Desde o começo das manifestações, em 1 de abril, a procuradora Luisa Ortega Díaz vem denunciando as violações aos direitos humanos daqueles que se opõem à crescente ditadura de Nicolás Maduro, e mostrou-se ferrenha opositora à implantação – na marra – da Assembléia Nacional Constituinte alegando a ilegalidade do ato e sua inconstitucionalidade. Por esta razão, foi chamada de “golpista” por Tarek El Aissami, o Ministério Público foi destituído de suas funções que passaram ilegalmente às mãos da Defensoria do Povo, e a procuradora teve decretada sua proibição de sair do país, e seus bens e contas bancárias congeladas.
Os funcionários do ministério começaram a ser perseguidos, agredidos e roubados pelas hordas de “coletivos”, motivo pelo qual Luisa Ortega (foto à dir.) entrou com uma medida cautelar pedindo proteção na Comissão Nacional de Direitos Humanos. Ao mesmo tempo, ela também ingressou no TSJ a dois processos por violação dos direitos humanos, invasão de domicílio, privações ilegítimas de liberdade e encarceramento de pessoas cuja justiça já havia decretado a soltura. Os imputados são o diretor do SEBIN (Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, a polícia política da ditadura madurista), Gustavo González López, e o comandante-geral da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), Antonio Benavides, que deverão prestar depoimento amanhã, dia 4 de julho.
Já são 94 dias de manifestações e protestos nas ruas de toda a Venezuela e o saldo é aterrador: 89 mortos, mais de 1.400 feridos, 3.529 pessoas detidas das quais 1.118 continuam presas e 415 civis foram julgados em tribunais militares, segundo o Foro Penal Venezuelano, uma organização civil e sem vínculos com o governo.
Ocorre que, após essas sanções à procuradora Ortega Díaz, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que perdeu há muito sua independência e não opera mais com base nas leis mas nas ordens do ditador Nicolás Maduro, abriu um processo contra ela acusando-a de orquestrar um golpe de Estado, cujo julgamento será no mesmo dia 4 de julho quando serão julgados Benavides e González López.
Em entrevista ao programa Conclusiones, conduzido por Fernando del Rincón no canal CNN en Español, o advogado constitucionalista e presidente da Associação Nacional do Direito Constitucional da Venezuela, José Vicente Haro, explicou alguns procedimentos e lançou uma luz no fim desse túnel. Rincón perguntou o que aconteceria nesses dois julgamentos, uma vez que quem apresentou as denúncias contra os agentes do governo seria julgada no mesmo dia, caso ela fosse condenada e destituída do cargo. Segundo Haro, quando o Ministério Público apresenta a imputação a funcionários públicos e as citações se referem a imputações concretas, já havia adiantado investigações preliminares conforme o Código Orgânico Processual Penal, e chegado à conclusão de que há elementos suficientes para imputar e iniciar o procedimento correspondente, de modo que essa imputação depois dê cabimento correspondente a um processo penal.
Mesmo que se violando a Constituição se destituir a Procuradora, pois só quem pode destituí-la é a Assembléia Nacional e não o TSJ, esses procedimentos devem continuar. E se não continuarem têm uma alta relevância e importância do ponto de vista nacional e internacional, porque a procuradora deve ter esgotado todos os passos prévios dos recursos internos que se tem que realizar em matéria de Direitos Humanos quando se vai denunciar estes assuntos em instâncias internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Penal Internacional (CPI) ou outros organismos internacionais de Direitos Humanos como é o caso da ONU. Esse é o momento certo para que a procuradora apresente um ante-juízo contra Nicolás Maduro, considerando que há uma cadeia de comando tendo já dois altos funcionários processados.
O mundo inteiro já viu muitas atuações de Maduro nas quais se evidencia que ele, como Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, ordenou com base em um decreto de Estado – que está irregularmente vigente na Venezuela – que é o Plano Gran Zamora 800, ordenou a todas as cadeias de comando das Forças Armadas e de Inteligência (como é o caso do SEBIN), a aumentar a repressão, e isto o torna co-partícipe e cúmplice, o torna autor intelectual dessas violações dos Direitos Humanos que agora estão sendo imputados, tanto a Benavides como a González López. E pior que isso foram as palavras ditas por Maduro em 27 de junho passado: “Se a revolução bolivariana fosse destruída, nós iríamos ao combate porque o que não se pôde com os votos, faríamos com as armas” [1]. Segundo o advogado Haro, essa declaração, feita publicamente, já constitui um delito conforme o Art. 1122, parágrafo 5º do Código Penal, que é “instigação para delinqüir, apologia ao delito, instigação à desobediência e às leis” e, além disso, constitui também uma das modalidades de conspiração, constante do Art. 143, parágrafo 2º do próprio Código Penal, supostos que permitiriam à procuradora apresentar uma solicitação de ante-juízo contra Maduro no TSJ.
Segue o comentário do Dr. Haro:
“Supondo que se apresente esse ante-juízo de mérito e no julgamento da procuradora ela seja destituída, ressaltando que o poder para esse ato é da Assembléia Nacional conforme a Resolução 19 da Constituição, especialmente se trata-se de delitos contra os Direitos Humanos, crimes de Direitos Humanos ou crimes de lesa-humanidade, independentemente de qual seja o destino futuro da procuradora o processo contra os agentes do governo deve ser tramitado pelo TSJ que tem a obrigação de decidir, mesmo quando o TSJ pretender – pela falta de autonomia ou independência – desmerecer, declarar inadmissível ou fazer caso omisso a esse ante-juízo, se o assunto se refere a violações dos Direitos Humanos e de lesa-humanidade, isto serviria como antecedente importantíssimo para demonstrar que se esgotou a via interna e acudiu-se a diversos organismos internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Comissão de Direitos Humanos da ONU, Comissão de Direitos Humanos do MERCOSUL e finalmente ao Tribunal Penal Internacional, com maior sustentação e relevância, pois quem faz a solicitação não é qualquer pessoa mas a Procuradora Geral da República”.
A importância de se recorrer a esses organismos é, dentre outras coisas, por causa dos tratados internacionais que a Venezuela subscreveu em matéria de Direitos Humanos, um dos quais, que tem grau constitucional, o Estatuto de Roma que criou a CPI, e cujo Art. 7 refere-se precisamente aos crimes de lesa-humanidade, assassinatos, torturas e perseguições à população civil, por razões políticas que são cometidos de forma sistemática por parte do regime venezuelano.
Quer dizer, está nas mãos da procuradora Luisa Ortega Díaz pôr um ponto final nessa ditadura genocida, e levar às barras dos tribunais todos os envolvidos nessas ações criminosas que o mundo assiste perplexo há já 4 anos.
Todos sabem que essa procuradora é e sempre foi chavista, que foi conivente com muitos dos crimes praticados pelo ditador defunto Hugo Chávez Frías mas para tudo há um limite e parece que ela acordou e está tentado fazer a coisa certa. Está na hora de sua redenção se, mesmo com medo do que pode ocorrer a ela e sua família, der o passo certo na direção certa, pois o momento é agora. Deus permita que ela tenha dado entrada nesse ante-juízo contra Nicolás Maduro, pois do resto as organizações internacionais se encarregarão, com as bênçãos da Virgem de Coromoto.
08 de agosto de 2017
Graça Salgueiro, escritora e jornalista
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