companhias de uma mala e uma mochila — a mala dos 500 000 de Rocha Loures, o homem da “mais estrita confiança” de Temer, e a mochila de iguais 500 000 do primo de Aécio Neves.
Quatro economistas com atuação no Plano Real ou nos governos FHC — Edmar Bacha, Gustavo Franco, Elena Landau e Luiz Roberto Cunha — enviaram carta a Tasso Jereissati, depois do voto na Câmara, condicionando sua permanência no partido a uma mudança de rumos. A carta lamenta a incapacidade do PSDB de “dissociar-se de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT” e propõe três medidas a ser adotadas na convenção nacional convocada para agosto: a renovação da direção nacional, o abandono dos ministérios que ocupa no governo e, na mesma toada de Tasso, o propósito de “refundar-se programática e eticamente”.
O PSDB nasceu na centro-esquerda, como indicam o nome de “social democracia” e as origens de seus líderes históricos. Com o tempo foi empurrado para a direita pelo PT e deixou-se levar. Hoje está sem rumo, ou melhor, abriga rumos diversos e conflitantes. A carta dos economistas acusa o partido de “deixar vazio o centro político ético de que o país tanto precisa”. Desde a vitória de Emmanuel Macron na França, o centro está na moda. No Brasil, um arremedo grotesco de centro foi batizado de “centrão”; é o mesmo agrupamento imenso, gelatinoso e mal-intencionado que Fernando Henrique, aproveitando-se de uma definição de Sérgio Buarque de Holanda, chama de “atraso”. O centro de que falam os economistas e de que se orgulha Macron seria uma opção para o PSDB refundado. A votação provou no entanto que a práxis do partido está mais para o centrão. É o centrão que, com a bocarra escancarada, lhe deu as boas-vindas na votação da Câmara.
09 de agosto de 2017
Roberto Pompeu de Toledo, Revista VEJA
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